General Jean Andoche
Junot
Quando rebentou as guerras
revolucionárias, Junot era um estudante de
direito. Já como voluntário foi ferido
em 1792 e 1793. É como sargento em Toulon que
chama a atenção de Napoleão.
Debaixo de fogo, escrevia uma nota ditada por este,
quando foram alvejados tão perto que fez saltar
areia para cima do papel, ao que Junot terá
dito "bem, já não precisarei de
areia" (depreende-se para enxaguar a tinta).
Foi este sangue frio debaixo de fogo que impressionou
Napoleão e o fez nomear Junot seu Ajudante
em Itália. Nessas funções foi
gravemente ferido na cabeça o que se calhar,
em ultima instância, terá provocado o
seu desequilíbrio mental. Acompanhou Napoleão
no Egipto onde participou em diversas vitórias.
Foi preso pela Royal Navy quando regressava a França
em Outubro de 1799. É posteriormente libertado
e regressa a França. Em 1801 é General
de Divisão. Em 1805 é embaixador em
Portugal. Comanda o exército que invade Portugal
em 1807 mas não consegue capturar a família
real. Depois da derrota no Vimeiro e da Convenção
de Sintra é repatriado para França.
Mais tarde regressa a Espanha e depois a Portugal
onde combate na batalha do Buçaco. Em 1812
participa na invasão da Rússia. Regressado
a França no inicio do ano de 1813 começa
a dar fortes sinais de loucura que o levam ao suicídio,
atirando-se de uma janela, em Julho desse mesmo ano.
Morreu sem nunca ter recebido o tão ambicionado
bastão de Marechal.
O comando de Junot
I - Foram poucas, se é que existiram algumas,
as coisas que Junot fez bem. A sua opção
de atacar os Ingleses parece-nos acertada pois tratava-se
de enfrentá-los enquanto não fossem
reforçados por mais unidades inglesas ou ainda
recebessem mais portugueses. Apesar de deter a iniciativa,
Junot, não a soube aproveitar. Não sendo
conhecedor do reforço por parte dos Ingleses
pelas brigadas de Acland e Anstruther, os seus cálculos
foram sempre numa perspectiva que o favorecia.
II - No entanto Junot gozava de uma vantagem nítida
com o seu efectivo de cavalaria que contrastava bastante
com o efectivo reduzido da cavalaria inglesa. Foi
esta arma que Junot não soube rentabilizar
e que arriscaríamos a afirmar que podia ter
sido decisiva para uma vitória. É que,
para além de prescindir de um reconhecimento
pessoal à "linha da frente" e que
é um mínimo do que se pode exigir a
um comandante(12) , Junot também não
deu indicações claras à sua cavalaria
para identificar os pontos fracos do dispositivo inglês.
Na terminologia doutrinária actual a condução
da operação poderia ter sido em "recce-pull",
ou seja, as unidades de cavalaria à frente
reconheceriam os pontos fracos do dispositivo inimigo
e informaria o grosso, que se deslocava atrás,
para o ponto fraco onde exercer o esforço do
ataque. Aliás, não teria sido preciso
muito brio profissional na cavalaria francesa para
detectarem que os ingleses não tinham a sua
cavalaria a vigiar e que o alerta oportuno da aproximação
do inimigo limitava-se a postos avançados das
próprias unidades de infantaria.
III - A opção por um ataque principal
e um ataque secundário na forma de envolvimento
não parece mau, simplesmente ao dividir quase
que equitativamente os seus meios pelos seus dois
ataques, deixou de dar condições a que
existisse um esforço (com fortes probabilidades
de sucesso) e um ataque secundário. Só
mesmo a presença dos Generais comandantes de
divisão no Vimeiro deixava transparecer que
aí era o esforço. Por outro lado ao
deixar para o ataque secundário duas brigadas
de divisões diferentes sem um comandante único,
separadas entre si, no espaço e no tempo, era
comprometer seriamente um ataque coordenado que deveria
ser bem coordenado.
General Arthur Wellesley
É considerado um dos melhores generais britânicos
de sempre. A sua história no período
da Guerra Peninsular confunde-se com a própria
história do envolvimento do exército
britânico na Península. Nasceu em 1769
e foi educado numa academia militar francesa. Quando
foi nomeado para vir para Portugal tinha 39 anos e
era Tenente General. Possuía já uma
carreia distinta em diversos teatros de operações,
não só na Índia como na Europa.
Criticado muitas vezes pela sua natureza defensiva
nas batalhas, a verdade é que em Portugal,
durante o ano de 1808, venceu Delaborde, numa operação
ofensiva, e derrotou, Junot, numa dinâmica operação
defensiva. Acabou por sair ileso da comissão
de inquérito a propósito da Convenção
de Sintra. Depois da morte do general Moore na Corunha,
é nomeado comandante das forças na Península
e combaterá os franceses até ao ano
de 1814 já em terras francesas. Em Portugal
deve-se-lhe as Linhas de Torres verdadeira muralha
que impediu Massena de reconquistar Lisboa.
O Comando de Wellesley
I - Desde que desembarcou em Portugal, Wellesley sabia
que o espirito ofensivo, materializado na iniciativa,
tinha que estar sempre do seu lado. Como já
vimos anteriormente isso não aconteceu somente
porque Sir Harry Burrard assim não o quis.
A batalha do Vimeiro não é uma operação
defensiva de Wellesley, trata-se de uma operação
de protecção a um desembarque e o dispositivo
adoptado era para cumprir essa missão. Julgamos
não ser importante questionar se um outro dispositivo
não teria sido melhor. O que é importante
destacar é a rápida análise da
inutilidade desse dispositivo e uma capacidade extraordinária
de o alterar a tempo de interferir, positivamente,
no desenrolar da batalha. É certo que a decisão
é de Wellesley, mas muito mérito deve
ser dado também aos seus comandantes de brigada
que, por iniciativa própria, demonstraram agilidade
mental de prever as acções do inimigo
e de agir em conformidade. O que se passou com as
unidades de Acland e Anstruther para fazer frente
à iniciativa de Kellermann, é um caso
bem feliz do que cada vez mais se pretende nos exércitos
actuais: que o comandante seja claro na sua intenção
objectivando com clareza a finalidade da operação
para que os seus comandantes subordinados, na ausência
de ordens e face a alterações do contexto
do combate, ajam para a finalidade ultima da operação.
II - Uso inteligente da formação em
linha e do terreno. A organização das
unidades de infantaria inglesa, em linha, por oposição
à formação em coluna das francesas
revelou-se uma pedra chave não só no
Vimeiro como também noutras batalhas peninsulares.
A questão abordada de uma forma simples pode
ser apresentada da seguinte maneira: a coluna é
essencialmente uma formação ofensiva
cuja característica é a velocidade,
o imenso efeito moral de quem está no seu interior
e o efeito aterrador de quem a vê aproximar.
No entanto peca pela falta de poder de fogo. Por outro
lado, a linha, é essencialmente uma formação
defensiva que tem todo o seu valor no potencial de
fogo que consegue debitar. A própria extensão
da linha pode permitir que as suas extremidades façam
fogo de flanco sobre a coluna, ou seja, uma combinação
fatal. Numa situação normal o ratio
de armas a fazer fogo é de 900 na linha contra
200 na coluna.
A combinação da formação
em linha com o uso adequado do terreno potencía
ainda mais esta formação. Ao manter
fora das vistas do inimigo, em contra-encosta, as
linhas principais de atirados e destacando para a
frente uma linha de skirmishers induz-se o inimigo
em erro convidando-o a aproximar-se a uma distância
que quando deparado com a realidade já está
num ponto de não retorno. O efeito do fogo
em massa é então devastador.
Os Portugueses
Tal como já referido
no artigo sobre o Combate de Roliça, o exército
português estava longe de constituir um aliado
credível e com quem se podia contar no momentos
difíceis do combate(13) . Tanto em Roliça
como no Vimeiro a infantaria portuguesa não
chegou a entrar em combate, somente a cavalaria o
fez. Se no combate de Roliça podia haver duvidas
no desempenho da cavalaria portuguesa, o mesmo não
acontece na batalha do Vimeiro. Aqui todas os relatos
dão conta de que a maioria dos cavaleiros portugueses
evitaram a carga sobre os granadeiros de Kellerman
em retirada. O General Beresford com a sua capacidade
de organização e acção
disciplinadora, juntamente com o enquadramento de
oficiais ingleses e a progressiva determinação
e confiança dos soldados portugueses faria
do exército português uma força
militar credível já no ano de 1810.
Sobre a Convenção
de Sintra
Com a Convenção
de Sintra materializou-se a expulsão dos Franceses
de Portugal, ou seja, o end-state da operação,
no que a Portugal dizia respeito, estava alcançado.
Para tal tinha chegado um combate em Roliça
e uma Batalha no Vimeiro, para além do poder
de dissuasão dos numerosos reforços
já a rondar a costa portuguesa. É certo
que se a Convenção de Sintra poupou
os efectivos e equipamentos franceses a verdade é
que o mesmo se passou com os Ingleses. Permitiu também,
desde logo, o uso de Portugal como a testa de praia
para os desembarques na península. Não
se pretende comentar os artigos da Convenção,
que depois de lidos, faz questionar, quem eventualmente
venceu a batalha(14) . O que julgamos positivo na
Convenção de Sintra, numa perspectiva
desta campanha como um todo, é que o end-state
para Portugal foi alcançado sem que tivesse
sido necessário a destruição
do exército inimigo (e consequentemente a destruição
parcial do exército anglo-luso) mas sim pela
perda da vontade de combater dos franceses, ou pelo
menos do(s) seu(s) General(is).
- Se a não aceitação das condições
dos franceses acarretaria um prolongamento da campanha
com todos os custos inerentes para ambos os lados;
- Se a eventual evacuação do exército
francês, por terra, para Espanha iria acabar
por engrossar - no imediato - o exército que
se pretendia combater num futuro próximo;
- Se houvesse uma forma rápida de os retirar
de Portugal impedindo, ou pelo menos atrasando, um
novo emprego militar no teatro de operações
da península;
Então, porque não levá-los, por
mar, para França?
Notas:
1 - Cesar, Victoriano, Estudos
de História Militar, Typ da Cooperativa Militar,
Lisboa, 1903, pg 109
2 - Ver artigo "O combate de Roliça"
3 - Cesar, op cit, pg 112
4 - Foy, Maximilian, Junot's Invasion of Portugal
1807-1808,Worley Publications, 2000, pg 167
5 - Foy, op cit, pg 168
6 - Oman, Sir Charles, A History of the Peninsular
War, Volume I, Greenhill Books, edição
1995, pp 253
7 - Segundo Norbert Landsheit, são palavras
proferidas pelo general Fane in, Fletcher, Ian, Voices
from the Peninsula, Greenhill Books, Londres, 2001,
pg 24
8 - ibid. pp 24
9 - Sir Harry Burrard chega ao campo de batalha
a meio do combate mas tem o bom senso de declinar
em Wellesley a continuação do mesmo,
deixando para o fim da batalha a transferência
de comando.
10 - Continha 22 artigos dos quais é
interessante salientar o artigo Segundo que dizia
que o exército francês retirava-se com
armas e bagagens, sem ser considerado prisioneiro
de Guerra, e tendo a liberdade de combater, logo que
chegasse a França.
11 - General Wellesley, General Sir Harry Burrard
e o General Sir Hew Dalrymple que tinha chegado na
manhã do dia 22 de Agosto e foi quem acabou
por determinar as intenções britânicas.
12 - Existem muitas linhas escritas sobre o
estado de saúde mental de Junot aquando da
batalha do Vimeiro. O próprio General Thiébault,
chefe do estado-maior de Junot, admitiu que haveria
já sinais de alienação mental.
13 - A Ordem de Batalha do exército
Português na batalha do Vimeiro é sensivelmente
a mesma que em Roliça. Ver artigo "O Combate
de Roliça"
14 - Poder-se-á afirmar que se os ingleses
ganharam no Vimeiro os franceses ganharam nas negociações
que culminaram com a convenção.
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