O Real Forte Príncipe da Beira, na margem direita do rio
Guaporé, fronteira natural entre o Brasil e a Bolívia, é o mais
antigo monumento histórico de Rondônia. Sua construção foi
iniciada em 2 de junho de 1776 pelo engenheiro Domingos
Samboceti, que faleceu de malária durante a obra; e concluída em
20 de agosto de 1783 pelo capitão engenheiro Ricardo Franco de
Almeida e Serra.
Sua construção teve o objetivo de consolidar a posse da coroa
portuguêsa sobre as terras à margem direita dos rios Guaporé e
Mamoré, no extremo noroeste do Brasil. Localiza-se há mais de
3.000km do litoral, em ponto ainda hoje de difícil acesso, e em
pleno coração da grande floresta Amazônica. Suas coordenadas
geográficas são: 12° 25' 47'' de latitude sul, 64° 25' 22" de
longitude oeste, e a altitude 220m.
Ao início da obra, disse dela o Governador da Província de Mato
Grosso Luis Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, em junho de
1776: "A soberania e o respeito de Portugal impõem que neste
lugar se erga um forte, e isso é obra e serviço dos homens de
El-Rei, nosso Senhor e, como tal, por mais duro, por mais
difícil e por mais trabalho que dê,... é serviço de Portugal. E
tem de se cumprir."
A ata da cerimônia de lançamento consagra os quatro baluartes
que teria a fortificação a Nossa Senhora da Conceição e Santa
Bárbara, adjacentes ao rio; a Santo Antonio de Pádua e Santo
André Avelino, os que corresponderiam aos anteriores, nesta
ordem, voltados para a floresta.
O Forte é um quadrado com 970m de perímetro, muralhas de 10m
de altura e seus quatro baluartes são armados, cada um, com
quatorze canhoneiras, construído de acordo com o sistema Vauban.
No entorno, um profundo fosso somente permitia ingresso através
de ponte elevadiça que conduzia a um portão com 3m de altura,
aberto na muralha norte. No interior haviam quatorze residências
para o comandante e os oficiais, além de capela, armazém e
depósitos.
Uma lápide à entrada do Forte diz, em latim:
"Sendo José I, Rei fidelíssimo de Portugal e do Brasil, Luis
Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, por escolha da Majestade
Real, Governador e Capitão Geral desta vastíssima Província de
Mato Grosso, planejou para ser construída a sólida fundação
desta fortaleza com o Augustíssimo nome do Príncipe da Beira com
o consentimento daquele Rei fidelíssimo e colocou a primeira
pedra no dia 20 de junho do ano de Cristo de 1776. ...".
Apenas para deixar evidente os imensos sacrifícios exigidos para
sua construção: quatro de seus canhões, de bronze e calibre 24,
enviados de Belém do Pará em 1825, através do rio Tapajós,
levaram cinco anos para alcançar seu destino.
O Forte dista 25km da cidade de Costa Marques, e 750km de Porto
Velho.
Foi abandonado em 1889, já na República, e permaneceu em
absoluto abandono cerca de 40 anos, sendo saqueado e invadido
pela floresta. Em 1914 foi reencontrado pelo então Major Rondon,
que retornou em 1930 e construiu as instalações da unidade
militar que acantonou ao lado das ruínas.
Na masmorra sombria do velho Forte, com janelas de grossas
grades, e argolas cravadas na parede, ainda se lê, gravadas nas
paredes (respeitando a ortografia dos autores):
No dia 18 de Set. pelas 2 da tarde tremeo a terra 1852.
A Deus ingrata prizão
De ti me despesso obriozo
Tendo suportado gostozo
Em ti a mais dura aflição (ass Juvino)
"Nesta triste e Horrorosa prisão
Vive o pobre e Enfeliz Pacheco
Com groça e comprida corrente ao pescoço.
Mato Groço me prendeo
A Fortaleza me cativou
Preso e cativo estou
De quem tanto me favoreceo
Grande satisfação tevi
Quando em liberdade
Agradecer a boa vontade
Com que alguns senhores
Me fazem seus favores
Nesta minha advercidade
Neste desterro desgraçado
Em que a çorte me lançou
muito agradecido estou
a tropa e o povo honrado
agradecido e obrigado
as esmolas que me teem feito
Capitão Cunha em meu peito
o teu nome tenho gravado
e nele conservado
ca ahonde do Brasil
o reino principia
provincia de Mato Groço
assim chamada
nesta abobada imunda inabitada
noite e dia
com groça e comprida
corrente fria
tem seu colar
no pescoço pendurada
com dois mantos
escolhidos e emprestados
pelos maiores
quena terra havia"
(obs: nada se sabe da sorte do infeliz Pacheco)
O Forte foi tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, em 30/Nov/1937.
Em posição dominante na fronteira com a Bolívia, esta fortaleza
é considerada uma das maiores edificadas pela Engenharia Militar
portuguesa no Brasil Colonial, fruto da política pombalina de
limites com a coroa espanhola na América do Sul, definida pelos
tratados firmados entre as duas coroas entre 1750 e 1777
Antecedentes: a geopolítica de Portugal na AmazôniaA construção
do Real Forte Príncipe da Beira, bem como a dos demais fortes a
Oeste da raia do Tratado de Tordesilhas, exemplifica a visão
geopolítica da diplomacia portuguesa no século XVIII, que,
aproveitando-se do Tratado de Madri (1750), procurou assegurar a
posse do território e, a despeito de outros tratados que o
anulariam posteriormente, garantiu em linhas gerais a atual
fronteira do país.
Durante o reinado de José de Portugal (1750-1777), o ministro
Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, lançou um
projeto efetivo de colonização da Amazônia. Sob sua orientação,
decisões estratégicas de grande alcance foram tomadas,
destacando-se a construção de um verdadeiro cordão de fortes e
fortalezas, a fim de barrar as vias de penetração que, pelo
Norte e pelo Oeste atingiam a bacia amazônica.
Visando à consolidação do domínio português na calha do rio
Guaporé devido à aproximação dos espanhóis, desde 1743, o seu
antecessor, D. João V (1706-1750), tendo em vista a exploração
de ouro na região, criou a capitania do Mato Grosso, nomeando
como seu primeiro Governador e Capitão-General, a D. Antônio
Rolim de Moura Tavares. Este fundou Vila Bela da Santíssima
Trindade, às margens do rio Guaporé que passou a ser a sede da
Capitania.
Paralelamente à exploração de ouro por portugueses e paulistas,
os espanhóis procuravam o mesmo objetivo, estabelecendo missões
jesuítas ao longo do Guaporé e seus afluentes, gerando uma série
de conflitos.
Em virtude destes atritos e para garantir a soberania portuguesa
na região, foi construído, em 1769, o Presídio de Nossa Senhora
da Conceição, cuja fragilidade levou os espanhóis a tentar sua
conquista, só não obtendo êxito em virtude de terem sido vítimas
de febres e outros males.
Em 1772, assume funções Luís de Albuquerque de Melo Pereira e
Cáceres, quarto Governador e Capitão-general da Capitania do
Mato Grosso. Conforme determinação da Coroa, em seus planos
encontra-se o de dominar ambas as margens do Guaporé, afastando
os Castelhanos e assegurando o integral controle das minas dos
Guarujus, entre o Paragaú e o Tanquinhos (atual Mateguá),
garantindo caminho seguro via Guaporé, Mamoré e Madeira para o
monopólio da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão.[1]
Para esse fim, em viagem descendo o rio Guaporé ao final de
1773, no desempenho das ordens régias que lhe haviam sido
confiadas, inspecionou e aprovou o local na margem direita, para
uma construção "de pedra e cal", em substituição à anterior, o
Forte de Bragança, então arruinado, e do qual distava cerca de
dois quilômetros.
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