A percussão em Portugal
Em Portugal, os mais antigos exemplares
de armas de percussão, são armas de caça, fabricadas no
Arsenal do Exército, datáveis do primeiro quartel do
Séc. XIX. Na sua maioria são de sistemas de transição ou
conversões, de onde se destaca um exemplar do sistema
“rolling primer”, manufacturado por Tomás José de
Freitas, no Arsenal Real do Exército.
Após expirar a patente de Forsyth, um
espingardeiro do Porto, António José Pereira Vianna, que
ironicamente usava marcar as suas peças, com a inscrição
“Vianna no Porto”, pediu privilégio real em 1821 para o
fabrico e venda exclusiva de “…fechos que para
fazerem o seu efeito não precisam de pederneira nem
escorva conseguindo-se que a arma dispare só pelo
contacto que tem quando desarma uma peça, que faz as
vezes de cão, com um canudinho volante, cheio de certo
misto, cujo segredo também o suplicante alcançou por
experiências repetidas que fez”.
Em termos militares, as primeiras armas
de percussão terão chegado a Portugal em 1833, durante a
Guerra Civil, pela mão do filho do General Bourmont, ao
serviço de D. Miguel, tendo sido capturadas, com o
demais trem e equipagem, por uma guerrilha
constitucional, próximo de Castanheira do Ribatejo. Pela
mesma altura, uma outra espingarda vinda de França, terá
servido de modelo para a primeira intenção de conversão
das espingardas de pederneira existentes em depósito,
que necessitassem de reparação. Esta conversão consistia
basicamente em cortar o cano junto ao ouvido, abrir uma
rosca, de modo a receber uma nova culatra que continha a
chaminé. [Fig. 5] Também o fecho foi adaptado para
percussão, sendo removidas a caçoleta e respectiva tampa
com fuzil, mola e parafusos. O cão foi substituído por
um outro, dito cão-martelo, adaptado a percutir a
escorva que se inseria na chaminé [Cordeiro 1869;
Mardel]. Porém, dada a pouca e irregular espessura da
maioria dos canos das espingardas a converter e por ser
dispendioso, este processo de conversão não foi
considerado adequado, tendo sido suspensos os trabalhos,
não sendo conhecida a existência de nenhum exemplar
deste primeiro modelo de conversão.
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Fig. 5 Representação esquemática do primeiro método de
conversão das armas de pederneira em percussão,
efectuado no Arsenal do Exército, sem grande
sucesso.
Diagrama da obra de Luíz Mardel, “História da arma de
fogo portátil”.
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Com a nomeação do Barão do Monte Pedral
para Inspector do Arsenal do Exército, em 1840, este
assunto foi retomado e, em Abril de 1841, o encarregado
de negócios português na Bélgica, enviou para o Arsenal
do Exercito um exemplar da espingarda de percussão
recém-adoptada pelo Exército Belga [Cordeiro, 1896].
Esta arma foi submetida a diversos testes no Arsenal do
Exercito e considerada inapta para o serviço militar por
diversas razões, nomeadamente a dificuldade em inserir a
cápsula fulminante na chaminé, frequentes falhas de
tiro, projecção de pequenos estilhaços de cobre
provenientes da cápsula fulminante e a fragilidade da
chaminé que suportava apenas cerca de 44 pancadas do
cão, após o que apresentava danos que implicavam a sua
substituição [Relatório sobre as cápsulas fulminantes].
De modo a ultrapassar estas limitações, o
então Capitão Costa Monteiro propôs para a transformação
das armas de pederneira, um processo ainda baseado nesta
espingarda belga. A transformação consistia basicamente
em alargar o ouvido e abrir neste uma rosca, onde era
adaptada uma peça de ferro, designada por borracha, na
qual era enroscada a chaminé, bastante larga, para
assegurar uma boa comunicação de fogo [Fig. 6].
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Fig. 6 Pistola de cavalaria transformada para
percussão no Arsenal do Exército, pelo segundo
método de conversão. Exemplar do Museu Militar
de Lisboa. |
No fecho, a caçoleta e a respectiva tampa
com fuzil e molas eram removidas e o cão substituído por
um outro, adaptado à percussão, no qual era colocada a
cápsula fulminante, fixa por meio de fios de cobre. Com
base exclusivamente em descrições contemporâneas, já que
nenhum exemplar chegou aos nossos dias, estas primitivas
cápsulas fulminantes, concebidas e executadas no Arsenal
do Exercito, teriam a forma de uma calote esférica em
cobre (que continha a mistura fulminante), fixa a um fio
de cobre entrançado que, [Fig. 7] numa extremidade
possuía um olhal para fixar no perno anterior do cão,
passando pela ranhura enquanto a outra extremidade
enrolava no parafuso lateral imobilizando, assim a
cápsula fulminante no rebaixo do cão, de modo a bater
contra a chaminé sem projectar estilhaços de cobre [Fig.
8]. Estas cápsulas fulminantes, pesavam cerca de 1/10
das outras e a mistura fulminante era composta por
perclorato de antimónio.
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Fig. 7 Reconstituição das cápsulas fulminantes,
fabricadas no Arsenal do Exército, empregues
nestes modelos de conversão, que eram inseridas
no cão em vez de serem colocadas na chaminé. |
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Fig. 8 Cão de um fecho convertido para
percussão, onde se pode observar o perno onde se
inseria o olhal da cápsula fulminante e o botão,
onde era enrolada a outra extremidade do fio de
cobre. |
Este 2º modelo de conversão foi aplicado
a algumas espingardas de infantaria modelo britânico
“Indian Pattern”, a algumas pistolas de cavalaria com
calibre de mosquete e a pistolas de cavalaria do modelo
“New Land Pattern”. Os primeiros ensaios foram
suficientemente satisfatórios para que fosse dada a
ordem de converter por este método, todas as armas de
pederneira que precisassem de reparação.
De modo a ultrapassar alguma relutância
dos militares em relação a este novo processo de
conversão, o próprio capitão Costa Monteiro deslocou-se
pessoalmente às unidades que receberam estas armas, para
instruir sobre o seu funcionamento e assim repor a
confiança nestas armas [Cordeiro, 1854].
Posteriormente, nos exercícios levados a
cabo com 200 soldados de 2ª Batalhão de Caçadores, as
armas convertidas em percussão revelaram-se muito mais
eficazes em precisão do que as tradicionais armas de
pederneira, apresentando contudo o inconveniente de, por
vezes, com a pressão dos gases geradas durante o tiro, o
reforço lateral de metal –borracha– onde enroscava a
chaminé, era expelido, causando ferimentos em alguns
militares.
De modo a ultrapassar este problema,
testou-se uma outra conversão, sugerida pelo aparelhador
da oficina de espingardeiros do Arsenal do Exército,
Joaquim José Soares, que consistia em enroscar uma
chaminé directamente na tampa da caçoleta à qual havia
sido removido o fuzil [Fig. 9.a e b]. Neste 3º modelo de
conversão, a comunicação de fogo fazia-se entre a
chaminé e o ouvido, por um canal rasgado na superfície
inferior da tampa da caçoleta. Converteram-se por este
processo 1500 espingardas, que equiparam o Regimento de
Infantaria nº 16 e o Regimento de Granadeiros da Rainha.
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Fig. 9.a Pistola de cavalaria transformada para
percussão no Arsenal do Exército, pelo terceiro
modo de conversão, sugerida pelo aparelhador da
oficina de espingardeiros Joaquim José Soares. |
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Fig. 9.b Pormenor da tampa da caçoleta onde é enroscada a
chaminé. |
Nos
ensaios efectuados, este modelo de conversão revelou-se
mais seguro, originando porém frequentes falhas de tiro
por má comunicação de fogo entre a escorva e a carga
principal, reinstalando a desconfiança nos soldados.
Razão pela qual, durante o conflito de 1846, as tropas
do Marechal Saldanha foram de novo equipadas com armas
de pederneira, tendo as armas convertidas regressado aos
depósitos do Arsenal do Exército, depois de consideradas
inúteis.
O Arsenal do Exército manteve a produção
de armas de pederneira até 1846.
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Fig. 10 Pistola de cavalaria modelo India Pattern,
fabricado no Arsenal do Exército em 1846, a data
mais tardia que se observa para o fabrico de
armas de pederneira. |
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