A Fortaleza do Morro
de São Paulo localizada no Morro de São
Paulo, na ponta noroeste da Ilha de Tinharé,
atual município de Cairú, no litoral do
Estado da Bahia. A rigor, não se trata de
uma única fortificação, mas sim de um
conjunto de baterias e fortes, hoje em
ruínas.
O Morro de São Paulo foi o local
inicialmente escolhido pelo castelhano
Francisco Romero, representante do Donatário
da Capitania de Ilhéus - Jorge de Figueiredo
Correia -, para o seu estabelecimento
(1536). Em pleno território dos índios
Aimoré, razões estratégicas levam à
transferência da sede da Capitania para São
Jorge de Ilhéus. Os povoados de Vila Velha e
posteriormente de Salvador, que
historicamente concentraram os esforços
colonizadores, diminuíram a importância
social e econômica do Morro de São Paulo,
que distante cerca de 64 Km ao sul de
Salvador, em posição privilegiada pelo
regime dos ventos e correntes marítimas,
mantiveram-lhe o valor estratégico
indiscutível no acesso à antiga Capital (a
chamada barra falsa da Baía de Todos os
Santos), enquanto predominou a navegação à
vela.
A Vila de Cairú e a povoação (velha) de
Boipeba, representaram no século XVII,
importante centro produtor de farinha de
mandioca consumida pela cidade de Salvador,
a quem salva, em 1638, durante o cerco do
Conde Johan Maurits van Nassau-Siegen
(1604-79), tendo chegado a produzir 1.200
alqueires/ano. Ali se localizavam também as
serrarias e feitorias de madeiras nobres
para a Coroa portuguesa, escoadas via
marítima pelo canal do Morro de São Paulo.
Esgotados os recursos naturais, o local
entra em decadência a partir de meados do
século XVIII.
Durante a União Ibérica (1580-1640), são
erguidas na Ilha de Tinharé duas
fortificações, representadas em planta do
Engenheiro Paulo Nunes Tinoco, que as
atribui às ordens do governador e Capitão
Geral do Estado do Brasil, Diogo Luiz de
Oliveira (1626-35), dando-as como erguidas
nos meses de setembro a novembro de 1631.
Uma dessas estruturas seria o Reduto de São
Luiz (Forte de São Luiz), com o desenho de
um polígono quadrangular, artilhado com três
peças (GARRIDO, 1940:98; BARRETTO,
1958:186). A outra, no morro de São Paulo,
era o Forte de Nossa Senhora da Conceição
(Forte Velho), e estava artilhada com seis
peças. No alto da colina, o desenho mostra a
Capela de Nossa Senhora da Luz, padroeira da
povoação. A guarnição destas fortificações
tinha como função reprimir as populações
indígenas da região e auxiliar a carga de
madeiras nobres para o reino. Montava de cem
a duzentos homens, recrutados nas imediações
de Cairú e Boipeva (velha), povoações essas
que, em troca do sustento das guarnições dos
fortes, estavam dispensadas do serviço
militar.
Apesar de entre 1699 e 1704 existem
registros de trabalhos de reparos no morro
de São Paulo, a fortificação atual (Forte
Novo) é obra de D. Vasco Fernandes César de
Meneses (1720-1735), conforme documento do
Conselho Ultramarino:
"O vice-rei e capitão-general de mar-e-terra
do Estado do Brasil, Vasco Fernandes César
de Meneses, pela carta inclusa de 29 de
março do ano passado [1724], dá conta a
Vossa Majestade da visita que fez ao
recôncavo da cidade da Bahia, mostras que
nele passou aos regimentos de cavalaria e
infantaria e remete uma planta da
fortificação que se deve fazer no morro de
São Paulo, para a defensa daquela ilha.
E ordenando-se ao brigadeiro Manuel de
Azevedo Fortes interpusesse o seu parecer
sobre este particular, satisfez com a carta
que também com esta sobe à real presença de
Vossa Majestade. (...).
Pareceu ao conselho que ao vice-rei do
Estado do Brasil Vasco Fernandes César de
Meneses se louve o zelo e trabalho e
desinteresse com que se houve nesta visita
do recôncavo da Bahia, e porque segundo se
mostra da planta que remete desenhada pelo
mestre de campo engenheiro Miguel Pereira da
Costa, e do que informa Manuel de Azevedo
[Fortes] ser muito necessária a obra de
fortificação do morro, que Vossa majestade
haja por bem mandar que esta se faça assim e
da maneira que nela se insinua visto ser tão
importante a dita obra.
Lisboa Ocidental, 13 de janeiro de 1725.
Costa, Abreu, Souza, Azevedo, Vasques,
Lacerda.
À margem: como parece. Lisboa Ocidental, 28
de abril de 1727. Rei. (Documentos
Históricos (Vol. XC), 1950. p. 59-60)
A planta citada, de Miguel Pereira Costa,
detalha o desenho da bateria, embaixo, à
direita (Planta do morro de S. Paulo (...),
c. 1725. Arquivo Histórico Ultramarino,
Lisboa) (IRIA, 1966:66). Essa chamada nova
fortificação (Forte da Ponta), apresentava
planta na forma de um polígono quadrangular
aberto, com baluartes nos vértices voltados
para o mar guarnecidos por guaritas
circulares sobre piões, complementava a
anterior (o Forte Velho), com a qual se
ligava por uma cortina poligonal de muralhas
ao longo do canal da ilha, tendo na
extremidade sudoeste a portada de acesso ao
recinto.
Comandava a praça, à época, o capitão de
infantaria Carlos de Sepúlveda, que por
motivo de aposentadoria passava a ser
substituído pelo interino, o ajudante de
tenente Dom José Mirales. As obras na
fortificação iniciaram-se a 4 de abril de
1728, tudo conforme carta do Conselho
Ultramarino datada de Lisboa, a 29 de
outubro de 1728 (Documentos Históricos (Vol.
XC), 1950. p. 170-171). As informações sobre
este período são ratificadas por outra
fonte: entre as Ordens Régias no Arquivo
Público da Bahia, datada de 1730,
encontra-se a petição de Domingos Gonçalves
da Silva, pedreiro da obra no morro de São
Paulo, dando conta que "de 15 de maio de
1728, dia em que o suplicante Domingos
Gonsalves da Silva, dei princípio à obra do
Morro até quatorze do presente mês e ano,
fazem sessenta e três meses;" (Códice 1 2/32
Ordens Régias 1734-1735, fls. 82r, 82 r-v).
Ocupavam-se nos trabalhos a mão de obra de
quarenta escravos. É desta época, também, a
inscrição sobre o portão principal: "Vasco
Fernandes César de Meneses, Conde de
Sabugosa, do Conselho de SS. AA. de
Portugal, alcaide-mor do Reino, comendador
da Ordem de Cristo, fundou esta fortaleza em
1730." (GARRIDO, 1940:97)
Para guarnecê-la, o monarca autorizou, por
carta-régia ao governo da Bahia, datada de
25 de maio de 1731, a que ali permaneça a
companhia regularmente estacionada, composta
de naturais do morro, a maior parte casados,
com roças e outros exercícios para seu
sustento e de suas famílias. Os soldados
residiam em suas casas fora dos muros, uma
vez que o forte possuía apenas dois
quartéis, um para o capitão e outro para o
capelão.
Outra fonte esclarece a questão da
artilharia da fortificação:
"O Conde de Sabugosa [D. Vasco Fernandes
César de Meneses], vice-rei e capitão de mar
e terra do Estado do Brasil, em Carta de 11
de outubro do ano passado [1731] dá conta a
Vossa Majestade de que por todo o mês de
março entenderia poderia ficar concluída a
útil e proveitosa fortificação do morro de
São Paulo, mas que como a obra de pedra e
cal sem artilharia é um corpo desanimado,
devia Vossa Majestade servir-se mandar se
remetam os canhões que várias vezes tem
pedido, que devem ser de gênero columbrino
[(colubrinas)] de [calibres] 12, 18 e 24,
representando também que a fortificação do
Barbalho se acha mui adiantada, e se
continua com o vigor proporcionado à sua
consignação, e que também lhe parecia
lembrar a Vossa Majestade o muito que se
necessita de armamentos e com mais
especialidade de espingardas, porque ainda
que se achem sete para oito mil armas nos
armazéns, a maior parte delas são incapazes.
Ao Conselho [Ultramarino] parece representar
a Vossa Majestade o que escreve o Conde de
Sabugosa, vice-rei do Estado do Brasil, para
que Vossa Majestade seja servido ordenar se
mandem fazer vinte e quatro peças de
artilharia do gênero columbrino de bronze,
por não admitir este gênero de artilharia
outro metal, e que estas sejam de calibre
12, 18 e 24 na forma que o dito Vice-rei
aponta.
E o conselho faz presente a Vossa Majestade
remeter nesta monção, para a cidade da
Bahia, vinte peças de artilharia de ferro de
gênero de canhão de calibre de 18 e 24, das
cinquenta peças que o Conselho tem do
referido gênero e calibre para se repartirem
pelo Estado do Brasil.
E vendo-se o mais que o vice-rei representa
do quanto se lhe fazem precisos os
armamentos e espingardas, se lhe remetam
também nesta monção mil espingardas, ficando
o conselho com mui pouca porção deste gênero
para poder fornecer o Estado do Brasil, nas
contínuas remessas que se costumam fazer do
mesmo gênero para o dito Estado.
E com esta ocasião se vê o conselho na
precisa obrigação de tornar a por na real
presença de Vossa Majestade a lista inclusa
por onde se reconhece o quanto se faz
preciso ao serviço de Vossa Majestade e à
segurança do Estado do Brasil a pronta
remessa dos gêneros de que faz menção a
mesma lista.
Lisboa Ocidental, 25 de junho de 1732.
Abreu. Souza. Vasques. Galvão. Metelo.
(Documentos Históricos (Vol. XC), 1950. p.
274-275)
Nesse ínterim, o capitão engenheiro João
Teixeira, responsável pelas obras, faleceu
(1732), deixando desamparadas as referidas
obras do Forte do Barbalho e do Morro de São
Paulo. As correspondências no Arquivo
Público da Bahia mencionam a existência de
obras ainda em 1733, ano em que foram
recebidas as peças de artilharia pedidas
(junho de 1733).
Uma planta de João de Abreu e Carvalho,
datada de 1759, aponta cinqüenta e uma peças
de ferro e bronze, no morro de São Paulo.
Em meados de 1796 a estrutura já se
encontrava em ruínas, em boa parte devido à
erosão do mar sobre as muralhas (SOUZA,
1983:47), abertas por uma forte ressaca
desde 1774, apesar dos reparos provisórios
na ocasião. Foram providenciados reparos nos
edifícios entre 1800 e 1802 (op. cit., p.
47). O Príncipe-regente D. João, reduziu-lhe
a guarnição aos trinta soldados mais idosos
para que nela passassem os últimos dias, sob
o comando de um oficial subalterno (31 de
agosto de 1809), até que finalmente, durante
reparos efetuados em 1815, as melhores
pedras de cantaria das muralhas arruinadas,
dispersas na praia do Morro, foram
aproveitadas para a construção do edifício
da Associação Comercial de Salvador (ver
Forte de São Fernando).
O imóvel, com 2.335 metros quadrados, se
encontrava, desde 1937, entre os bens do
Ministério da Fazenda, em ruínas e sem
nenhuma aplicação, sendo tombado pelo
Patrimônio Histórico no ano seguinte.
Com a redescoberta do povoado na década de
1970 pelo movimento "hippie", atualmente as
ruínas da fortificação são atração
turística, destacando-se a antiga portada em
pedra com ornatos de cantaria e frontão
curvo com dizeres alusivos ao Império, parte
da construção que teria servido de quartel
para a tropa, e uma ala com arcada sobre
colunas de composição original (SOUZA,
1983:47). No cume do morro, onde hoje existe
o farol, ficavam a primitiva capela, a casa
do capelão, o paiol e um trecho da muralha.