O capacete
modelo 1895 para praças de caçadores a cavalo
Pedro Soares Branco (1)
Por decreto de 6 de Junho de 1895, publicado na ordem do
exército nº 11 de 7 de Junho do mesmo ano, foram
introduzidas algumas modificações nos uniformes da
cavalaria (lanceiros e caçadores a cavalo). Nos
capacetes dos caçadores a cavalo, foi adaptada uma
virola de metal ao guarda-nuca, possivelmente destinada
a reforçar a sua resistência estrutural. Também a cor do
penacho, que era preta, foi alterada, passando a ser
branca. No caso dos oficiais, o suporte do penacho foi
dotado de um elemento metálico adicional, o “descanso”,
que era colocado sobre a “oliva” para alargar a
porção superior do penacho. No entanto, este elemento
não parece ter integrado os suportes de penachos das
praças, pelo menos numa fase inicial. Embora fossem
semelhantes, os capacetes dos oficiais, sargentos e
praças apresentavam grandes diferenças em termos de
materiais e qualidade de fabrico (quadro 1). Tal como o
resto do uniforme, os capacetes dos sargentos eram de
qualidade intermédia entre os de oficial e os de praça.
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Oficial |
Praça |
Casco, pala e guarda-nuca |
Couro |
Couro |
Forro do casco |
Carneira e seda |
“Dentes” de carneira |
Ventiladores do casco |
Por vezes |
Nunca |
Metais do capacete |
Metal dourado |
Metal amarelo (latão) |
Emblemas/números da chapa |
Prata ou metal prateado |
Metal branco |
Laço nacional |
Seda azul e branca |
Metal (zinco) pintado |
Forro do grilhão |
Veludo preto |
Carneira preta |
Suporte do penacho |
Oliva e descanso |
Oliva |
Penacho |
Sedas de búfalo |
Crina |
Quadro 1:
alguns aspectos de fabrico dos capacetes do modelo de
1895 de oficial e praça para caçadores a cavalo.
Como é compreensível, as
praças eram muito mais numerosas que os oficiais.
Logicamente, os seus capacetes deviam ser hoje menos
raros. Esta é a regra na generalidade dos países e faz
com que o valor de mercado de um capacete de praça seja
muito mais baixo do que o valor do seu congénere de
oficial. No entanto, em Portugal, esta regra não se
aplica. Contrariamente aos capacetes de oficial, os
capacetes das praças eram propriedade do exército e
foram maciçamente destruídos após a implantação da
república. Como resultado, os capacetes das praças são
hoje extremamente raros. Contam-se pelos dedos de uma
mão o número de exemplares conservados em museus
nacionais e não serão muitos os que existem em colecções
particulares. Assim, todas as intervenções susceptíveis
de recuperar estes excepcionais objectos devem ser
cuidadosa mas decididamente empreendidas. Apresentam-se
a seguir, através duma sucessão de imagens, alguns
aspectos da recuperação de um capacete modelo 1895 para
praças de caçadores a cavalo.
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Figura 2:
os restos do penacho, a parte mais problemática
do conjunto. Embora se tenha conservado, a sua
colocação no capacete considerou-se
esteticamente inaceitável, pelo que acabou por
ser substituído. |
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Figura 3:
procedeu-se em seguida à confecção duma forma em
gesso, adaptada ao interior do casco mas isolada
deste por folha de alumínio. Uma vez retirada, a
forma foi ligeiramente espessada com adição duma
fina camada de gesso. O casco foi seguidamente
molhado, para tornar o couro moldável e colocado
sobre a forma, com interposição dum pano,
alargando um pouco. O processo foi
sucessivamente repetido, com pequenos
alargamentos e deixando o casco secar entre cada
operação. A recuperação da forma original do
casco, que decorreu sem que este sofresse
qualquer dano, foi demorada: cerca de 3 meses! |
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Figura 4: o guarda-nuca, com a virola original.
Sendo confeccionada em latão, a sua limpeza foi
delicada mas não se revelou problemática. No
caso dos capacetes de oficial, no entanto, a
limpeza das peças metálicas é muito mais
complicada, pois deve conservar o dourado
original, cuja perda determina uma grande
desvalorização do objecto. |
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Figura 5:
a pala do capacete tinha perdido a sua virola
original. Este tipo de dano, infelizmente muito
comum, teve que ser suprido através da confecção
de uma nova virola, em latão de espessura
semelhante à da virola do guarda-nuca. |
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Figura 6:
embora se procedesse à sua conservação, não foi
possível a recolocação do forro original, pelo
que foi confeccionado um novo forro, em carneira
pintada de preto. |
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Figura 7:
a pala e o guarda nuca foram cosidos com fio de
correeiro natural, encerado, tendo o cuidado de
respeitar os buracos por onde passava a linha
original e não abrir quaisquer novos buracos.
Note-se a diferença entre a cor original,
conservada na pala e guarda-nuca, e a cor do
casco. |
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Figura 8:
O casco foi seguidamente tingido e envernizado,
readquirindo a sua cor preta regulamentar. A
virola que oculta a costura da pala e do cobre
nuca, também tingida e envernizada, foi
recolocada. Para esse efeito foi usada cola de
correeiro, misturada com algumas gotas dum
agente anti-fúngico. Todas as colas utilizadas
num restauro devem ser facilmente removíveis, se
necessário, pelo que colas agressivas, como cola
de contacto, não devem ter aqui nenhum papel. |
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Figura 9:
O resultado final, uma vez recolocada a chapa
(ela própria objecto de restauro) e o penacho
(original, embora não deste capacete). O
restauro ficou completo com a elaboração duma
ficha, estipulando os materiais e técnicas
empregues, à qual se juntaram as fotografias
realizadas. Todos os materiais originais que não
foram reaproveitados foram adequadamente
conservados em recipientes próprios. |
(1) - Médico.
Membro da Academia Nacional de Belas Artes
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