Cápsulas Fulminantes
O fabrico das cápsulas fulminantes para
as armas de percussão, mereceu igualmente o maior
cuidado, pois do seu bom funcionamento dependia a
eficácia destas armas
Com a adopção definitiva em 1851, do
sistema de percussão que utilizava uma cápsula
fulminante convencional, havia no Arsenal do Exército
apenas uma máquina para a produção de cápsulas
fulminantes, não possuindo estas a qualidade desejável,
nem a referida máquina a capacidade de produção que
assegurasse as necessidades do exército. Em 1855
construiram-se no Arsenal do Exercito, novas máquinas
para formar o disco de cobre e para o copar
separadamente, com toda a perfeição, atingindo a
produção diária de 8,000 cápsulas, limitada pela
aplicação manual da mistura fulminante e pela aplicação
do verniz que a cobria [relatório das cápsulas
fulminantes]. No ano seguinte, com a construção de novas
máquinas, desta vez baseadas num exemplar francês
apresentado na Exposição Universal de Paris (1855),
melhorou-se consideravelmente o fabrico das cápsulas, na
sua qualidade e produção que podia atingir as 40 000
cápsulas por dia.
A qualidade da mistura fulminante foi
igualmente objecto das atenções, tendo algumas
experiências sido levadas a cabo para o emprego de
misturas fulminantes com sais de ouro ou prata, que não
se revelaram adequadas pela sua hipersensibilidade à
pressão. A velha mistura de clorato de potássio e
antimónio foi abandonada pelo seu forte efeito corrosivo
e deu lugar ao fulminato de mercúrio, preparado no
Arsenal do Exercito. Este podia ser obtido pela
dissolução de Mercúrio em ácido nítrico e álcool,
formando-se cristais, que depois de lavados e moídos,
eram misturados com salitre e carvão, sendo colocados 30
mg desta mistura em cada cápsula de cobre. Em seguida,
era aplicado um verniz de goma-laca, que retinha a
mistura na cápsula e a isolava da humidade.
Algumas sugestões foram feitas no sentido
de aumentar a quantidade de mistura fulminante para 40
mg, contudo as experiências efectuadas revelaram que os
30 mg eram suficientes.
Também a forma da cápsula fulminante foi
objecto de estudo. As primeiras cápsulas fulminantes de
colocar na chaminé, fabricadas no Arsenal do Exército,
eram em cobre, com a forma tronco-cónica exacta da
chaminé e terminavam em seis abas. Estas cápsulas
conservaram-se em uso até 1868. Neste ano foi iniciado
um estudo, que decorreu em alguns regimentos de
Cavalaria e de Caçadores, no sentido de substituir as
cápsulas fulminantes inglesas, que vieram com as armas
Westley Richards e que empregavam ainda a velha mistura
de perclorato de potássio e antimónio, extremamente
corrosiva. Destes estudos, resultaram as novas cápsulas
de corpo cilíndrico que, ao invés das tronco-cónicas,
possuíam apenas 4 abas, o que reduzia a projecção de
estilhaços, sem que dificultasse a sua remoção da
chaminé, depois de percutidas.
 |
Fig. 20 - Cápsula fulminante de quatro abas, fabricada no
Arsenal do Exército. |
Até 1854, havia no Arsenal do Exército
apenas uma máquina para a produção de cápsulas
fulminantes, não possuindo estas a qualidade desejável
nem tão-pouco uma quantidade que assegurasse as
necessidades. Em 1855 foram construídas novas máquinas
para formar o disco de cobre e para copar,
separadamente, tendo sido atingida a produção diária de
8 000 cápsulas. No ano seguinte, melhorou-se ainda o
fabrico das cápsulas fulminantes, tendo sido construídas
máquinas idênticas às empregues em França, sendo a
qualidade destas cápsulas indistinguível das produzidas
internacionalmente.
Munições
Uma vez estabelecido o padrão definitivo
de transformação, para percussão, das armas de
pederneira, foi estudada qual a melhor relação
adarme/vento para estas armas. Ficou então estabelecido
que os projécteis, esféricos, deveriam ter 18 mm de
diâmetro e o vento seria de 1,5 mm, assumindo terem
estas armas um calibre homogéneo de 19.5 mm.
As munições para as espingardas
convertidas para percussão, consistiam num pequeno
embrulho em papel, que continha a carga de pólvora
previamente medida e o projéctil.
Para efectuar o carregamento, o soldado
devia rasgar o papel, despejar a pólvora pelo cano e,
com o papel bem amachucado, fazer uma bucha que seria
inserida pelo cano. Sobre a referida bucha era inserida
a bala, ainda envolta no papel do cartucho, devendo
depois ser bem calcada com a vareta.
Apesar destas munições serem fabricadas
em oficina própria, fixa ou de campanha, os soldados
recebiam também alguma instrução rudimentar de como
fazê-las.
O chumbo, para o fabrico das balas
esféricas, era fundido numa panela de ferro e
transferido para os moldes, devendo ser rejeitadas as
duas primeiras fundições. Isto porque, pelo facto de os
moldes estarem frios, davam origem a balas defeituosas.
Uma vez fundidas as balas, eram passadas
aos aparadores que, com uma tesoura, as separavam das
porções de metal que iam da calha até cada um dos pares
de conchas onde se fundia o projéctil. Uma vez aparadas,
para eliminar os vestígios dos cortes e alguma
irregularidade da superfície da bala, estas eram postas
em grande quantidade, num barril ou num cilindro com
eixo e eram roladas durante três minutos. Por fim, eram
passadas por duas adarmeiras: uma com orifícios de
0.0181 m, pela qual as balas deviam passar e, outra, com
orifícios de 17.9 mm, pela qual as balas não deviam
passar. Estas balas pesavam cerca de 32,5 g.
Os
cartuchos de papel, eram preparados enrolando pequenos
trapézios de papel cartuchinho (com medidas
pré-estabelecidas), em torno de moldes de madeira, sendo
fechados num dos lados. A estes cartuchos, era
adicionada a pólvora, em quantidade adequada ao tipo de
arma (pistola, carabina de Caçadores ou espingarda de
Infantaria) após o que é fechado, adicionada a bala, e
de novo enrolado em papel.
Nota Final
A
generalização do uso militar de armas de percussão foi
tardia, mesmo nas principais potencias militares
europeias. Apesar dos sistemas de ignição com cápsula
fulminante, estarem já generalizados nas armas de caça,
a partir da década de 30 do século XIX, decorreram cerca
de dez anos para que o meio militar reconhecesse a
necessidade de o implementar, apesar das inegáveis
vantagens técnicas e tácticas destas armas.
Este atraso deveu-se, sobretudo, ao facto
de a generalização deste sistema de ignição, passar
necessariamente pela transformação das armas de
pederneira em percussão. Acabaram assim, países como a
Bélgica (que em 1841 optou por criar uma nova arma
padrão de percussão) e como a Inglaterra
(circunstancialmente, devido ao fogo na Torre de Londres
que destruiu a maioria das armas de pederneira
destinadas a serem convertidas), a serem os primeiros
países a generalizar o uso militar da percussão.
Em Portugal, apesar dos estudos no
sentido de converter o armamento de pederneira em
percussão, terem sido iniciados em 1841, só no âmbito
das reformas militares da Regeneração, em 1851, é que
este assunto mereceu a devida atenção. Em 1855, foi
estabelecido o modelo definitivo de transformação e, em
Junho desse mesmo ano, foi ordenado pelo Ministério da
Guerra, que todo o armamento ligeiro fosse substituído
por novo, a adquirir no estrangeiro. A escolha recaiu
sobre o sistema Delvigne-Minié, devendo as conversões
continuar a efectuar-se enquanto não fossem distribuídas
estas novas armas de percussão com cano estriado.
Na primeira visita de D. Pedro V ao
Arsenal do Exército, a 1 de Outubro de 1855, este
reiterou o seu descontentamento pelo estado armamento
ligeiro, obsoleto, gasto e inadequado, tendo sugerido
que parassem as conversões de pederneira em percussão,
pois tratava-se de um gasto inútil.
Na verdade, as armas convertidas para
percussão nunca conquistaram a confiança das tropas nem
dos oficiais. Mesmo ultrapassadas as primeiras
dificuldades, relativas ao rebentamento das borrachas e
às falhas de tiro e, apesar dos cuidados postos na
transformação, as armas sobre as quais se aplicava a
transformação estavam já velhas e gastas, perdendo-se a
vantagem em precisão que este sistema traria. A estes
factores técnicos aliava-se a fraca disciplina e a débil
instrução de tiro a que o soldado estava sujeito.
No Relatório da Escola Central de Tiro,
elaborado pelo Capitão de Cavalaria Cunha Salgado em
1855, este refere: “Inútil é dizer a V. Ex.ª as más
condições, em que estão as armas transformadas; V. Ex.ª
as conhece: todavia, com taes armas e com tão pouca
instrução, creio ter alcançado um pouco, obtendo de
alguns atiradores a certeza de 13,3 a 20 por cento a 200
m. Além de 200 m a incerteza das nossas armas é
espantosa.”
Bibliografia
Barreiros, F. J., (1849), Variedades –
Armas de Percussão, Revista Militar, 1,
303-3049.
Bayley,
D. W., British Military Longarms 1715-1815, Arms and
Armour Press, London, 1971
Cordeiro, J. M., (1852), Material de
Guerra - Espingardas de percussão, Revista Militar,
4, 255-260.
Cordeiro, J. M., (1852), Material de
Guerra - Espingardas de percussão, Revista Militar,
4, 298-303.
Cordeiro, J. M., (1854), Material de
Guerra – Experiências feitas no Arsenal do Exército com
uma espingarda do uso do mesmo exercito, Revista
Militar, 6, 123-128.
Cordeiro, J. M., (1854), Material de
Guerra – Das espingardas convertidas em percussão
Revista Militar, 6, 273-276.
Cordeiro, J. M. (1868) Arsenal do
Exército – VII, Revista Militar, 20, 129-138
Cordeiro, J.M., (1896),
Apontamentos-Armas Portáteis do Exercito Portuguez XI ,
Revista Militar, 48, 433-441; 459-467; 501-504;
525-529.
Gooding,
S. J., (1966) The percussion Primer, The Canadian
Journal of Arms Collecting, 4, 4, 127-149
Gooding,
S. J., (1979) Pellets, Tubes and Caps, The
Canadian Journal of Arms Collecting, 17, 4,
107-125
Greener, W.W., The Gun and its
Development, 9th edition, London, 1910
Mardel, L. História da Arma de Fogo
Portátil, Imprensa Nacional, Lisboa, 1887
Salgado, C. (1855) Relatório da Escola
Central de Tiro em 1855, Ministério da Guerra,
Imprensa Nacional, Lisboa, 1855
Vilhena, J. de, Escritos de El-Rei D.
Pedro V, Imprensa da Universidade, Coimbra,
1923-1930
Fontes documentais
s. n., Relatório sobre o fabrico de
cápsulas fulminantes, 1869, Arq. Histórico Militar,
3ª Div. 13ª Secção, Caixa 46, Doc. 56
s. n., Relatório sobre os resultados
obtidos nas experiências das cápsulas fulminantes
portuguesas nas armas Westley Richards, 1868, Arq.
Histórico Militar, 3ª Div., 13ª Secção, Caixa 46, Doc.
36
s. n., Relatório da comissão de
estudos para o fabrico de cápsulas fulminantes com
quatro abas em vez das habituais seis, 1869, Arq.
Histórico Militar, 3ª Div., 13ª Secção, Caixa 46, Doc.
60
s. n., Fabricação das Munições de
Guerra, Imprensa Nacional, Lisboa, 1856
<<<Página anterior
|