A opinião do
adversário
A opinião que o adversário tinha sobre
as tropas a cavalo está bem patente numa parte
duma carta apreendida junto da fronteira com a Zâmbia.
"CHIFUMAGE - SECTOR 2
1 - 9 - 71
Hoje escrevemos esta carta ao Comandante IKO.
Em primeiro lugar, saudações e cumprimentos.
Sim, todos nós estamos aqu ia dormir, afinal
nós viemos de CASSAMBA para aqui para nos juntarmos
ao camaradas e você sózinho? Verdade?
Um dia tu vais morrer à tôa.
Mas não fomos nós que falámos
com o Agostinho para irmos junto contigo lutar com
os brancos, não. Mas agora vemos que todas
as pessoas já foram liquidadas. Já perdeu
a guerra, pronto deixa lá.
Nós estamos a lutar com os brancos, mas hoje
veio a guerra com cavalos, mataram muitos aqui no
Chifumage e no Luena, ficámos nós cinco
aqui, esperando aqui para eu mandar primeiro ao subsector
do Kkeya, aquêle Kakkeya quando vier, vem-nos
dizer para fugir. Quando nos assustarmos iremos para
lá.
Primeiro dizemos-te, aquêle assunto que tu falaste,
ninguém mais aqui quer teimar com os cavaleiros,
nenhum camarada tem corrida para correr com o cavalo
e fazer-lhe fôgo. Aqui os cavalos estão
a lutar com os camaradas, ninguém consegue
matar um.
Aqui nas chanas, mesmo que mandem camaradas para lutar
com os cavalos não vão conseguir. As
pessoas quando estão nas subidas e fazem fogo
contra eles é difícil e há muitos
dos nossos que morrem.
Não sabemos quando vêm aqui ao sector
com o presidente, se calhar quando vierem vão-nos
fazer fugir, não sabemos, mas lembramo-nos
que ainda estamos com vida, vamo-nos embora.
Depressa, manda os camaradas para levarem o material,
nós estamos para sair daqui, agora estamos
cansados de mortes, estamos muito liquidados.
Se tu demorares mais do que um mês, vamos deixar
aqui todo o material e vamo-nos embora, porque vocês
já perderam a guerra"
(Ferrand d'Almeida, Recordações
de um Dragão de Angola)
EPÍLOGO
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O Autor John P. Cann na sua obra
"Contra-insurreição em África
1961-1974" caracterizou a forma como as Forças
Armadas Portuguesas estiveram em África
como "o modo português de fazer a guerra".
O emprego de unidades de Cavalaria a Cavalo no
Teatro de Operações de Angola bem
como o estudo do levantamento do mesmo tipo de
Unidades para Moçambique, (mas que não
se chegou a concretizar), atesta bem, juntamente
com outras metodologias, o espírito criativo
e dinâmico necessário para vencer
uma guerra de contra-insurreição
travada a milhares de quilómetros de Portugal.
Demonstrou também que, ultrapassados os
preconceitos, não existem soluções
completamente fora de tempo. A necessidade continua
a ser a mãe da invenção (ou
pelo menos neste caso a mãe da "reinvenção").
Portugal foi o ultimo país da Europa a
combater a cavalo! Depois de nós os Sul-Africanos
também usaram unidades a cavalo e mais
recentemente o Exército Britânico
no Kosovo e na Bósnia, no âmbito
das Operações de Apoio à
Paz também o fizeram. No Afeganistão,
as forças especiais americanas socorreram-se
novamente do cavalo |
GLOSSÁRIO
Arreio de Cabeça - conjunto de artigos
(correame e ferros) que se adaptam à cabeça
do cavalo, parte do corpo que melhor se presta à
recepção das acções de
direcção e de vontade transmitidas pelas
mãos do cavaleiro.
Arreio de montada - ou arreio de sela, são
destinados ao transporte do cavaleiro sentado sobre
o dorso do cavalo. A sua forma tem em vista a adaptação
do homem ao corpo do animal, formando um todo. O arreio
de montada compreende:
-um selim
-uma cilha
-uma cilha-mestra
-um cobertor
-dois estribos
-dois loros
-um peitoral
Barbela - Consta de uma corrente cujos elos
se ajustam perfeitamente e destina-se a limitar os
movimentos do freio sobre as barras do animal.
Bridão - é o ferro que entra
na boca do cavalo e em que em cada um dos extremos
existe uma argola onde se afivelam as rédeas
de bridão.
Cabeçada - é a designação
genérica para o arreio de cabeça e,
consoante o ferro a usar, poderá ter a designação
de cabeçada de freio, cabeçada de bridão,
cabeçada de freio-bridão.
Cilha - tem por função fixar
o selim sobre o dorso do animal.
Cilha mestra - destina-se a aconchegar as abas
do selim, e a dar uma segunda segurança caso
haja problemas com a cilha. É também
usado para impedir que o cobrejão caia quando
este está sobre o animal.
Estribos - apoios em ferro onde o cavaleiro
coloca os pés e são indispensáveis
a um bom equilíbrio.
Freio - é um ferro que trabalha também
dentro da boca do cavalo assentando nas barras do
maxilar inferior. A actuação do freio
só é efectiva com a intervenção
da barbela.
Freio-bridão - é uma solução
que tem por finalidade evitar o emprego de um bridão
e de um freio distintos, simplificando o arreio de
cabeça. Os Dragões usavam freio-bridão
m/935.
Loros - correias que suspendem os estribos
ao selim;
Peitoral - correias em triângulo que
impedem que o arreio descaia para a retaguarda.
Rédeas - Constam essencialmente de duas
correias e são os meios de comando que o cavaleiro
dispõe para fazer sentir a sua acção.
Selim - é onde o cavaleiro se senta.
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Um momento de alegria! Cavalos
e cavaleiros refrescam-se. Podia ser há
quatro mil anos atrás, quando nas vastas
planícies da Ásia Central o homem
começou a domesticar o cavalo, ou podia
ser na frente Leste, durante a segunda guerra
mundial, quando russos e alemães usaram
pela ultima vez, grandes unidades de cavalaria
a cavalo. Mas não. A fotografia é
tirada no Leste de Angola, no inicio da década
de setenta quando parecia que a história
já tinha empurrado o cavalo, de vez, para
fora dos campos de batalha. A particularidade
dos laços que se estabelecem entre o cavaleiro
e a sua montada conferiu desde sempre às
unidades de Cavalaria um espírito e élan
que a diferenciaram sempre das demais armas criando
nos seus militares um orgulho muitas vezes apelidado
de peneirento. |
BIBLIOGRAFIA
- Abbot, Peter e Manuel Ribeiro Rodrigues, Modern
African Wars (2): Angola and Moçambique 1961-74,
(London: Osprey, 1988);
- Cann, John P., Contra-insurreição
em África 1961-1974. O modo português
de fazer a guerra, (S. Pedro do Estoril, Edições
Atena, 1998);
- Freire, Miguel, Dragoons of Angola, Osprey Military
Journal, vol 4, issue 4, pg 45 - 50.
- Nunes, António Pires, Angola 1966-74. Vitória
Militar no Leste, Colecção Batalhas
de Portugal (Lisboa, Edições Prefácio,
2002)
- Rodrigues, A. Ribeiro, As Campanhas Ultramarinas
1961-1974 Guiné - Angola - Moçambique
(1), (Lisboa, Edições Destarte, Colecção
Guerra e Paz, 2000);
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