Espingarda Castro
Guedes
Jaime Regalado
De novo em Portugal, a
14 de Fevereiro de 1885 marchou para Vendas Novas e,
na presença do Director-Geral da Arma de Artilharia,
procedeu aos ensaios com estas armas. O respectivo relatório,
entregue em Abril, referia esta espingarda como adequada
para o serviço.
Nestas experiências, revelou-se claramente a superioridade
desta arma em calibre 8 mm, em relação
ás de calibre 11 mm. Paralelamente, a dita comissão
sugeriu que a carga de pólvora deveria ser aumentada
de 4,0 g para 4,5 g, devendo proceder-se às respectivas
correcções na câmara, comprimento
do cano e passo das estrias [6].
Estes resultados a par com os estudos a decorrer em
diversos outros países da Europa, no sentido
de optar pelos calibres reduzidos, levou a que as armas
encomendadas a Steyr fossem do calibre 8 mm e para a
carga de 4,5 g de pólvora.
Assim, por ofício do Ministério da Guerra
datado de 3 de Outubro de 1885, foram dadas ordens ao
Director-Geral da Arma de Artilharia para que, através
do banqueiro Sr Henrique Burnay, fosse contratada com
a OEWG o fabrico de 40 000 espingardas 8 mm sistema
Guedes e 9 000 carabinas 8 mm Kropastchek (destinadas
6 000 aos regimentos de Caçadores e 3 000 aos
regimentos de Cavalaria), bem como as respectivas máquinas
para o fabrico de munições.
O contrato foi então considerado definitivo por
despacho de 8 de Outubro, devendo a entrega efectuar-se
no prazo de 9 meses, custando cada arma do sistema Guedes
68 francos, preço que incluía o transporte
até ao porto de Anvers.
Para assistir ao fabrico, verificação
e recepção destas armas, foram nomeados
o Capitão Cardoso e o Capitão Mathias
Nunes, para além do tenente Castro Guedes que
deveria estar presente e acompanhar o fabrico.
Já na fábrica de Steyr, após efectuadas
as alterações necessárias para
a carga de 4,5 g, tal como em Vendas Novas se tinha
observado ser mais adequado, constatou-se que a extracção
se fazia de forma muito irregular. Após alguns
tiros, a cumulação da fuligem da pólvora
tornava a abertura da culatra extremamente difícil.
Foram assim introduzidas algumas pequenas alterações
no percurso do bloco obturador, de modo a que durante
a abertura da culatra, para além do movimento
descendente, houvesse também um ligeiro movimento
de rotação do bloco obturador, que facilitasse
a abertura. Estas alterações propostas
foram aceites pela OEWG sem alteração
ao preço contratado.
|
Fig. 7
- Bloco de obturação da espingarda
sistema Guedes modelo Steyr 1885. Neste modelo a
forma esterior do bloco obturador é diferente
do modelo fabricado no Arsenal do Exército.
O sulco-guia, pela sua forma assegura um ligeiro
movimento de rotação do bloco, de
modo a facilitar a extracção. |
Iniciada a produção,
foi ordenado aos oficiais em comissão na Áustria,
que enviassem para Portugal as 10 primeiras espingardas,
logo que concluídas, para se proceder aos ensaios
necessários ao ajuste e calibração
das alças de pontaria.
Efectuados os ensaios em Portugal com estas primeiras
armas observou-se que ocorria sistematicamente um pequeno
deslocamento vertical do bloco obturador, ficando este
ligeiramente descido após cada tiro; o que foi
comunicado à Secretaria da Guerra em oficio datado
de 21 de Março de 1886. Mais ainda, bastava um
pequeno batimento com o couce da arma no chão,
para que o bloco abrisse. Estes problemas, certamente
consequência das últimas alterações
introduzidas, eram possíveis de solucionar se,
após o fabrico e acabamento, cada arma per si,
fosse sujeita a algumas correcções.
Considerado como pouco prático efectuar esta
correcção durante a produção,
a OEWG declarou oficialmente que lhe era impossível
levar a cabo esse acabamento, assim como responsabilizar-se
pela completa estabilidade e segurança do bloco
obturador durante o tiro.
Tendo sido dado conhecimento deste facto ao Ministro
da Guerra a 26 de Março de 1886, nesse mesmo
dia, por telegrama para a OEWG, este mandou suspender
o fabrico das espingardas Guedes. Nesta data existiriam
alegadamente cerca de 18 000 espingardas entre terminadas
e em produção.
Alguns dias mais tarde, na presença do próprio
tenente Castro Guedes e da comissão da Arma de
artilharia que acompanhou todo este processo desde os
primeiros ensaios, concluiu-se que esta espingarda,
apesar das excelentes características balísticas,
enquanto com a culatra sistema Guedes, deveria ser rejeitada
como arma de guerra, o que saiu em Ofício do
Ministério da Guerra em 9 de Abril de 1886.
Comunicada esta decisão à OEWG, foi solicitada
a redução do número de armas contratadas,
tendo esta proposto o fornecimento das cerca de 18 000
armas em fase de acabamento e as restantes 22 000 do
contrato substituídas por espingardas Kropastchek.
Por telegrama de 9 de Maio de 1886 a arma do sistema
Guedes foi rejeitada na sua totalidade e negociada a
sua troca por espingardas de Infantaria 8 mm Kropastchek,
assegurando assim a uniformidade do armamento do Exército,
pois haviam sido já encomendadas 6000 carabinas
de Caçadores e 3000 de Cavalaria. Teve assim
lugar, por força de circunstâncias, a adopção
generalizada pelo Exército Português das
polémicas armas de repetição.
|
Fig. 8 - Espingarda
de Infantaria e carabinas de Caçadores
e Cavalaria do sistema Kropastchek.
|
Findas as negociações,
pelo facto das espingardas Kropastchek possuírem
um preço mais elevado (85,5 francos contra os
68 francos da arma Guedes) bem como pelos custos inerentes
ao cancelamento do contrato, esta alteração
significou um acréscimo de custo de 132:300$000
reis, tendo ficado as alegadas 18 000 espingardas Sistema
Guedes propriedade da OEWG de modo a minorar o impacto
deste acréscimo. Este novo contrato foi igualmente
estabelecido através de Henrique Burnay.
Apesar do insucesso da arma Guedes, os estudos do Tenente
Castro Guedes prosseguiram no sentido de a adaptar para
um sistema de repetição com carregador
tubular. Em Novembro de 1886 foi ainda deferido pela
Secretaria de Estado da Guerra um pedido de licença
para o Tenente Castro Guedes se deslocar ao estrangeiro
por três meses, tendo lugar diversas prorrogações
que se estenderam até finais de Abril de 1887
[8].
Após a detecção do problema da
abertura do bloco obturador durante o tiro, algumas
destas primeiras armas que chegaram a Portugal terão
sido adaptadas, em data indeterminada, para arma de
caça maior. Para ultrapassar o dito problema,
foi adicionado um pequeno fecho na extremidade da alavanca
motriz (guarda-mato) de modo a fixá-la num pequeno
alojamento metálico na coronha, que impedia a
sua abertura involuntária. Nestas armas também
o cano foi encurtado e o fuste recuado até meio
do cano. Um destes exemplares terá sido oferecido
a S. M. El-Rei D. Luís pois faz parte das armas
da colecção de D. Carlos que se encontra
exposta na Sala D. Carlos do Museu Militar de Lisboa
e que se destaca dos restantes exemplares idênticos,
pela superioridade dos acabamentos e qualidade da coronha.
Este trabalho terá sido, muito provavelmente,
executado na Fábrica de Armas do Arsenal do Exército.
Apesar das diferenças no mecanismo
dos diversos modelos da arma Guedes ao longo deste processo
evolutivo, o seu funcionamento é semelhante.
O seu ciclo de tiro inicia-se fazendo girar a alavanca
motriz (guarda-mato) para frente, armando assim o cão-percutor
e accionando o extractor. Após retirar o cartucho
detonado, introduz-se novo cartucho e fecha-se a culatra
rodando a alavanca motriz no sentido inverso, até
prender no entalhe da coronha, ficando pronta a fazer
fogo.
Contudo, são reconhecíveis três
mecanismos que, embora semelhantes no conceito, são
suficientemente distintos para se considerarem três
modelos, alguns deles com variantes, que podem ser sistematizados
e caracterizados do seguinte modo.
Página seguinte>>>
<<<Página
Anterior
|