Espada
para oficiais do Exército Português Modelo
Regulamentar de 1806
"Julgando necessário para a boa ordem e
subordinação, que os Officiaes do Meu
Exercito usem de Distinctivos Característicos
das suas Graduações e Patentes, e Querendo
outro sim regular os Uniformes dos Corpos das diversas
Armas, e Repartições Militares do Exercito,
attendendo neste objecto quanto seja possível
á economia da Minha Real Fazenda; por todos estes
motivos: Hey por bem Approvar e Confirmar o Plano, que
será com este, assignado (
)
(
)
Palácio de Queluz em desenove de Maio de mil
oitocentos e seis.
Com a Rubrica do PRÍNCIPE REGENTE N.S."
Assim começa o "Plano para
os uniformes do exército" do ano de 1806,
que visava pôr termo aos já antiquados
uniformes, usados pelo exército português,
ainda do tempo do Conde de Lippe, e ao mesmo tempo disciplinar
o uso do armamento pessoal.
Neste contexto vamos encontrar a espada regulamentar
para oficiais de infantaria e artilharia, modelo 1806,
que nos nossos dias faz as delícias dos coleccionadores
aficionados de armas brancas, e daqueles que se especializam
na temática da Guerra Peninsular.
Esta espada vem regulamentada no capítulo
I, parágrafos VIII e XII, do referido plano,
nos seguintes termos, respectivamente:
1. "A Tropa de Linha usará de bordaduras,
galões, botões, floretes, dragonas, &c
de metal amarello, e assim mesmo as Ordenanças;
as Milícias usarão de metal branco nos
objectos do mesmo género, que lhes pertencerem;
e assim mesmo as Pessoas empregadas nos Corpos Civis
pertencentes ao Exercito"
2. "Os Officiaes de Infanteria, Artilharia, Milícias
e Ordenanças, Governadores e Estado Maior de
Praças, Pés de Castello e Reformados usarão
de floretes Fig. 38, com punhos de prata, e folhas direitas
de dous gumes com vinte e oito polegadas de comprimento."
Como vimos, o termo florete era
utilizado para designar a espada que motivou a preparação
deste trabalho, representada na Fig. 1, tal como
vem no plano. Esta espada apresenta características
comuns às espadas de uso civil do último
quartel do século XVIII e a outras espadas
regulamentares estrangeiras, da mesma época.
Como referido no primeiro capítulo, parágrafo
8, do plano, as espadas têm copos e guardas
em metal amarelo para as tropas de linha e de metal
branco para as milícias e empregados civis
do exército, e, como referido no parágrafo
12 do mesmo capítulo, punhos de prata e lâminas
direitas de dois gumes.
|
Figura 1
|
Os copos e guardas são,
Fig. 2, na sua esmagadora maioria, em latão
dourado, por vezes em bronze dourado, os punhos
são em madeira recoberta a filigrana de prata,
menos vulgar é a existência de exemplares
em que os punhos são feitos de uma só
peça de prata apresentando a parte exterior
cinzelada a imitar a filigrana.
A maior parte dos exemplares desta arma até
hoje estudados, apresenta características
idênticas às apresentadas no plano,
|
Figura 2
|
no entanto notam-se diferenças
pontuais de exemplar para exemplar, isto motivado pelo
facto de os oficiais da época comprarem o seu
próprio equipamento, mandando fazer a um espadeiro,
segundo o plano, a sua espada de serviço.
Seguidamente refiro algumas das diferenças encontradas
em exemplares a nível da guarda:
1) O escudete, tal como na figura do plano, é
cinzelado com linhas horizontais e paralelas, sendo
esta a decoração mais frequente.
2) Nalguns exemplares é
ornado com uma flor estilizada |
|
3) Noutros, linhas
obliquas e paralelas formando losangos com um pequeno
ponto no centro |
|
4) Ou ainda dividido
em quatro por duas linhas obliquas, em X, com decoração
incisa dentro de cada triângulo formado por
aquelas linhas. |
|
5) Os quartões
inferiores, nalguns exemplares, são bastante
altos, sendo esta uma das características
menos vulgares. |
|
6) É de notar,
também, que nalguns exemplares os bordos
dos copos são levantados, como se mostra
em corte. Há exemplares em que a metade interna
dos copos é rebatível, este refinamento
evitava o roçar dos copos na anca, quando
a espada era usada no talabarte.
|
|
Nos copos, por vezes, existe uma linha
contínua, cinzelada, que acompanha o seu bordo
inferior.
Existem raros exemplares em que a guarda é toda
em prata, Fig 3; exibindo os punções, para
objectos daquele metal, utilizados na época, Fig.
4, em virtude do que reza o plano, relativamente às
tropas de milícias e empregados civis do exército,
penso que estes exemplares terão pertencido a alguns
elementos daqueles corpos do exército, de bolsa
mais recheada, que em vez de mandarem fazer as suas armas
em metal branco optaram por fazê-las em prata.
No entanto é a nível das lâminas que
se encontram as mais significativas diferenças,
sendo vulgar encontrarem-se exemplares com lâminas
de espadas do século XVII, encurtadas, assim como
com lâminas do século XVIII com comprimentos
ligeiramente inferiores ou superiores ao regulamento,
mas sempre com dois gumes, como indicado no plano.
Isto, penso eu, devido ao facto já referido, de
que cada oficial mandava fazer a sua própria arma,
utilizando, por motivos de honra, lâminas de espadas
usadas pêlos seus antepassados ou ainda, por motivos
económicos, fazendo o aproveitamento de lâminas
existentes em armas já obsoletas.
As lâminas encontradas em vários exemplares
da época, e que mantêm em todos eles uma
certa uniformidade, podendo considerar-se "regulamentares",
têm em média 820mm de comprimento e 26mm
de largura no talão, junto aos copos, dois gumes
a todo o comprimento, e uma pequena e estreita goteira
central na sua parte superior, sendo gravadas com motivos
de inspiração vegetalista fig. 5, raros
exemplares mantêm o azulado original.
|
|
|
Figura 3
|
Figura 4
|
Figura 5
|
Como podemos ver na
Fig. 6, tal como vem no plano, a espada tem bainha
de couro com bocal e ponteira de latão dourado,
sendo usada a tiracolo, pendente do talabarte. |

Figura 6
|
A bainha em couro é típica
das espadas e sabres da época para as tropas e
oficiais de infantaria, pois uma bainha em ferro seria
pouco prática, e até perigosa, se no ardor
das cargas se prendesse entre as pernas do portador fazendo-o
cair, as bainhas de couro, tendo uma certa maleabilidade
não colocavam esse perigo, porém, aparecem
exemplares desta espada com bainhas de ferro, munidas
de dois anéis para suspensão, na realidade
essa não seria a forma regulamentar de usar a espada,
no entanto, como era comum na época, os oficiais
superiores de infantaria, por vezes, comandavam as suas
tropas montados a cavalo, por isso seria mais prático
o uso da espada suspensa do cinto por meio de duas correias.
Quero ainda referir os dois tipos de montagem da lâmina
na respectiva guarda:
a) Por cravação da espiga da lâmina
no botão pomo.
b) A espiga é roscada na
sua parte superior, sendo o botão do pomo
um troço roscado internamente que faz a sujeição
da guarda. |
|
"CAPITULO II
Dos Uniformes em particular,
ARTIGO I
Dos Officiais Generaes e Brigadeiros
I
Grande Uniforme
Farda comprida, e direita com grande
bordadura própria da sua Graduação,
botões Fig. 24, veste de panno de lã branco
com huma das bordaduras Fig. 2, 4, 6, 8 conforme cada
hum competir, calção do mesmo panno, florete
Fig, 37 (
) (etc.)"
Assim é descrita, uma das
espadas regulamentares portuguesas de maior raridade,
reproduzida na Fig. 7, tal como aparece no plano
de 1806. |

Figura 7
|
As características desta
espada são semelhantes à espada descrita
na primeira parte deste artigo, no entanto, como
se pode verificar na Fig. 8, as diferenças
a nível da guarda são evidentes; |

Figura 8
|
o pomo é em forma de elmo
empenachado, a meio do guarda-mão há
uma reserva oval, Fig 9, com uma serpe alada em
alto-relevo (a serpe alada nascente é o timbre
das |

Figura 9
|
Armas Reais de Portugal), a ponta
do quartão posterior é mais elaborada,
no escudete, Fig 10, estão as cinco quinas
em alto-relevo, |

Figura 10
|
e na parte interna dos copos há
uma bordadura em forma de flores-de-lis cinzeladas
em alto-relevo, Fig. 11 |

Figura 11
|
No Palácio Nacional
de Queluz existe um quadro a óleo da autoria
de Domingos António de Sequeira, mostrando o
Príncipe Regente, futuro D. João VI, a
cavalo, trazendo uma espada deste tipo.
Conclusão
A espada portuguesa para oficiais de
infantaria e artilharia modelo de 1806, largamente utilizada
no período da Guerra Peninsular, era a arma de
excelência dos nossos garbosos oficiais, que comandavam
as suas tropas nas cargas e sangrentas refregas com
o inimigo, pode-se dizer que era uma arma de pouca utilidade,
na realidade esta espada seria pouco efectiva contra
um sabre de cavalaria ou contra um ataque à baioneta,
apesar de ser uma arma que podia desferir golpes de
cutelo ou, e principalmente, de estocada, sabendo-se
por documentos da época que, normalmente, os
oficiais de infantaria utilizavam, a titulo particular,
uma pequena pistola que era utilizada em caso de extrema
necessidade.
No contexto cavalheiresco da época, praticamente
todos os oficiais de infantaria dos exércitos
envolvidos, principalmente nos primeiros tempos da guerra,
usavam espadas do tipo da nossa, que era utilizada mais
como um símbolo de comando, tal como um século
mais tarde, na 1ª Guerra Mundial, os oficiais de
infantaria comandavam as cargas empunhando um simples
revolver contra as metralhadoras inimigas.
|