Pistola Savage
Jaime Regalado
1. Introdução
Após a implantação da República
Portuguesa em Outubro de 1910, adivinhava-se já
na conjuntura internacional um conflito à escala
global. Os acontecimentos de Sarajevo a 28 de Junho
de 1914, de onde resultou a morte do Arquiduque Franz
Ferdinand do Império Austro-Húngaro, deram
início a um conflito que, por força de
alianças, desencadeou a 1ª Guerra Mundial.
Em Portugal, na jovem e temperamental república,
os objectivos políticos, as estratégias
nacionais e, em certa medida a política externa,
flutuaram ao sabor das forças politico-partidárias
que detinham o poder, oscilando o país entre
uma neutralidade efectiva e uma intenção
de beligerância interventiva no teatro europeu.
A maior parte do tempo foi passada numa situação
de neutralidade anglófila, assegurando apenas
a soberania sobre os territórios africanos, onde
os incidentes militares com tropas alemãs no
Sul de Angola (Naulila e Mongua) e no Norte de Moçambique
(Muanzúa), iniciaram ostensivamente as hostilidades
em 1914.
Na sequência da vitória do Partido Democrático
em Maio de 1915, a política de defesa orientou-se
para a criação de uma Divisão Auxiliar,
dirigida para intervir no teatro de guerra europeu.
Assim, em Fevereiro de 1916 esta ideia materializou-se
com a designação de Divisão de
Instrução, tendo as tropas sido instaladas
no campo de manobras de Tancos e aí decorrido
a instrução.
Estas manobras culminaram com a grande parada de Montalvo
a 22 de Julho de 1916. Esta foi sobretudo uma demonstração
de aparato militar, pois as manobras em si vieram revelar
deficiências técnicas, principalmente ao
nível da articulação das tropas,
equipamento envelhecido ou desadequado e, sobretudo,
uma doutrina táctica desajustada dos conflitos
europeus emergentes.
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Fig 1 - A parada
de Montalvo a 22 de Julho de 1916.
A culminar os exercícios no campo de manobras
de Tancos, a parada de Montalvo a que assistiu
o Presidente da República Bernardino Machado,
foi essencialmente um exercício de aparato
militar que a jovem república carecia para
a sua afirmação. Nesta imagem, a
Infantaria desfila com as espingardas Mauser 6,5
mm m/904, que não viria a utilizar na Flandres.
In [Conde Falcão]
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No âmbito dos preparativos
para a eminente intervenção de forças
portuguesas no teatro de operações europeu
e na sequência da mobilização de
alguns oficiais na reserva, houve necessidade de completar
as dotações de armas de defesa para oficiais.
Frustrada a tentativa de obter mais pistolas parabellum
junto da DWM, entretanto comprada pela Mauser e então
empenhada em exclusivo no fornecimento de armas para
o exército e marinha alemães (assim como
acontecia em todos os outros países, directa
ou indirectamente envolvidos na 1ª Guerra Mundial),
foi necessário recorrer a um fornecedor externo
a este conflito. Assim, em 1915, foram adquiridas à
Savage Arms Company em Utica, New York, cerca de 1200
pistolas SAVAGE calibre 7,65 mm, que em Portugal tomaram
a designação oficial "Pistola 7,65
mm m/915".
2. A evolução da pistola
Savage
Desde os últimos anos do século XIX, que
o Major Elbert Hamilton Searle, antigo official das
armarias de Springfield, se dedicava ao estudo e desenvolvimento
de sistemas de pistolas semi-automáticas. A 25
de Novembro de 1903 submeteu a patente nº 804984
para uma pistola semi-automática, em que o travamento
da culatra se fazia por rotação do cano.
Patente esta que lhe foi concedida a 21 de Novembro
de 1905.
Não dispondo E. Searl das condições
necessárias para a produção desta
arma inovadora, um investidor de Filadélfia,
William Condit, moveu as suas influências para
que a Savage Arms Company de Utica, Nova Iorque (tradicionalmente
um fabricante de espingardas) o fizesse. De facto, Condit
havia já assumido o suporte financeiro para o
desenvolvimento da pistola, contra 75% dos direitos
da respectiva patente.
Esta conjugação de interesses não
foi certamente independente do processo que então
se encontrava em curso no exército americano:
a escolha de uma pistola semi-automática.
Vencida a resistência à adopção
de uma arma que não um revólver, por parte
dos oficiais mais conservadores, em 1905 tiveram início
os primeiros ensaios que se revelariam aparentemente
intermináveis. Assim, decorrida quase uma década
e um número apreciável de exclusões
de armas de excelência como a Parabellum, a Mauser,
a Mannlicher e a Bergman foram escolhidas as pistolas
Colt e Savage, ambas em calibre .45 ACP.
Esta selecção deveu-se em especial aos
resultados dos ensaios efectuados em 1907 e à
forma como estas armas responderam aos elevados requisitos
impostos pelo governo americano. Na sequência
deste processo, foram distribuídas duzentas de
cada uma destas armas, a unidades de Cavalaria previamente
seleccionadas para procederem aos ensaios no terreno.
Ao fim de três longos anos de ensaios, relatórios
e processos, tanto a Colt como a Savage, vieram ambas
a ser preteridas. Deferida a solicitação
por estas empresas, para introduzir alguns melhoramentos,
os novos modelos foram, uma vez mais, submetidos a ensaios
em Março de 1911, nas armarias de Springfield.
A escolha final viria a recaír sobre a pistola
Colt que seria imortalizada com a designação
de COLT Modelo 1911.
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Fig 3 Publicidade
à pistola Savage empregando um depoimento
de Buffalo Bill sobre a utilização
desta arma.
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Enquanto decorriam os
testes e desenvolvimento da pistola Savage em calibre
.45 ACP para uso militar, a Savage Arms Co. dirigiu-se
também ao mercado civil de defesa pessoal e doméstica,
nos então populares calibres .32 auto (7,65 mm)
e .38 auto. Estas armas, às quais foram implementados
os melhoramentos introduzidos no âmbito da escolha
militar, estavam prontas para entrar em produção
nos finais de 1907 (daí que tenham tomado a designação
de modelo 1907) o que só viria a acontecer em
1908. Entre 1909 e 1910, uma forte campanha publicitária
apelando ao valor da segurança individual e doméstica,
contando com os depoimentos de alguns símbolos
americanos como "Búfalo Bill", deu
a conhecer à América esta pistola, que
ganhou assim uma rápida popularidade.
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Fig 4 Publicidade
à pistola Savage na National Geografic
Magazine, June 1914
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