NUNO GALOPIM Têm-se multiplicado as
propostas de romance histórico com cenário
romano. Contudo, na maior parte dos casos, o
espaço político, social e geográfico de Roma (e
seu vasto império) serve sobretudo de base à
evocação do mundo dos gladiadores, dos escravos,
dos feitos militares, das resistências locais e,
por vezes, nada mais acontece que uma simples
adaptação «romana» de enredos à Poirot e
afins... Robert Harris, escritor britânico
revelado há uma série de anos pelo excelente
A Pátria (Fatherland no original, uma
proposta de história alternativa que partia do
princípio de que a Alemanha de Hitler teria
vencido a guerra), apresenta no seu novo
romance, Pompeii, um dos mais
entusiasmantes e sérios retratos do mundo
romano, evitando a fuga fácil para o
lugar-comum, aproveitando até a verdade
histórica (e geológica) para nos chamar ao
coração da vida urbana no espaço hoje conhecido
como a Baía de Nápoles. E, de facto, mais até
que os feitos do inevitável protagonista da
história, Marcus Attilus Primus, o responsável
pelo aqueduto Aqua Augusta, o livro de Harris
celebra acima de tudo um respeito perante as
maravilhas da engenharia e do urbanismo romanos.
Estamos no ano 79. Uma série de incidentes levam
o aquarius (isto é, o responsável pelo
bom funcionamento do aqueduto e pelo
fornecimento de água às cidades que este serve)
a reconhecer a contaminação por enxofre do
caudal que entretanto diminui a olhos vistos e
acaba por se extinguir em Baiae, cidade
portuária no terminal do Aqua Augusta. Marcus
Primus suspeita de uma ruptura na estrutura da
gigantesca construção, comunicando o facto a
Plínio, o Velho, almirante responsável pela
esquadra ali ancorada. Sem o saber, Marcus
Primus havia detectado os primeiros sinais de
aumento de actividade magmática no Vesúvio.
A figura de Plínio (a quem, historicamente,
devemos os relatos mais completos da erupção do
Vesúvio nesse ano de 79), é aqui usada como um
dos muitos ganchos de ligação entre a ficção e o
real. Interessante é ainda a forma como, em
epígrafe, a cada novo capítulo que se desvenda,
o autor recorre a excertos de textos científicos
sobre vulcanologia, que nos vão explicando o
tipo de alterações físicas e químicas que vão
acontecendo na câmara magmática e chaminé da
estrutura vulcânica prestes a entrar em violenta
erupção.
Sem imaginar que o relógio corre para um
desfecho catastrófico (que apagaria do mapa
Pompeia e Herculano durante séculos), o
aquarius procura as causas para a
contaminação da «sua» água. Com pontaria
certeira imagina que Pompeia será das últimas
povoações a conhecer os sintomas dos males que
afectam o aqueduto. Ruma à cidade, onde terá de
enfrentar a indiferença e, mais tarde, o ardil
do poder local. A longa passagem por Pompeia
traduz um conhecimento do espaço, dos hábitos,
das formas. A escrita de Harris fotografa uma
cidade que era descrita como uma das urbes mais
belas e de economia mais florescente na Itália
de então, rodeada por uma baía onde muitos
nobres haviam construído as suas villas.
A erupção do Vesúvio é, inevitavelmente, o
clímax de uma história que abandona a demanda do
aquarius pela saúde do aqueduto e se
projecta então numa luta pela sobrevivência das
populações da baía, dominada pela nuvem de
detritos projectados pela erupção. A queda de
piroclastos é intensa. O ar sufoca. A luz
desaparece sob a nuvem que se abate sobre a
região. Pompeia (e outras povoações
periféricas), afogam-se sob a fúria do Vesúvio.