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Munições e acessórios
A espingarda Guedes
utiliza a munição 8 x 60 R, tendo sido estabelecido a
carga de 4,5g de pólvora Rothweil. O projéctil, com 16
g, é constituído por uma liga de chumbo, zinco, estanho
e antimónio, com forma cilíndrico-ogival e 32 mm de
comprimento. O invólucro, em latão, com 60 mm de
comprimento, tem rebordo (rimmed). O cartucho completo
pesa 33 g e mede 81,5 mm de comprimento. O projéctil, é
encamisado em papel normal, na sua parte cilíndrica, de
modo a efectuar o travamento nas estrias. Entre o
projéctil e a pólvora situa-se uma pastilha
lubrificadora, entre duas rodelas de cartão de modo a
não ficar em contacto nem com a pólvora nem com o
projéctil. Na Áustria, foi obtida uma velocidade à boca
de 520 m/s e um alcance máximo de 2400 m com esta
munição.
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Fig. 22 Munição 8 x 60 R para a espingarda Castro Guedes. Gravura da
obra de Luís Mardel, História da Arma de Fogo
Portátil.
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Estas munições terão sido
fabricadas na Áustria, sendo pouco provável que algumas
tenham sido fabricadas no Arsenal do Exército. Na
verdade, no contrato de aquisição das Espingardas Guedes
e carabinas Kropastchek, estava incluída a aquisição da
maquinaria necessária ao fabrico de munições, o que
pressupõe a inexistência das máquinas necessárias para a
produção destas munições. Tendo em conta a posterior
alteração do contrato, de modo a trocar as espingardas
Guedes por espingardas Kropastchek, e o facto de as
espingardas Guedes nunca terem sido distribuídas em
Portugal, parece pouco provável que houvesse produção de
munições Guedes no Arsenal do Exército.
Faz igualmente parte dos
acessórios desta arma, um protector de boca em latão,
que permite efectuar a passagem da vareta ou corrente de
limpeza, sem que afectasse a boca do cano (Fig. 23).
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Fig. 23 Protector de boca
em latão. Acessório da espingarda Castro Guedes
para permitir a limpeza do cano sem danificar a
coroa, extremamente importante para manter a
precisão da balística da arma. |
Conclusões
Numa primeira abordagem
ressalta o anacronismo da escolha, em 1885, de uma
espingarda de tiro simples como arma padrão para a
Infantaria, enquanto simultaneamente, se adquiriu uma
arma de repetição para as tropas de Caçadores e
Cavalaria. Paralelamente, reforça este anacronismo, o
número significativo de países europeus que nesta altura
haviam já adoptado, de forma generalizada, o uso de
armas de repetição ou ainda, terem convertido para
repetição as suas armas de tiro simples (caso da
Alemanha que em 1884 convertera a espingarda Mauser
modelo 1878 para repetição com carregador tubular sob o
cano dando origem à espingarda Mauser 1878-84).
O espírito conservador de
alguns oficiais e falta de consenso sobre as vantagens
tácticas do tiro de repetição, foram o principal
obstáculo à generalização das armas de repetição.
Ironicamente, foi
precisamente em 1885 que as conferências de Berlim
desencadearam a corrida para África, forçando Portugal a
uma “ocupação militar efectiva” dos seus territórios.
Poucos anos mais tarde (1890), impôs-se a necessidade de
criar uma doutrina táctica para os conflitos nos
territórios ultramarinos, já que a doutrina táctica
vigente era omissa sobre as questões africanas. As “Instruções
para o serviço de campanha em África” elaboradas
pelo Major Eduardo da Costa e Tenente Ayres d’Ornellas
em 1895, apoiavam-se fortemente no fogo como forma de
evitar o choque que, a acontecer, seria funesto para as
nossas tropas, dada a desproporção numérica com o
inimigo. Revelava-se então a necessidade de emprego de
armas de repetição.
Assim, porque a
espingarda concebida pelo Tenente Castro Guedes não foi
considerada aceitável para o serviço militar, o exército
português viu-se circunstancialmente equipado com uma
arma excelente e a mais adequada às exigências tácticas,
que surgiriam num futuro próximo, com as campanhas de
pacificação.
Em contraste com o
conservadorismo relativo ao tiro simples, ressalta, a
inovação do calibre reduzido. Enquanto nos restantes
países da Europa se discutiam ainda as vantagens dos
ditos calibres reduzidos, e apenas alguns se atreviam a
reduzir os seus calibres padrão para próximo dos 11 mm,
em Portugal, a escolha da espingarda Castro Guedes e das
carabinas Kropastchek, em calibre 8 mm, projectou o
Exército Português para a situação de ser o primeiro a
adoptar um verdadeiro calibre reduzido, pelo
reconhecimento das suas vantagens balísticas,
adequabilidade ao tiro militar e, não menos importante,
dos benefícios logísticos.
Agradecimentos
À Sofia pela sempre
pronta e cuidada revisão crítica dos textos.
Referências
[1] Proc. Guedes Dias, Arq. Hist.
Militar, 3ª Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, doc. 6/3.
[2] Proc. Guedes Dias, Arq. Hist.
Militar, 3ª Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, doc. 15.
[3] Proc. Guedes Dias, Arq. Hist.
Militar, 3ª Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, doc. 18.
[4] Proc. Guedes Dias, Arq. Hist.
Militar, 3ª Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, doc. 23/2.
[5] Proc. Guedes Dias, Arq. Hist.
Militar, 3ª Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, doc. 25/1.
[6] Mardel, Luis "História da arma de
fogo portátil" Imprensa Nacional, Lisboa 1887.
[7] Arq. Hist. Militar, 3ª Divisão, 7ª
Secção, Cx. 1582, Proc. Guedes Dias, Doç. 44/1-3.
Bibliografia
s.n. “Regulamento de Tiro da
Infantaria”, Imprensa Nacional, Lisboa, 1902.
C, (1896) “Apontamentos: Armas
portateis do Exercito Portuguez” Revista Militar,
48, 4.
Ferreira, J. Baptista "Armas Portáteis
e Material de Artilharia" Imprensa Nacional, Lisboa
1909.
Mardel, L.; "História da arma de fogo
portátil" Imprensa Nacional, Lisboa 1887.
Smith, W & Smith, J “The book of
rifles” The Stackpole Co., 3rd ed.,
Pennsilvania, 1963
Documentos
Portaria de 29 de Novembro de 1895.
O.E. nº 28 de 9 de Dezembro de 1895.
Proc. Guedes Dias, Arq. Hist. Militar, 3ª
Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, doc. s/ número.
Proc. Guedes Dias, Arq. Hist. Militar, 3ª
Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, Doc. s/ número.
Proc. Guedes Dias,Arq. Hist. Militar, 3ª
Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, doc. 122.
Proc. Guedes Dias,Arq. Hist. Militar, 3ª
Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, doc. 125.
Proc. Guedes Dias,Arq. Hist. Militar, 3ª
Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, doc. 126/1 e 2.
Proc. Guedes Dias,Arq. Hist. Militar, 3ª
Divisão, 7ª Secção, Cx. 1582, doc. 123.
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