Cientistas detectam
vestígios de barcos romanos afundados
JOSÉ MANUEL OLIVEIRA Mais de quatro séculos
depois de terem sido travadas intensas batalhas
na costa algarvia, uma equipa de investigadores
luso-americana, numa acção inédita no nosso
país, ao conciliar especialistas de várias áreas
e meios tecnológicos, partiu à descoberta de
vestígios de naufrágios a cerca de 350 metros de
profundidade na zona do Canhão de Portimão
devido ao seu interesse arqueológico.
No último dia dos trabalhos, que se prolongaram
por uma semana, poderão ter sido detectados,
através de um sofisticado mini-submarino,
vestígios de possíveis naufrágios.
Os investigadores admitem a eventualidade de se
tratar de restos de embarcações romanas e ainda
dos séculos XVI ou XVII, mas não chegaram a
identificá-los de forma indubitável. É que,
problemas relacionados com a falta de
visibilidade no fundo do mar e uma forte
ondulação, obrigaram à suspensão dos trabalhos,
os quais só em 2005 deverão ser retomados.
«Admito a hipótese de haver em toda a região
algarvia vestígios de embarcações romanas
(século III)», afirma Adolfo Martins, arqueólogo
da Universidade Autónoma de Lisboa.
PROJECTO. Este trabalho internacional foi
iniciado em 1998 por um acordo entre a
Universidade de Connecticut, dos EUA, e a
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) a que se
associaram o Centro de Ciências do Mar da
Universidade do Algarve, a Ocean Technology
Foundation e o Instituto Hidrográfico, o SEMAPP
- Science, Education and Marine Archeology
Program in Portugal. A investigação incidiu nas
áreas de arqueologia, biologia e geologia
marinhas, bem como em aplicações tecnológicas
para o estudo do oceano. A Marinha Portuguesa
funcionou como catalisadora deste projecto,
enquanto o programa Ciência Viva assumiu a
coordenação das actividades ao nível da extensão
educativa.
Esta primeira acção dos investigadores naquela
faixa da costa algarvia contou com um
mini-submarino - que permitia mergulhar até mil
metros de profundidade, ver e gravar as imagens
do ambiente marinho - entre outro equipamento
cedido pela fundação americana.
Trata-se de uma zona de entrada no Mediterrâneo
e de «significativa importância económica desde,
pelo menos, o tempo dos romanos, até à
actualidade. Isto já para não falar da Batalha
de Lagos, verificada no século XVIII e ainda os
múltiplos actos de pirataria, entre os quais do
célebre corsário inglês Francis Drake e de
Vikings, além de outras invasões até ao século
XVI», recordou ao DN Mário Ferreira, arqueólogo
e docente da UAL, reco- nhecendo haver ali
navios nau- fragados da rota da Índia ou do
Brasil.
ARQUEOLOGIA. Por isso, sublinhou,
«pretendemos encontrar estes testemunhos
deixados por galeões do comércio entre as
colónias portuguesas e as ilhas ocidentais e
orientais, bem como de embarcações provenientes
das antigas colónias espanholas, nomeadamente da
América do Sul».
Apesar desse cenário, Mário Ferreira procura
travar eventuais euforias. «É possível encontrar
isso, mas não sejamos muito ambiciosos, devido à
tipologia destes barcos, ao tempo em questão e
ao tipo de fundo existente, com sedimentos muito
leves, parecendo poeira dentro de água. Em
princípio, as jazidas deverão estar
completamente fechadas no fundo do mar.»
Contudo, reconheceu o arqueólogo,
«encontrarmo-las logo numa primeira campanha
visual, seria um totoloto muito grande em termos
arqueológicos e para todos nós que estamos
bastante empenhados nestas campanhas». Afirma
ainda que «todo o trabalho de confirmação dos
achados poderá arrastar-se por vários anos e
poder-se-ão seguir mais campanhas de varrimentos
zonares laterais noutras áreas por forma a
descobrir novos pontos e iniciar um novo
estudo». Refira-se, a propósito, que o SEMAPP
aposta numa investigação para vinte anos.
LEGISLAÇÃO. Mário Ferreira considerou
«equilibrada» a legislação portuguesa
relacionada com estes vestígios subaquáticos,
que «obriga pura e simplesmente a entregar às
autoridades achados arqueológicos» encontrados
no fundo do mar. Porém, admitiu «falta de
fiscalização», devido a «bastantes limitações de
meios por parte da Marinha, que não pode estar
em todo o lado. E sem ovos não se fazem
omeletas».
Por seu turno, o director do projecto, também na
área arqueológica, Adolfo Martins, que também
pertence ao Centro de Estudos do Mar da
Universidade Autónoma, defendeu ao DN que «há
que tentar dissuadir qualquer caçador de
tesouros de intervir nas nossas águas». Mas,
reconhece, «em qualquer parte do mundo, esses
achados podem ser descobertos e levados».
«Existem outras zonas para investigar em toda a
costa portuguesa, incluindo os Açores e a
Madeira. Há projectos em curso e estamos a
trabalhar em conjunto para um melhor
conhecimento da nossa História. O nosso tesouro
é a informação, a leitura e a interpretação
sobre os espólios.» É preciso identificar locais
onde ocorreram naufrágios e «cautela na
divulgação dos mesmos», avisou.