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Do desastre de Mamora ao fim da
poltica imperial
No mesmo ano em que partiu para Azamor a esquadra de 500 velas,
cujo sucesso foi descrito no nmero anterior, mandou o rei D.
Manuel uma enorme embaixada ao papa Leo X, com o aparente
objectivo primrio de reiterar formalmente a homenagem e a
obedincia devida ao sucessor de S. Pedro. Mostrava-se assim
como um paladino da f crist, mostrando-se Europa como o
soberano que melhor servia os desgnios de Deus, levando a
mensagem de Cristo a toda a parte. Um faustoso cortejo desfilou
pelas ruas de Roma ao som de trombetas e tambores surpreendendo,
sobretudo, pela extica encenao a que no faltou um magnfico
cavalo persa, duas onas de caa e de um elefante que fazia
diversas habilidades. Mas, para Leo X, o mais importante da
embaixada esteve, com certeza, nas riquezas oferecidas, que
somavam um valor entre 300 000 a 500 000 cruzados. Tristo da
Cunha que dirigia a embaixada teve a sua primeira audincia
com o papa a 20 de Maro de 1514, mas seguiram-se outros
encontros que concretizaram quase todos os objectivos de D.
Manuel.
Recorde-se que Leo X foi o papa que recebeu as crticas de
Lutero por causa do fausto com que continuou as obras da
baslica de S. Pedro, renovando o processo de venda de
indulgncias nos termos em que fora lanado pelo seu antecessor
Jlio II. A gravidade da situao e o luxo sustentado pela corte
pontifcia foram uma das causas determinantes da grave secesso
da igreja crist, podendo adivinhar-se a importncia que teriam
as ddivas de D. Manuel. Naturalmente que o rei sabia disso e
tinha como j vimos objectivos claros para uma aco no
Oriente e no Norte de frica, para os quais queria o benefcio
da pregao da cruzada, com todas as vantagens econmicas
directas que da lhe advinham, e com as motivaes espirituais
que facilitavam os recrutamentos e a organizao das expedies.
Digamos que h um contexto europeu em que estas coisas se
inserem e que preciso ver com ateno, para que as aces dos
portugueses no sejam consideradas avulsas e descoordenadas.
Foi dentro deste ambiente que se partira para a conquista de
Azamor, de onde o duque de Bragana, D. Jaime, parece ter
regressado desmoralizado com o futuro do projecto imperial
manuelino, mas sem que os seus receios tivessem grande eco na
corte. Logo aps a histrica embaixada, organiza-se nova
expedio de monta, aparentemente preparada com grandes
precaues de natureza militar e apoiada por uma especial bula
de Leo X, que foi levada em procisso at S, e solenemente
pregada multido pelo bispo D. Diogo Ortiz. O objectivo era a
foz do rio Cebu, onde j havia um pequeno povoado de nome
Mamora. Alis, as conquistas portuguesas procuravam sempre estas
entradas de rios que, normalmente, tinham capacidade de
fornecimento de gua e lenha, eram acessveis pelo mar e, ao
mesmo tempo conferiam uma melhor proteco contra as agruras do
mau tempo e dos piratas.
A Cisterna Portuguesa de Mazago construda por Loureno Franco,
ainda hoje uma das mais belas obras arquitectnicas deixadas
pelos portugueses do Norte de frica.
O problema que sempre se colocava era a capacidade de cultivar
os campos circundantes, tarefa que era entregue s populaes
locais, que ficavam sob proteco. Mas essa soluo exigia uma
habilidade poltica que raramente foi tida em conta.
Em 1514, um documento assinado pela mo do secretrio de D.
Manuel ordena que Estvo Rodrigues Brio e Joo Rodrigues
procedessem, discretamente, ao reconhecimento da barra do Cebu,
tomando medidas do fundo, da amplitude da mar, da quantidade de
navios que ali poderiam entrar, das caractersticas da terra em
ambas as margens, da existncia de madeira, de pedra para
construo, das condies de uma pequena ilha ali existente (se
a artilharia ali colocada atingiria uma e outra margem), etc..
Tratou-se de um verdadeiro levantamento hidrogrfico, com um
estudo do terreno circundante que, todavia, no viria a ter
grandes resultados na execuo da prpria expedio. A armada
partiria a 13 de Junho de 1515, com cerca de 200 velas e 8000
homens, sob o comando de D. Antnio de Noronha. Passou pelo
Algarve e chegou ao local no dia 23 (era dia de S. Joo e, por
isso, o local se chamou de S. Joo de Mamora), desembarcando sem
dificuldade e comeando a montar uma fortaleza de madeira, que
serviria de proteco s obras de uma outra construo em pedra,
mais slida e definitiva. Mas, curiosamente, o local da
fortaleza parece mal escolhido. Estava beira do rio, abaixo de
um pequeno outeiro sobranceiro que se tornaria um verdadeiro
quebra cabeas para os portugueses. No conheo nenhum estudo
suficientemente pormenorizado sobre a situao militar de toda a
zona, mas arrisco supor que a escolha do local da fortaleza
seria adequado proteco de uma armada, mas no tivera em
conta a possibilidade de um ataque vindo do interior. A menos
que como aconteceu noutras circunstncias mais tarde viessem
a ser construdos outros baluartes, em posies adequadas. A
verdade que os mouros tiveram tempo para tudo, e as gentes que
para ali foram enviadas com a misso de combater no levavam
muito mais que a f nos benefcios da cruzada: no estavam
preparados tcnica e psicologicamente para uma natural oposio,
e, quando foi dada ordem para retirar (10 de Agosto),
precipitaram-se numa debandada sem nexo que levou perda de
mais de metade do pessoal, de grande quantidade de artilharia e
de cerca de cem navios, afundados, ou encalhados na barra. As
circunstncias polticas da resistncia aos portugueses no Norte
de frica agravou-se com este desastre e, a partir da, o
caminho foi francamente o da decadncia, at ao abandono da
maioria das praas, no reinado de D. Joo III. Em 1550, Portugal
apenas detinha Ceuta e Tnger, sobre o Estreito de Gibraltar, e
Mazago na regio sul, que acabaria por ser reforada, e
constituir um baluarte encravado numa zona absolutamente hostil,
mas com vantagens comerciais significativas.
J. Semedo de Matos
CFR FZ
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