JOÃO CEPEDA
LONDRES Sentimos «como os
descobrimentos são tão importantes para a
identidade dos portugueses. E devem ser. São
um orgulho legítimo a que nós gostamos de
dar voz.» As palavras são de Amin Jaffer, o
curador do Victoria & Albert Museum,
responsável pela sensação cultural deste
Outono em Londres: Encontros. A maior
exposição a que a Inglaterra alguma vez
assistiu, dedicada ao papel de Portugal no
arranque da globalização.
«Vasco da Gama foi quem tornou tudo isto
possível», acrescenta Amin ao DN. Adam
Smith, o famoso economista e filósofo, já o
tinha dito em 1776. No seu manual sobre a
Riqueza das Nações, o escocês que
ensinou ao mundo as vantagens de as
economias se auto-regularem por uma «mão
invisível» classificava a viagem de Vasco da
Gama à Índia como um dos dois acontecimentos
mais marcantes da História mundial.
O Encontro entre Ásia e Europa de 1500 a
1800, como se intitula a nova exposição
da capital inglesa, é um testemunho dessa
importância. Mas é também uma forma de
mostrar como a globalização, antes de tomar
o rumo estritamente económico que Adam Smith
lhe ajudou a dar, era apenas uma forma de
culturas distintas se tocarem e misturarem.
Para os ingleses, esta lição histórica é
fundamental. «Apesar de a História de
Portugal e de Inglaterra se cruzarem muito,
mesmo nessa altura, os ingleses sabem pouco
deste período. Aprendem muito mais das
glórias do seu Império no século XIX, quando
o mundo já tinha a configuração dos nossos
dias, mesmo que de forma rudimentar. E
quando se voltam para o Oriente, na maior
parte dos casos é só para aprender o que se
passou na Índia».
A explicação foi dada ao DN pela segunda
curadora da exposição, Anna Jackson, outra
confessa «admiradora profunda» da cultura
portuguesa. Anna também compreendeu como os
portugueses sentem a sua História das
Descobertas quando viajou a Portugal em
busca de colaborações. «Não só tivemos uma
ajuda preciosa de dois grandes museus [Museu
de Arte Antiga, Lisboa, e Soares dos Reis,
Porto], como conseguimos garantir
empréstimos valiosos de quatro colecções
privadas que enriqueceram estas salas».
As salas do V'A estão agora ocupadas por
mais de 200 objectos que documentam a forma
como ocidentais e orientais se olharam pela
primeira vez. Como decorriam os encontros
pessoais, como se relacionavam as
instituições, como se reflectia o
Cristianismo, como, finalmente, se
transformava cada um dos lados à medida que
as relações se aprofundavam.
Está tudo exemplificado em cerâmicas
chinesas, tapetes e colchas indianas,
armaduras e caixas japonesas decoradas com
pedras preciosas. Entre as peças que
encheram os porões no sentido inverso, a
caminho do Oriente, há roupas de clérigos,
pinturas, espelhos, e, evidentemente, armas
e relógios, não fosse a tecnologia aquilo
que mais encantou os orientais.
A exposição, que surpreendeu pela positiva
toda a imprensa inglesa, tem o dom raro de
explicar cada história por trás dos objectos
e de dar, aos milhares de visitantes que se
esperam no museu, um toque humorístico aos
acontecimentos. É o que se vê, por exemplo,
na representação gráfica que os japoneses
faziam dos portugueses, em que o nariz, não
raramente, era o pretexto ideal para
caricaturar a fisionomia grande e - para
eles - rude dos ocidentais. Ou nas pinturas
eróticas originais do mesmo país, em que
apareciam as tradicionais cortesãs pedindo
«mais» aos seus amantes holandeses.
Entre o infindável espólio de peças de
valor, recolhido por mais de 40 museus ou
colecções privadas de todo o mundo,
contam-se também mapas, esculturas e biombos
gigantes, de valor incalculável, que
ilustram as primeiras relações de amizade
entre os dois lados do mundo. O crucifixo
indiano do século XVII, emprestado pelo
Museu Soares dos Reis ao Victoria & Albert,
é uma das mais apreciadas peças que viajaram
de Portugal para Inglaterra.
Nos textos que fazem o enquadramento de toda
a informação é Portugal, novamente, o país
protagonista da exposição. Grande parte da
História destes três séculos de apogeu
cultural e comercial para os portugueses é
detalhadamente explicada do ponto de vista
nacional.
Pode ser que tudo pareça demasiado
optimista, tendo em conta as dificuldades de
relacionamento conhecidas, mas para os
curadores esse defeito de interpretação está
perfeitamente salvaguardado. «Não queremos
passar a imagem de que tudo foi perfeito,
obviamente que não. Mas aquilo que
pretendemos demonstrar acima de tudo é o
fascínio mútuo», assegura a curadora Anna
Jackson ao DN.
Depois desta época inicial, continua,
«perdeu-se muita da espontaneidade e
ingenuidade. E os artigos que estão na mão
dos ingleses, por exemplo, já são feitos
muito ao gosto ocidental. É importante, por
isso, testemunhar esses primeiros momentos
de domínio português».
Para bárbaros, ou namban-jin, como os
japoneses nos definiram, não podia haver
maior orgulho.