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Armamento
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Sistema Delvigne-Minié 1860-1866

O sistema Delvine-Minié em Portugal

Os primeiros ensaios efectuados em Portugal com um projéctil expansivo, do tipo Delvigne-Minié, foram efectuados em Junho de 1852 [5], na quinta do Barão de Monte Pedral e na presença deste.

Para este ensaio foram fundidas 50 balas ogivais do sistema Delvigne-Minié, portanto com cavidade tronco-cónica e cápsula cilindrica de ferro e usadas numa espingarda de cano estriado, de percussão, provavelmente vinda de Inglaterra, da qual se desconhece o calibre, o número e o passo das estrias.

 

 

 

 

 

 

 

Fig. 6 Representação esquemática da bala Delvigne-Minié empregue nestes ensaios.

In [10] .

 


O alvo, com as dimensões de oito por quatro palmos, foi colocado a 484 m de distância e os disparos efectuados com uma carga de 5 g de pólvora. Sobre estes ensaios nada mais se sabe senão que as balas, pelas marcas que apresentavam, foram todas elas forçadas pelas estrias, e que todas atingiram o alvo. Os cilindros de ferro acompanharam o projéctil até ao momento do impacto no alvo e, muitos deles passaram para lá deste.

Estes resultados foram suficientemente satisfatórios para que o Barão do Monte Pedral, mandasse estriar uma espingarda com cano de alma lisa e fundir novas balas tanto para a carabina já usada como para a que viria a ser estriada. Em Setembro foi testada a resistência desta arma estriada no Arsenal do Exército, tendo ensaios ficado agendados para breve, sem data determinada.

Entre 1852 e 1855 decorreram diversas experiências comparativas, com armas de fogo portáteis de diversos sistemas em uso em Exércitos Europeus, no sentido de escolher a arma de percussão e de cano estriado mais adequada para a Infantaria.

Enquanto isso, a par destas experiências no Arsenal do Exército, decorriam igualmente as transformações das armas de pederneira em percussão [ver artigo viriatus].

A especial dedicação de D. Pedro V pelos assuntos militares, nas suas viagens pela Europa, especialmente a Inglaterra que, em 1851, adoptara o sistema Delvigne-Minié para arma padrão, viria a ser determinante na escolha e decisão de adoptar o sistema Minié em Portugal [9 e 11], se bem que não houvesse alternativas credíveis e, paralelamente, este sistema estivesse a dar excelentes provas na Guerra da Secessão na América do Norte.

Assim, em Junho de 1855, por ofício do Ministério da Guerra, foi comunicada a decisão de substituir todo o armamento ligeiro por novo, do sistema Minié, a adquirir no estrangeiro, sendo escolhida uma carabina para Caçadores e uma espingarda para Infantaria. Pelo mesmo ofício, ficou esta compra adiada pela impossibilidade financeira de o fazer, tendo sido dada continuidade ao processo de transformação das armas de pederneira em percussão e, escolhidos os melhores canos que estes fossem estriados [12]. As diversas tentativas de estriar canos lisos, levadas a cabo no Arsenal do Exército, revelaram-se geralmente mal sucedidas.

Com a subida ao trono de D. Pedro V em 1855, acentuou-se a sua intervenção directa nos assuntos militares, sobretudo nas questões relacionadas com o armamento e a instrução. Na sequência da sua primeira visita ao Arsenal do Exército, foi ordenada a suspensão das conversões para percussão do velho armamento de pederneira, por considerar um gasto inútil, devendo antes pensar-se na aquisição do novo armamento, recentemente aprovado pelo governo.

 

 

 

 

 

 

 

Fig. 7 El-Rei D. Pedro V, que desde cedo se revelou muito interventivo nas questões militares, teve um papel determinante na escolha, aquisição e instrução, das armas sistema Delvine-Minié.

 

Surgiu então a dúvida se este novo armamento deveria ser adquirido no estrangeiro ou fabricado no Arsenal do Exército, reacendendo a velha questão da criação de uma fábrica de armas.

A criação de uma fábrica de armas ligeiras, tutelada pelo governo, de modo análogo ao que havia sido feito em diversos países, nomeadamente em Inglaterra, revelava-se da máxima importância para os interesses do reino, não apenas pela redução de custos mas sobretudo pela independência de fornecimentos estrangeiros.

Fig. 8 Aspecto geral e de algumas dependências da fábrica de armas militares, tutelada pelo governo britânico, em Enfield.

O modelo mais observado era a recém criada fábrica de Enfield [14], uma antiga fábrica sem grande relêvo que o governo inglês, de forma a emancipar-se do monopólio das industrias particulares, transformou numa fábrica exemplar.

Foi então o Major Cordeiro directamente incumbido, por El-Rei D. Pedro V, de elaborar um relatório sobre o interesse e viabilidade da criação de uma fábrica de armas no Arsenal do Exército.

Deste relatório concluiu-se que as necessidades do exército seriam supridas com o fabrico anual de 4 000 espingardas ou carabinas, sendo necessário efectuar uma despesa de 69 179$970 (cerca de 70 contos de reis) para a aquisição de máquinas e ferramentas. Acrescia ainda um custo anual de 32 a 36 contos de reis, com a produção anual de 4 000 armas e a criação de uma reserva das matérias-primas que fosse necessário importar do estrangeiro. Assim, cada arma custaria entre 8$000 a 9$000 reis.

Para a instalação desta fábrica foram escolhidas as Oficinas de Santa Clara.

Este relatório foi entregue a El-Rei e ao então Ministro da Guerra José Jorge Loureiro, em Outubro de 1856, não havendo os fundos necessários à sua execução.

Em Janeiro de 1858, sendo então Ministro da Guerra António Gromicho Couceiro, foi apresentado à Câmara de Deputados um pedido de autorização para contrair um empréstimo no valor de 80 contos de reis, para a criação da dita fábrica de armas, ainda com base no relatório elaborado pelo Major Cordeiro. Tal pedido suscitou acesa discussão. Diversos artigos publicados nos jornais da oposição “Rei e Ordem” e “Revolução de Setembro”, questionaram vivamente a validade e o interesse da criação da dita fábrica de armas. Mesmo assim, esta proposta ainda chegou a ser revista e alterada sem que, contudo, viesse a ser aprovada.

Enquanto decorria esta polémica, mantinha-se o Exército com as armas convertidas em percussão, e muitas ainda de pederneira, sem que se procedesse à renovação do armamento.

 

 

 

 

 

 

Fig. 9 General Fortunato José Barreiros. Um dos protagonistas das reformas do armamento ligeiro no período da Regeneração, quer ao nível das comissões que integrou e da sua detalhada correspondência com El-Rei D. Pedro V, quer na coordenação, como Inspector do Arsenal do Exército. Primeira página do nº 6 da Galeria Militar Contemporânea, de Março de 1878, periódico quinzenal de actualidades militares.

 

Assim, e apesar dos insucessos passados, enquanto decorria a polémica sobre a criação ou não da fábrica de armas, o General Barreiros, Inspector do Arsenal do Exército, nomeou ainda em 1858, uma comissão para a escolha dos melhores canos lisos, para que estes fossem cortados e abertas estrias, de forma adequada ao serviço das tropas de Caçadores. Estas armas receberam a designação oficial de “Carabina estriada 19 mm”. Pouco terá sido o sucesso destas armas e nenhuma é hoje conhecida.

A preocupação de D. Pedro V e as suas incessantes pressões para que este assunto tivesse a solução adequada, levaram a que no início de 1859 fosse apresentada pelo Duque da Terceira, à Câmara dos Deputados, uma proposta para se concederem os meios necessários à compra de novo armamento para o Exército.

            Foi então autorizada a compra de 13,000 espingardas para a Infantaria, do sistema Delvigne-Minié, com a respectiva baioneta e 5,000 carabinas para Caçadores, com o respectivo sabre-baioneta. Foi igualmente autorizada a compra de algumas máquinas, necessárias ao fabrico de munições e manutenção destas armas bem como diversos canos e peças sobressalentes.

Para contratar esta aquisição foram nomeados, por sugestão directa de D. Pedro V, o Coronel Costa Monteiro e o Major Cordeiro.

 

 

 

 

 

 

 

Fig. 10 – João Manuel Cordeiro., nesta fotografia como General de Divisão. Ainda como Major de Artilharia, foi notável o seu papel em particular na aquisição do sistema Minié, em Ingalterra; e nas reformas do armamento ligeiro e do Arsenal do Exército, em geral.

 

Em primeiro lugar, ficou o Coronel Monteiro encarregue de obter informações sobre o fabrico em Espanha, das espingardas e carabinas do padrão inglês e qual a disponibilidade para a aquisição imediata de 5 000 carabinas de Caçadores. Isto, se a qualidade e o preço se revelassem convenientes.

Simultaneamente, seguiu para Inglaterra o Major Cordeiro, para se encontrar em Londres com o Tenente Testa, da Armada, que lhe serviria de intérprete e o assistiria no processo de negociação.

O primeiro objectivo era obter do governo inglês a compra do armamento em questão ou contratar o seu fabrico na fábrica de Enfield tendo, para o efeito, sido contactado o General Wilde do Ministério da Guerra britânico.

Após alguns dias, foi comunicando à comissão portuguesa, que o governo Britânico não fornecia armamento, nem consentia, por circunstâncias de ordem política, que se manufacturasse para o estrangeiro nas fábricas do Estado, sugerindo ainda que o Major Cordeiro contactasse os fabricantes Goodman ou Barnett, de Birmingham, para obter este fornecimento.

            Na impossibilidade de conseguir qualquer fornecimento a partir de Espanha e após muitas contrariedades, provocadas na maioria dos casos por fabricantes ingleses que indevidamente se arrogaram com capacidade para contratar este fornecimento, o Major Cordeiro deslocou-se a Liége no sentido de efectuar o contrato de fornecimento das armas de fogo com os fabricantes desta cidade. Após se encontrar com o Infante D. Luis e o Visconde de Seisal, que se encontravam também em Liége, foi informado por estes da impossibilidade de obter o fornecimento nesta cidade, pois já se encontrava lá uma comissão de oficiais ingleses, para subcontratar do fabrico de 400,000 armas, tendo conseguido contratar a compra de apenas 200,000 armas e saturado por completo a capacidade produtiva destes fabricantes.

            De volta a Birmingham o Major Cordeiro foi apresentado a Mr Goodman, presidente da associação de fabricantes de armas de Birmingham, com quem eram realizados os contratos. Este, posteriormente distribuía as encomendas pelas diversas oficinas desta cidade que constituíam esta associação, revelando tratar-se de um verdadeiro monopólio.

            A 20 de Julho a comissão recebeu uma carta de Mr Rochassen, agente de negócios de Liége em Londres, sugerindo que não efectuasse o contrato com Birmingham sem que primeiro ouvisse a proposta da fábrica Malherbe de Liége.

            Após longas negociações, ficou decidida a aquisição das espingardas de Infantaria em Birmingham, por 51 shilling e 6 pence e as carabinas de Caçadores em Liége por 75 francos cada. Porém, em ambos os casos, as condições de pagamento e as garantias exigidas eram tão rígidas que foi impossível aceitar as referidas propostas.

            A 19 de Agosto, após demorada reunião com Rochassen, ficou acordado com a firma Malherbe que o pagamento seria efectuado por cada entrega de armas e no acto da entrega. A 25 de Agosto, E. Gem comunicou que estava autorizado por Mr Goodman a efectuar o fornecimento das espingardas a 51sh-6, incluindo as alças de correr, ao que a comissão contra-propôs que neste preço fosse ainda incluída a bainha da baioneta, que tivesse lugar um desconto de 2,5% e que o pagamento se fizesse em letras a 90 dias, condições que foram aceites por este fabricante. Em meados de Setembro foi assinado o contrato para o fabrico de 13,000 espingardas, nas referidas condições.

            De volta a Liége, a comissão dirigiu-se ao fabricante Malherbe para efectuar o contrato. Este propôs-se a entregar as carabinas em dez meses, ao preço de 73,5 francos, podendo as armas ser sujeitas às provas e tolerâncias exigidas pelo governo inglês. Esta proposta teria sido imediatamente aceite, se não tivesse surgido um primo de Malherbe a informar que este seu familiar não estava em condições de cumprir o contrato, pois nunca havia fabricado uma arma de guerra. O facto foi confirmado pelo General Timmerhans, director da fábrica de armas do governo belga.

De volta à fábrica de Malherbe, este confirmou a sua proposta, oferecendo como garantia um desconto de 30% em cada arma que fosse entregue fora do prazo, ou que não cumprisse as características contratadas. Apesar da relutância do Coronel Marcelino, o contrato para 5,000 carabinas foi estabelecido com a casa Malherbe.

            Uma vez estabelecidos estes contratos, foi proposto que a recepção das carabinas fosse feita em Liége pelo Coronel Marcelino e, em Birmingham, pelo Major Cordeiro.

            A entrega das espingardas de Infantaria teve início em Janeiro de 1860. Da primeira entrega de 12 espingardas o Major Cordeiro aprovou apenas três, situação que viria a surgir com frequência, gerando vários litígios entre a comissão de recepção e os fabricantes ingleses, tendo estes, por duas vezes, tentado suspender o contrato alegando excessiva exigência por parte da comissão na aprovação das espingardas, originando uma troca de correspondência desagradável.

Por fim, a 3 de Novembro foi concluída a entrega das 13,000 espingardas, e dado início ao exame de recepção das 8,000 baionetas e dos sobressalentes encomendados que constavam de 6,000 canos de espingarda, 6,500 jogos de braçadeiras, 8,000 varetas, 8,000 nozes e 2,000 chaminés, com as mesmas dificuldades e incumprimentos observados na recepção das espingardas.

Em Portugal, estas armas receberam a designação de Espingarda de Infantaria 14 mm m/1859 e Carabina para Caçadores 14 mm m/1859, embora vulgarmente designadas por espingarda ou carabina Enfield, respectivamente.

Logo que estas armas chegaram a Portugal, em 1861, foram de imediato distribuídas pelas tropas de Infantaria e Caçadores, que se encontravam armadas com as espingardas e carabinas convertidas para percussão e, alguns deles, ainda com armas de pederneira, tais como os Regimentos de Infantaria 8, 9, 12, 13 e 14 e os Regimentos de Caçadores 4 e 6.

Após a distribuição destas armas, os primeiros exercícios de fogo efectuados ficaram muito aquém das expectativas. Num exercício levado a cabo no campo de Santa Vitória do Ameixial, pelo Regimento de Infantaria nº 17, em 500 tiros disparados sobre alvos a 100 m apenas se registaram 40 impactos, resultado muito inferior ao que se obtinha com as antigas espingardas de pederneira, assim como inúmeras falhas de tiro.

Vários factores contribuíram para esta situação. Para além da escassa instrução e pouca prática de tiro dos soldados, alguns factores de ordem técnica foram relevantes. As primeiras balas Minié, empregues nestes exercícios de tiro, não foram devidamente fabricadas, tendo sido fundidas e não comprimidas a frio como seria desejável.

Apesar de ter sido adquirida em Manchester, uma máquina para o fabrico de balas Minié por compressão a frio de cilindros de chumbo, a máquina a vapor que a faria operar só em 1864 foi instalada e, só a partir desta altura, as balas foram correctamente fabricadas na oficina de espingardeiros do Arsenal do Exército. De modo a ultrapassar esta situação, no sentido de obter balas de melhor qualidade, estas foram sendo adquiridas na indústria particular.

Por outro lado, nos cartuchos preparados para estes exercícios, foi colocada a mesma quantidade de pólvora usada que nos cartuchos ingleses, sem que se atendesse às diferenças de força entre as pólvoras portuguesa e inglesa.

Quanto às falhas de tiro constatou-se que, na sua grande maioria, se deviam ao facto do cão se abater muito lentamente sobre a chaminé [19]. O demasiado aperto dado pelos soldados, aos parafusos de fixação do fecho, gerando atrito entre algumas peças do mecanismo e a madeira da coronha, impedia que a mola real se distendesse livremente de modo a exercer a sua força máxima sobre o cão, razão pela qual a cápsula fulminante não era percutida, originando as referidas falhas de tiro.

Algumas vezes ainda, por engano, foram usadas as cápsulas fulminantes das armas convertidas em percussão, que não se ajustavam a estas novas chaminés.

Resolvidas estas questões e dado o treino adequado aos soldados, estas mesmas armas revelaram-se extremamente precisas em exercícios de tiro efectuados com alvos entre 100 m e 500 m [12].

            No final de 1865, o governo britânico propôs a Portugal a venda de 20,000 espingardas Minié, fabricadas em Enfield, inicialmente destinadas para a América do Norte, mas que, finda a Guerra da Secessão, tinham ficado em Inglaterra. Consultada a inspecção do Arsenal do Exército e, nomeada uma comissão para a avaliação da qualidade destas armas, não foram consideradas satisfatórias, pelo que não foram adquiridas.

            Por fim, nos finais de 1866, foram adquiridas a Inglaterra, através da firma W. Gruis, mais 5 000 espingardas Minié, para Infantaria, pelo preço de 54sh e 6 pence cada. Destas 5 000 armas, após exame no Arsenal do Exército, 1,100 foram aprovadas, 3,411 sujeitas a reparações diversas e 479 definitivamente rejeitadas.


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