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World Heritage of Portuguese Origin

CRONOLOGIA

 

 

 

Mazago. De Marrocos para a Amaznia
Jos Manuel Azevedo e Silva

A queda de Santa Cruz de Cabo de Gu, em 12 de Maro de 1541, depois de uma dura resistncia da guarnio portuguesa, levou D. Joo III a determinar a evacuao e abandono de Safim e Azamor, em Outubro seguinte. Mazago permaneceu como a nica praa lusitana em Marrocos Meridional. Para tentar garantir a a presena portuguesa, o monarca mandou reestruturar o seu sistema defensivo, para o que confiou o projecto ao arquitecto italiano Benedetto da Ravenna e a direco dos trabalhos a Joo de Castilho e Joo Ribeiro1.

Erguida na parte sul da baa, bem junto ao mar, a nova fortaleza foi tida por inexpugnvel (ver planta)2. S assim se compreende a resistncia desta praa por mais de dois sculos, isolada por terra pela moirama marroquina. Em caso de cerco, s por mar podia esperar socorro3. A propsito do feliz e glorioso successo da batalha, que a guarniam de Mazago teve em quatro de Abril deste anno de 1763 com oito mil Mouros, Pedro da Silva Correia faz-nos a sua descrio, nos seguintes termos: Est a nossa Praa de Mazago em altura de 33 graos. He de figura rectangular; e em cada hum dos seus angulos frma hum baluarte, em que esto montadas muitas peas de artilharia de ferro, e bronze; e alem destes tem mais hum baluarte no meio da cortina, que faz frente ao campo da Provincia de Ducalla, hoje chamada da Duquella () he cercada de hum largo fosso de agua, que enche, e vaza com a mar. Da porta da Praa para a parte do campo sahe huma ponte levadia que passa por cima do mesmo fosso, e he de serventia dos seus moradores4. Outro relator classificar a praa de Mazago como hum dos maiores Presidios, que a Cora de Portugal tem nas terras de Africa, inexpugnavel escudo ousadia dos Barbaros, chave da Christandade, brazo da gloria Portugueza5.

Com o abandono de Alccer-Ceguer e de Arzila, em 1550, a presena portuguesa em Marrocos ficou reduzida s praas de Ceuta, Tnger e Mazago. Em 1640, Ceuta tomou partido por Filipe IV e continuou espanhola at aos nossos dias. Em 1662, Tnger foi cedida Inglaterra como parte do dote de casamento de D. Catarina com Carlos II. Apenas Mazago permanecer como smbolo da resistncia, da heroicidade e do sonho luso-marroquino, at sua evacuao, por ordem de D. Jos, em 1769.


 

1. Resistncia e queda do ltimo bastio luso-marroquino


 

Os ataques mouros praa portuguesa de Mazago intensificaram-se a partir de 1750. Pelas Relaes e Notcias que nos deixaram Simo Correia de Mesquita e Pedro da Silva Correia, sabemos que Mazago foi sujeita a durssimos ataques dos mouros, nomeadamente nos anos de 1751, 1752, 1753, 1754, 1756, 1760, 1763, culminando com o poderoso contingente que montou o ltimo cerco de 1969. Vale a pena atentar no vigor e no dramatismo desses relatos, tanto mais que sabemos terem sido os seus autores testemunhas presenciais.

Ao relatar-nos o ataque de 1751, Simo Correia de Mesquita diz-nos que os 150 cavaleiros e pouco mais de 400 infantes da sua guarnio, estando continuamente expostos s hostilidades de hum bloqueyo perpetuo, se pde crer sem a menor superstio, que s o amparo do Ceo os defende da fora de hum vizinho to poderoso, e turbulento6. Face incrvel desproporo das foras em presena, o relator faz questo de deixar expressa a sua profisso de verdade, nos seguintes termos: A fidelidade, que pede a histria nos obriga a segurar ao publico, que nem o amor da Patria, nem o da Fama, nos podero fazer transgredir as severas leis da verdade, e como o Historiador foi testemunha ocular, por todas as razoens se lhe deve dar inteiro credito ao seu depoimento7. Passando propriamente ao relato do assalto, comea por dizer que a 13 e 14 de Novembro de 1751 sairo os Portugueses para o campo de Mazago Velho, que dista da Praa tres quartos de legoa, e nelle se mantivero at noite sem descobrirem vestigios de andar fra o inimigo. Mas a ameaa pairava no ar. O inimigo no tardaria a atacar e, a 7 de Dezembro seguinte, ficando os Portugueses senhores do Terreno, conseguiro huma Victoria completa. Os Mouros deixaro no Campo vinte e cinco homens mortos, e mais trinta cavallos, no chegando a nossa perda mais do que a dz cavallos feridos8.

A prvia preparao do terreno e a disposio ardilosa das nossas reduzidas foras, por forma a surpreender o adversrio logo no primeiro embate e quebrar o seu mpeto era, por regra, a tctica utilizada pelos nossos chefes militares, procurando assim compensar a desproporo numrica. Foi o que aconteceu nomeadamente no incio do vero de 1752, quando Mazago voltou a ser assediada por um numeroso exrcito inimigo, porquanto, logo no primeiro ataque ficaro vinte e tres Mouros mortos e seis cavallos, cujo accaso os atemorizou to gravemente, que ja supprimidos do seu furor, e acovardados se punho em retirada, e ficaria sem mais ruina o triunfo dos Christos, se accaso no chegasse subitamente todo o groo da cavallaria Mourisca, que se observou pelos pendoens que trazio, ser de alguns quinze, ou vinte mil homens, que corrio com tanta furia, e impeto como quem queria levar tudo escalla9.

A proviso de mantimentos, de armas e de reforos humanos chegava normalmente por mar. Mas, por vezes, os mazaganistas viam-se forados a irem a campo a proverem-se de lenha e de ferrejo. Foi o que aconteceu antes do j referido ataque de 7 de Dezembro de 1751, altura em que tinha sido muito precizo aos moradores daquela Praa proverem-se de lenha, e ir a ferrejarem algumas hervas, e feno para o pasto dos cavallos10. Tambm antes do assalto de 3 de Fevereiro de 1753, o governador da praa, Jos Leite de Sousa, determinou tomar o campo do Palmeirinho furtado, para prover a Praa de lenha apezar das contrarias vigilancias daquelles inimigos11. Nesse dia, com um esquadro de apenas 120 cavaleiros e 40 infantes, alcanou o referido governador inequvoca vitria sobre 1.800 mouros de p e de cavalo. Conta o relator que vimos citando que os chefes mouros, havendo com antecedncia mandado retirar para distante citio, como desconfiando dos fins deste choque, os mortos, e mal feridos, que pudero, nos deixaro smente onze mortos no campo, e sete cativos, que fora de armas trouxero Praa os nossos Cavalleiros, entrando neste numero alguns dos seus Cabos de primeiro nome. Da Torre da Praa chamada do Rebate, se viro levar atravessados nos cavallos trinta, e tantos mortos, e hum extraordinario numero de feridos12, ao passo que da nossa parte houve apenas a morte de dois cavaleiros e de dois soldados e o registo de um s ferido.

No ataque que a praa sofreu, em 28 de Outubro de 1754, o governador Jos Leite de Sousa temeu o pior, chegando a considerar quasi impossivel fazer constante resistencia aquelle esquadram a tantos Mouros13. Apesar da habitual desconformidade das foras em presena, as baixas do inimigo foram muitssimo superiores s nossas. Ouamos o que nos diz o nosso informador: principiou este combate ao nascer do Sol, e acabou ao meio dia, continuando sempre em repetidas descargas de mosquetaria: e he digno de admiravel ponderaam, que no espao de mais de seis horas de peleja perdessemos s dous homens (). Foy mayor o numero de feridos, e o nam expressamos por nos faltar verdadeira informaam deste particular14. Repare-se na preocupao do relator em procurar conferir credibilidade s suas palavras. Relativamente s baixas do inimigo, acrescenta que nos ficaram dous captivos e, quanto aos mortos, passram de setenta15.

Grande choque sofreram os mazaganistas com o violento tremor de terra de 1 de Novembro de 1755. Atentemos, a este respeito, nas expressivas palavras de Simo Correia de Mesquita, na parte introdutria do seu relato, respeitante ao ataque que os mouros desferiram quela praa, em Junho de 1756: ninguem ja ignora o lastimoso effeito, e deploravel estrago, que a Praa de Mazago experimentou no primeiro de Novembro do anno passado, aonde desde as nove horas e meya, at as nove e tres quartos tremeo a terra com impeto to forte, que se abrio em varios sitios, arruinando-se todas as casas, e desamparando todos suas habitaens, sendo a confuso igual ao estrago16. Repare-se que todas as casas ficaram danificadas, mas, quanto fortaleza, nem uma palavra, porque, certamente, nem uma fenda. Os mouros julgaram o momento azado para o ataque decisivo quele bastio lusitano, mas, uma vez mais, subestimaram o herosmo dos nossos. Como nos diz o nosso informador, viro, e soubero os Mouros o grande estrago, que os Portugueses padecero, e avaliando, ou considerando, que a fortuna lhe mostrava prompta occasio, determinaro dar hum assalto mesma Praa, persuadindo-se, que ficario victoriosos, como se este no fosse o mesmo Theatro, em que os Portugueses tantas vezes tem ficado Triumfantes, quantas os mesmos foro destruidos, mortos, e derrotados17.

A disposio estratgica das tropas no terreno ou o facto de ficarem de frente ou de costas para o sol podia influir no desfecho de uma peleja. E os portugueses, normalmente em inferioridade numrica, sabiam tirar partido disso. Foi o que aconteceu nesta batalha, como expressivamente nos esclarece o relator que vimos seguindo: tivero os nossos a vantagem de ficarem com as costas para o Sol, e os inimigos com elle nos olhos, cousa que tanto os afligio, que foy huma das causas de conseguirmos mais cedo a victoria, era ja tal a confuso, que havia entre elles, que ja os de Mazago no duvidavo, antes tinho por certo o vencimento, comearo a por-se em huma retirada to forte, que foy huma descomposta fugida, seguiro-os os nossos, e ainda ento lhes fizero mais consideravel damno, mas como se avizinhava a noite se retiraro, e os deixaro na fugida, viero ao campo da peleja, e trouxero alguns despojos, supposto que pequenos no valor, no sendo por isso menor a alegria, porque os bons Soldados mais estimo o vencer, que as riquezas, soube-se, que foro mortos perto de quatrocentos Mouros, e entre elles tres Capitaens, que o seu General fora levemente ferido, e que este fora o motivo da retirada, os feridos foro sem conta, dos nossos merrero seis, e vinte e sete feridos, que ja se acho restituidos a saude perfeita18. Patriotismo parte, o nosso relator no deixa passar em claro o herosmo dos portugueses: com esta victoria se recolhero Praa de Mazago, os nossos Soldados, pondo desta sorte mais huma Cora heroicidade Lusitana, que na Africa, e em todas as partes do mundo se tem coroado com tantos Louros19. Com ttulo e texto idntico nos relata Simo Correia de Mesquita o cerco de Junho de 176020.

O penltimo grande assalto praa de Mazago, perpetrado por 8.000 mouros, ocorreu em 4 de Abril de 1763, mas o narrador Pedro da Silva Correia no nos d o nmero de baixas de um e de outro lado, como por norma fazia Simo Correia de Mesquita. Diz-nos, contudo, ter a praa de Mazago de guarnio, quando completa, seiscentos infantes, duzentos cavallos, e quarenta artilheiros21. Temos, portanto, que a guarnio de Mazago foi reforada nos ltimos anos, uma vez que, como atrs se viu, em 1751 tinha apenas 150 cavaleiros e pouco mais de 400 infantes. O nmero de artilheiros deveria ser idntico, ou seja, 40. Informa ainda o relator que, nessa data, em Mazago habito mais de tres mil pessoas de hum, e outro sexo da nao Portuguesa, no qual numero se comprehende multido grande de Cavalleiros da Ordem de Christo, honrados tambem por seus servios, e merecimentos, com os fros de Cavalleiros Fidalgos, e Fidalgos da Casa de Sua Magestade: e a maior parte de seus moradores so de antigas familias, e nobres prognies22. No incio de 1769, perante a informao da concentrao de grande contingente de tropas mouras em torno de Mazago, D. Jos ordenou o abandono da praa e o embarque da populao ocorreu em 11 de Maro desse mesmo ano.


 

2. A evacuao da praa para Lisboa


 

Na sequncia do Tratado de Madrid, assinado em 13 de Janeiro de 1750, definidor das fronteiras da colnia portuguesa da Amrica, o gabinete josefino elegeu o Brasil como a grande prioridade, no mbito da sua poltica ultramarina, particularmente a vastssima regio amaznica. Tornou-se necessrio concentrar ali todos os meios humanos e materiais possveis, com vista necessria acelerao do ritmo do povoamento, da colonizao e da defesa daquele territrio.

neste contexto que se deve procurar entender a deciso rgia do abandono da praa marroquina de Mazago. Face envergadura da ameaa moura a que j nos referimos, duas opes alternativas se colocavam coroa, nos princpios de 1769: ou enviava reforos significativos para Mazago, por forma a fazer face aos frequentes e cada vez mais intensos ataques dos mouros quela praa, de modo a garantir a sua defesa e manuteno, ou mandava evacuar a populao e a guarnio, pondo fim presena portuguesa em Marrocos, mas tambm ao sorvedouro de gente e de dinheiro, com a vantagem de poder encaminhar esses recursos para a Amaznia. Prevaleceu a segunda alternativa. O rei mandou evacuar toda a populao para Lisboa, em 11 de Maro de 1769, e daqui partiria para a Amaznia, em 15 de Setembro seguinte.

A Relao das Famlias que viero da Praa de Mazago em 11 de Maro de 176923 d-nos, de facto, o registo das famlias e a sua composio, o parentesco de cada membro em relao ao chefe de famlia, as pessoas sozinhas que no constituiam famlia, o nome, o sexo e a idade de cada um, com distino entre os maiores de 10 anos e os menores dessa idade, o posto/cargo de cada um dos agentes da guarnio militar. Atentemos nos dados quantitativos do quadro I.


 

Quadro I

Habitantes de Mazago evacuados em 11 de Maro de 1769

Itens

Famlias

Pessoas

Nmero de famlias

418


 

Maiores de 10 anos


 

1497

Menores de 10 anos


 

595

Total

418

2092

Fonte: A.H.U., Cdice 1784 (Rellao das Familias que viero da Praa de Mazago em 11 de Maro de 1769).


 

Como se v, embarcaram 2092 pessoas (Mazago chegou a ter mais de 3000 habitantes, como atrs se viu, o que faz supor que algumas famlias j teriam sido evacuadas antes), 1.497 maiores de 10 anos e 595 menores dessa idade. Ao todo, eram 418 famlias, cuja composio oscilava entre os 2 e os 11 membros, tendo-se em conta que integravam a famlia os criados, os escravos e os enjeitados. Temos, portanto, uma mdia de 5 elementos por famlia. Aparecem-nos 43 vivas como cabeas de casal e 21 outras vivas integradas nas famlias, 70 escravos (43 homens, 21 mulheres e 6 menores, 3 de cada sexo), 2 criados, 1 criada, 5 enjeitados e 1 preto forro. Dos 70 escravos, pensamos serem pretos da 69, uma vez que, quando se tratou de registar uma marroquina, se assentou como huma moura de 61 anos, escrava da viva D. Guiomar da Cunha. No integrados em famlias, seguiram 5 vivas, 8 homens e 5 mulheres. Mesmo sem ser no estado de viva, a mulher assumia, em situaes excepcionais, a funo de cabea de casal. o caso de D. Paula Incia Joaquina, casada com Pedro lvares, que estava degredado em Bissau24.

Quanto guarnio militar, embarcaram 515 elementos (51 oficiais, 86 cavaleiros, 21 artilheiros e 357 sargentos, furriis, cabos e soldados). Juntaram-se-lhe 28 militares registados como incapazes. A funo de soldado-tambor era, por regra, desempenhada por escravos negros. Detectmos 5 negros tambores (todos os tambores registados): Antnio dos Reis, de 22 anos, escravo de D. Maria da Cunha; Francisco Xavier, de 22 anos, escravo de Joo Fris de Brito; Gonalo Pereira, de 30 anos, escravo do padre Franel Afonso da Costa; Manuel de Jesus, de 24 anos, escravo do cabo Diogo Raposo; Toms Dias, de 33 anos, escravo de Jos Colao da Silva25.

Destacam-se ainda outros tipos de agentes. Ressalta um grupo de 8 padres: o vigrio Matias da Cruz Rua, o provisor Pedro Roiz e os padres Braz Joo Romeiro, Mateus Vaz, Franel Afonso da Costa, Joo Valente da Costa, Lzaro Valente Marreiros e Pedro Antnio Amora26. Refiram-se ainda o mdico Dr. Leandro Lopes de Macedo, o cirurgio Amaro da Costa, o fiel dos armazns Miguel dos Anjos, o escrivo da vedoria Manuel Gonalves Lus, o soldado e mestre da capela Jos Joaquim de Aguiar, os meirinhos Gaspar lvares Faleiro e Manuel Gonalves Cota e o porteiro da sentina, o pardo Simo Marques27.


 

3. De Lisboa para Belm do Par. Uma cidade atravessa o Atlntico


 

Das 418 famlias evacuadas de Mazago para Lisboa, em 11 de Maro de 1769, embarcaram 371 para Belm do Par, em 15 de Setembro seguinte. Este registo pode colher-se no Livro do vencimento, pagamento que se fez na Corte, e que se deve fazer no Gro Par s familias e mais pesas da Praa de Mazago que se vo estabelecer nelle por ordem de Sua Magestade28.

Dada a forma como este cdice est organizado, no nos foi possvel apurar o nmero exacto das pessoas embarcadas nessa data, mas, se adoptarmos uma mdia de 5 pessoas por famlia (mdia exacta das famlias que saram de Mazago, como vimos atrs), obtemos um total de 1855 pessoas. Temos, portanto, cerca de duzentas pessoas de Mazago que no embarcaram nessa data para o Par. O prprio cdice regista 29 pessoas que chegaram a estar registadas no alardo, mas que depois, por razes que no so explicitadas (salvo num caso em que se escreve por falecer), so abatidas ao rol do contingente a embarcar29.

Uma Relaam das pessoas que vieram de Mazagam e deixaram de embarcar para o Gram Par na Expediam que se fez em 15 de Setembro de 1769 refere 19 pessoas que no embarcaram, mas uma outra Relaco inclui estas e acrescenta outras num total de 36, as quais embarcariam na primeira ocasio. So apontadas as seguintes razes: a maioria delas, por ficarem doentes no hospital; outras, porque ficaram presas; outras ainda, por ficarem a aguardar que os familiares doentes ficassem curados ou por outras razes familiares; o cirurgio Jos de Morais, de 54 anos, e sua mulher Felcia Caetana, de 46 anos, ficaro para hirem na primeira occazio, por se fazer preciza a sua assistencia para cuidado dos doentes, que ficaro30. A segunda destas relaes acrescenta, no entanto, terem ido para o Par duas famlias que para tal se ofereceram, uma de quatro e outra de cinco pessoas31.

Aos mazaganistas destinados a irem fixar-se na Amaznia foi atribuda uma verba, parte paga na corte, em Lisboa, parte a pagar pela Fazenda Real no Par. A elaborao do cdice 1991, a que atrs fizemos referncia, teve como finalidade fundamental registar essas verbas pagas e a pagar a cada um e cujo resumo se mostra no quadro que se segue.


 

Quadro II

Pagamento que se fez s pessoas de Mazago, embarcadas para o Par (ris)

Itens

Na corte

No Par

Total

Com tensas, alvars e moradias

45.111.837

58.468.183

103.468.183

Com 46 pessoas agregadas s ditas famlias

3.006.882,5

1.161.670,5

4.168.553

Com 58 pessoas que vo servir no militar

2.744.842

787.016

3.531.858

Com 5 presos degredados

107.881


 

107.881

Com as vivas, rfos e herdeiros

10.804.608,5

11.694.587,5

22.499.196

Com despesas extraordinrias

183.920


 

183.920

Totais

61.959.971

72.111.457

134.071.428

Fonte: A.H.U., Cdice 1991 (Livro de registo do vencimento a fazer na Corte e no Gro Par s familias de Mazago que se vo estabelecer naquela Capitania).


 

Ressalta deste quadro que a deciso rgia de levar as gentes da praa marroquina de Mazago a irem fundar Vila Nova de Mazago, na Amaznia, exigiu um significativo esforo financeiro logo partida, o qual ir continuar por alguns anos, como teremos oportunidade de ver mais adiante.

O transporte das 1855 pessoas de Mazago, embarcadas em Lisboa com destino ao Par, em 15 de Setembro de 1769, foi feito em dez navios, sete de Sua Majestade e trs da Companhia Geral do Comrcio do Gro-Par e Maranho, os quais devem ter chegado cidade de Belm pelos meados de Novembro desse ano. Os sete navios de Sua Majestade tinham os seguintes nomes: So Francisco Xavier, Nossa Senhora da Glria e Santa Ana, Nossa Senhora das Mercs, Nossa Senhora da Conceio, So Joo, Nossa Senhora da Purificao e So Jos. Os trs da Companhia eram: o Nossa Senhora do Cabo, o Nossa Senhora das Mercs e o Santa Ana32.

Ao procederem conferncia das listas de passageiros de cada navio, as autoridades do Par detectaram pessoas a menos, num total de trinta e nove: ficaram no hospital de Lisboa seis; o escravo preto Pedro Afonso, de 30 anos, ficou nas gals do Tejo; morreram durante a viagem vinte e uma; Jos Gonalves Reino e Francisco Belo no apareceram no desembarque sem ter sido apurada qualquer justificao33.

Como atrs se viu, vrias pessoas que, por diversas razes, ficaram em Lisboa aquando do grande embarque, deveriam partir na primeira oportunidade, pelo que no ser descabido calcular que, das 418 famlias e 2092 pessoas evacuadas da praa de Mazago para Lisboa, em 11 de Maro de 1769, e at de outras que tero sado antes, poucas tero sido as que no foram levadas para o Par.


 

4. Fundao de Vila Nova de Mazago


 

Os mazaganistas iro permanecer na cidade de Belm do Par durante alguns anos, aguardando o incio da sua instalao nas casas que seriam construdas no stio que lhes foi destinado e que viria a designar-se Vila Nova de Mazago, situado na costa norte do brao esquerdo da foz do Amazonas, a montante da vila e fortaleza de Macap, frente a Maraj (a maior ilha fluvial do Mundo), a 50 metros de altitude (ver mapa).

Durante todo esse tempo, foi necessrio providenciar o seu alojamento na cidade e garantir o seu sustento, tornando-se imperioso ir comprar carne e outros mantimentos a outras capitanias, nomeadamente ao Piaui, para os alimentar. O governador e capito-general do Par e Maranho, Fernando da Costa de Atade Teive, em carta de 18 de Setembro de 1770, dirigida a seu tio marqus de Pombal, d-lhe conta das suas diligncias nesse sentido, nos seguintes termos: sahindo tres de cinco sumacas, que mandei vir o anno passado pela primeira vez carregadas de carne sca manufacturada na Villa da Parnayba destricto da capitania do Piauhy, para sustentar as famlias de Mazago, foro duas em Janeiro ao Maranho com doze dias, em quarenta Parnayba, e em cincoenta Bahia de todos os Santos, sempre com terra vista, e a terceira buscando a altura de nove, e meio gros, entrou no porto da dita Bahia com quarenta, e outo dias de viagem, as quaes se acho aqui de volta com o mesmo mantimento34.

Na verdade, a instalao das famlias de Mazago na Amaznia exigiu um pesado esforo financeiro Fazenda Real. Em carta de 19 de Setembro de 1770, o provedor da Fazenda do Par, Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, dava conta ao secretrio de estado da marinha e domnios ultramarinos, Martinho de Melo e Castro, da emisso de 14 letras de cmbio, no montante de 83.258.016 ris, a serem pagas em Lisboa pelo tesoureiro do errio rgio aos administradores da Companhia Geral do Comrcio do Par e Maranho que emprestara essa avultada quantia para possibilitar ao governo daquele Estado efectuar vrios pagamentos. O valor de uma dessas letras, de 8.041.650 ris, foi despendido nas obras de fortificao de Macap; o montante de uma outra, de 18.549.506 ris, destinou-se ao pagamento das despesas ordinrias daquela Provedoria, entre as quais avultavam as respeitantes fundao de Vila Nova de Mazago e ao mantimento dos povoadores que aguardavam na cidade de Belm a sua instalao naquele novo povoado35. Em 2 de Maro de 1771, so emitidas oito letras de cmbio, nos mesmos termos e com idnticas finalidades, no montante de 101.051.564 ris, e mais uma outra de 24.582.129 ris e 7/10, quantia esta que foi despendida com o segundo pagamento que fizero s famillias de Mazago que viero por ordem de Sua Magestade estabelecer-se neste Estado36.

Nos finais de 1772, trabalhavam nas obras de Mazago mais de duas centenas de pessoas. Conforme se pode ver pela relao assinada pelos responsveis Manuel Gama Lobo e Marcos Jos Monteiro de Carvalho, datada de 18 de Dezembro de 1772, estavam adstritos s obras de Mazago 14 militares, 3 agentes da Fazenda Real e 202 operrios e trabalhadores indiferenciados, num total de 219 pessoas, como mostra o quadro III.


 

Quadro III

Relao das pessoas empregadas nas obras da vila de Mazago, em 18 de Dezembro de 1772

Funes

Nmero

Ajudante de infantaria com exerccio de engenheiro

1

Cabo de esquadra destacado

1

Soldados destacados

12

Provedor comissrio

1

Escrivo da Fazenda e do ponto

1

Depositrio

1

Carpinteiros

40

Pedreiros

14

Ferreiros

2

Serradores

16

Carriadores

3

Trabalhadores

122

ndias

5

Total

219

Fonte: A.H.U., Par, 5 de Janeiro de 1773.


 

Nos princpios de 1773, os trabalhos da edificao de Mazago estavam em bom andamento, mas apresentavam-se ainda muito longe de ficar concludos. Em carta de 5 de Janeiro desse ano, o governador e capito-general do Par e Maranho, Joo Pereira Caldas, d conta ao secretrio de estado da marinha e domnios ultramarinos, Martinho de Melo e Castro do estado actual daquelle Estabelecimento e informa-o que a fundao dessa vila tem obrigado, e obrigar ainda a despeza grande da Fazenda Real, faltando a fazer ha quantidade de moradas de cazas para prehencher-se o nmero de quinhentas, ou mais, que se precizo, para accomodar toda a gente, pois ainda aqui [em Belm] esto duas partes della, que em alugueres de cazas, sustento, e Hospital, motivo outro desembolso desproporcionado aos rendimentos do Estado, e aos socorros, que a elle se destino; havendo mais a despeza dos transportes, e a de continuar por hum anno, o sustento s familias, que alli se vo estabelecendo, que tudo com as condues de mantimentos, e generos, que daqui he necessario remetter, faz maior o desembolso37.

Ficamos assim a saber que o projecto da fundao de Vila Nova de Mazago apontava para a construo de mais de 500 casas e que s uma parte delas estava concluda. Com efeito, mostra-nos uma outra passagem do referido documento que as primeiras 134 casas projectadas estavam no seguinte estado: 56 estavam concludas; 36 estavam feitas, mas faltava serem caiadas; 25 no estavam ainda rebocadas nem caiadas; 17 tinham sido principiadas38.

Nesta mesma carta, o governador alerta para a exorbitncia das despesas com a instalao das famlias vindas da praa marroquina de Mazago, chegando mesmo a sugerir ao rei que se lhes desse liberdade de se fixarem por sua conta em qualquer outra parte da capitania, dando-se-lhes a terras de sesmarias. Ilustremos com as suas prprias palavras: se a Sua Megestade parecesse conveniente, se poderia facelitar a esta gente a liberdade de se estabelecer, a que quizesse, por onde, dentro da Capitania, mais commodidade lhe fizesse, evitandose assim maiores despezas quando o Estado fica sempre conservando aquelles Povoadores, posto que em taes termos, menos uteis defeno, e forteficao da Praa, e Barreira de Macap39.

A ltima parte da passagem da carta do governador, que acabmos de ver, sugere-nos quais eram os reais objectivos do rei, ao decidir fixar os mazaganistas naquele ponto estratgico, no contexto da reorganizao do sistema de defesa da Amaznia. De facto, quando em 1753 o gabinete josefino decidiu criar dois regimentos militares no Par, formados por cerca de 1200 homens, instalou um na cidade de Belm para garantir a defesa da capital daquele Estado e impedir a penetrao de possveis invasores pelo brao direito da foz do Amazonas e, o outro, sediou-o na recm-criada vila estratgica de Macap, cuja fortaleza viria a ser reformada e reforada, por forma a controlar a circulao da navegao e a assegurar a defesa do brao esquerdo da foz daquele grande rio, em eventuais tentativas de penetrao nos territrios amaznicos por parte de foras inimigas40.

Na concepo geral de defesa da Amaznia, o tampo defensivo da passagem estratgica do brao esquerdo da foz do Amazonas deveria assentar no povoamento tripolarizado nas vilas de Macap, Vila Vistosa e Vila Nova de Mazago. Naturalmente, no pensamento do rei e do seu gabinete, que povoadores mais adequados fundao desta ltima vila que as gentes da praa marroquina de Mazago, habituadas a lidar com situaes de guerra? E porque em tais famlias abundavam os soldados, isso facilitaria o recrutamento de gente especializada na guerra. Iremos encontrar muitos destes soldados mazaganistas incorporados no regimento de Macap41.

A viagem de barco entre Macap e Vila Vistosa e entre Macap e Mazago demorava couza de quatorze horas ou, como se diz noutro documento, couza de huma mar; porm agoa abaixo, ordinariamente mais se gasta, pelo embarao do contrario vento de proa42.

Claro que, a par da ligao fluvial entre estas trs vilas, havia todo o interesse em estabelecer tambm a ligao por terra. Porm, as condies fsicas do terreno impossibilitaram tais intentos. Isso mesmo explicita o governador do Par, em carta a Martinho de Melo e Castro, nos seguintes termos: Tenho feito as maiores deligencias por estabelecer ha communicao por terra, entre estas tres Povoaoens, de Mazago, Villa Vistosa e Macap; porem nos repetidos exames, que ja se havio praticado antes da minha vezita, se reconheceo impraticavel este intento, pelos grandes lagos, e pantanos, que se encontro, e totalmente difficulto o pertendido caminho; e assim no ha mais remedio, que recorrer ao da agoa, ainda que menos vantajozo, para se socorrer o Macapa, em cazo de ataque: E tambem isto no facilita tanto o exercitaremse unidos os dous Crpos Auxiliares, de cavallaria do Macap, e de Infantaria de Mazago, em qualidade de Tropas ligeiras, como Sua Magestade me tem ordenado; porem ainda que menos vezes se uno, e que separadamente se exercitem, nos seus respectivos districtos, assim mesmo sero muito uteis, e proveitozos, logo que se conseguir a sua regulao, e desciplina na forma, que tenho projectado43.

Segundo o Mappa de todos os Habitantes, e Fogos que existiam na Freguesia de Nossa Senhora da Assuno de Mazago44, ao 1 de Julho de 1773, as pessoas ento ali instaladas podem captar-se perfeitamente pela forma como procurmos organizar o quadro IV.


 

Quadro IV

Relao dos habitantes dos 141 fogos existentes na vila de Mazago, em 1 de Julho de 1773.

Designao dos grupos de pessoas

Nmero

Crianas livres do sexo masculino at 7 anos

42

Rapazes livres de 7 a 15 anos

42

Homens livres de 15 a 60 anos

128

Velhos livres de 60 a 90 anos

10

Crianas livres do sexo feminino at 7 anos

34

Raparigas livres de 7 a 14 anos

41

Mulheres livres de 14 a 50 anos

102

Velhas livres de 50 a 90 anos

29

Subtotal

428

Crianas escravas do sexo masculino at 7 anos

5

Rapazes escravos de 7 a 15 anos

6

Homens escravos de 15 a 60 anos

51

Crianas escravas do sexo feminino at 7 anos

10

Raparigas escravas de 7 a 14 anos

5

Mulheres escravas de 14 a 50 anos

37

Velhas escravas de 50 a 90 anos

1

Subtotal

115

Total

543

Fonte: A.H.U., Par, mapa anexo carta e relao do governador Joo Pereira Caldas, de 8 de Novembro de 1773.


 

De 1 de Julho at princpios de Novembro de 1773, seguiram da cidade de Belm para Mazago mais 35 famlias e quatro pessoas isoladas (o padre Diogo Dias da Costa, Miguel Soares, Lucas Fris de Abreu e Joo Pereira), num total de 292 pessoas (227 brancos e 65 escravos). A juntar s 141 famlias atrs referenciadas e que j l estavam, temos agora mais estas 35, o que faz com que, nesta data, a vila de Mazago passe a ter 176 fogos e 835 pessoas. Esclarece, a propsito, o governador que, mesmo depois do envio destas primeiras levas, ainda nesta Cidade existe mais da ametade daquelle numeroso Pvo45. Estes dados quantitativos confirmam o contingente atrs referenciado de cerca de 400 famlias e 2000 pessoas vindas da praa marroquina de Mazago para Belm do Par, em Setembro de 1769 e de outras que tero embarcado posteriormente.

Entre 4 de Agosto e 4 de Setembro de 1773, o governador Joo Pereira Caldas realizou uma visita s trs povoaes que temos vindo a referenciar, durante a qual elevou Mazago categoria de vila, como se pode constatar pela seguinte passagem: No mesmo Estabelecimento de Mazago fundei agora a Villa, que Sua Magestade determinou, e lhe constitui Justias, Posturas, e todas as providencias, que em similhantes creaoens se costumo; no deixando de recomendar tambem muito todo o possivel adiantamento na construo das cazas46.

Nesta mesma carta, o governador descreve-nos assim o tipo de casas que estavam a ser construdas na nova vila de Mazago: Este Estabelecimento sim, que leva mais solidos fundamentos, porque as cazas ainda que de madeira, e cobertas de palha, promettem outra durao, e vo dispostas para receberem a telha, a todo o tempo, que lha quizerem pr (). Porem reconheo, que por isso mesmo, que vo melhores, gasto mais tempo, e fazem maior despesa; sendo concideravel a que tem importado, e hade ainda importar o referido Estabelecimento, no obstante toda a grande economia, que nelle tenho praticado47. Vemos, assim, que a edificao das casas estava a demorar mais tempo que o previsto, porque estavam a ser muito bem construdas, porquanto, sendo de madeira e de momento cobertas de palha, ficavam preparadas para poderem vir a receber telha (ver planta das casas).

Alm dos escravos que, como vimos, as gentes de Mazago levavam consigo, requereram que lhes fossem fornecidos mais, certamente para trabalharem no desbravamento das suas terras de sesmarias e em outras tarefas. Em 7 de Abril de 1773, foi pedida ao rei a introduo de hum competente fornecimento de Negros por conta da Sua Real Fazenda, para satisfazer as necessidades dos povoadores e para os servios reais das obras da fortaleza de Macap e da vila de Mazago48.

Mais de quatro anos aps a sua chegada a Belm do Par, as ainda numerosas famlias de Mazago a existentes (mais de metade, segundo as contas do governador) continuavam a ser um peso para as finanas pblicas, nomeadamente com o pagamento do alojamento e da alimentao. Em carta datada de 2 de Maro de 1774, o governador daquele Estado expe as suas preocupaes a esse respeito s autoridades do Reino, dando conta das suas diligncias no sentido de moralizar e de pr ordem nesses gastos (algumas pessoas estavam j a trabalhar na cidade e, obviamente, a serem pagas por isso) para, segundo as suas palavras, evitar o prejuizo. que sentia a Real Fazenda na desordem, que aqui observei com as accomodaoens das Familias de Mazago, que ainda existia nesta cidade, e com as raoens de mantimento, que diariamente percebem, em conformidade das Reaes Ordens49.

Entretanto, a construo das casas na nova vila de Mazago, embora a ritmo mais lento que o desejvel, vai continuando, a correspondente transferncia de famlias vai-se processando e a situao na cidade de Belm vai descomprimindo50. Com efeito, durante o ano de 1774, foram transferidas mais 51 famlias, num total de 265 pessoas (227 livres e 38 escravos)51.

Contudo, adverte o governador na carta que acompanha a relao das referidas 51 famlias, enviada ao secretrio de estado da marinha e domnios ultramarinos, Martinho de Melo e Castro, que sem embargo de que eu cuido efficasmente em ir para l passando toda esta gente, no he possivel, que se consiga sem tempo proporcionado construo de tantas cazas, e com aquella brevidade, que o meu dezejo me inspira, em benefcio da Real Fazenda, poupando-se a despeza, que lhe motiva a no pequena poro das mesmas Famlias, que ainda aqui existem52.

Nos princpios de 1775, a maior parte das famlias estava j instalada em Mazago e, durante esse ano, sero transferidas mais 78, num total de 368 indivduos (278 brancos e 90 escravos)53. Algumas das famlias e pessoas mazaganistas tinham j estabilizado a sua vida em Belm, tinham-se habituado ao bulcio da cidade e pretendiam fixar-se nela. Como atrs se viu, muitas delas estavam a trabalhar e a ganhar a vida, embora de forma clandestina, por forma a continuarem a receber as benesses estatais, e iro requerer ao governador que as autorize a ficarem na cidade de Belm, alegando as suas razes particulares. No eram essas, porm, as ordens reais. Face a esta situao, o governador Joo Pereira Caldas determinar que, a partir de 5 de Maro de 1776, se fao absolutamente suspender todas as assistencias de Cazas, de Raoens, e de Hospital, que ainda estiverem percebendo quaesquer das referidas Familias; e que sem que por isso nenhuma fique dezobrigada de embarcar-se para o mesmo novo Estabelecimento, logo que assim se determinar, s ento percebero os costumados e competentes secorros de ferramentas, de mantimento para a viagem, e da rao do anno de farinha, que as Reais Ordens determino54.

A partir de 1775, as famlias mazaganistas estantes na cidade de Belm a aguardar a sua transferncia para a nova vila de Mazago so j bastante menos do que aquelas que ali se instalaram. No temos qualquer informao de, durante o ano de 1776, ter ido qualquer famlia e, em 5 de Abril de 1777, vo quatro, num total de 14 pessoas55. No prembulo da relao desta pequena leva pode ler-se que das poucas famlias da extinta Praa de Mazago, que j resto nesta Cidade, se passaro mais para o nvo Estabelecimento daquelle nome, as que consto da relao incluza; e no mesmo Estabelecimento se vai continuando a trabalhar nas Cazas, que ainda se precizo para a acomodao de todas56.

O cruzamento dos dados contidos em dois cdices do Arquivo Histrico Ultramarino permite-nos captar a globalidade das pessoas evacuadas da extinta praa marroquina de Mazago e transportadas para o Par, porque um d-nos as famlias e pessoas que j estavam fixadas na vila de Mazago e o outro as que permaneciam ainda na cidade de Belm57. Ressalve-se, naturalmente, as que entretanto faleceram, as que nasceram e o nmero de escravos. Vejamos o quadro que se segue:


 

Quadro V

Relao das famlias e pessoas mazaganistas j estabelecidas em Vila Nova de Mazago e as ainda existentes na cidade de Belm a aguardar transporte, em Dezembro de 1778

Itens

Famlias

Pessoas

Nmero de famlias

371


 

Pessoas livres do sexo masculino


 

728

Pessoas livres do sexo feminino


 

642

Escravos de ambos os sexos


 

405

Subtotal

371

1755

Famlias livres ainda na cidade

159


 

Pessoas livres do sexo masculino


 

212

Pessoas livres do sexo feminino


 

203

Escravos de ambos os sexos


 

188

Subtotal

159

603

Total

530

2378

Fontes: A.H.U., Cdice 1790 (Rellao de todas as Famillias, e Pessas de Mazago, que existem ainda sem serem transportadas Vila da mesma denominao, para onde h determinado o seu destino); Cdice 1257 (Relao dos Mazaganistas extabelecidos na Villa nova de Mazago e suas vezinhanas, com huma particular e individual informao relativa a cada Familia, em 31 de Dezembro de 1778).


 

O cdice 1257 d-nos a Relao dos Mazaganistas estabelecidos na Villa Nova de Mazago e suas vezinhanas, com huma particular e individual informao relativa a cada Familia, elaborada por Manuel da Gama Lobo de Almada, governador do Macap, datada de 31 de Dezembro de 1778. Por ele se v que, nesta data, estavam instaladas na nova vila de Mazago 371 famlias, num total de 1775 pessoas (1370 livres e 405 escravos)58. Continuava-se, porm, a construir as casas (ver planta de cerca de 1830) que faltavam para acolher as 159 famlias que ainda permaneciam na cidade de Belm.

Pelo cdice 1790, datado de 1 de Dezembro de 1778, podemos ver que 159 famlias, num total de 603 pessoas (415 livres e 188 escravos), estavam ainda na cidade de Belm: destas, 149 famlias e 518 pessoas estavam ainda na cidade de Belm a aguardar transporte para a nova vila de Mazago; 4 famlias, perfazendo 26 pessoas (15 livres e 11 escravos), estavam nomeadas para se transportarem referida vila e, tendo j recebido as ferramentas e as raes que lhes competiam, permaneciam na cidade, com autorizao do governador; 6 famlias, num total de 59 indivduos (33 livres e 26 escravos), tinha-lhes sido indicado instalarem-se na Estrada que se encaminha vila de Ourem, por ordem do governador do Par59.

Da compilao destes dados quantitativos se pode concluir que, das famlias e pessoas evacuadas da praa marroquina de Mazago (em 11 de Maro de 1769 e antes desta data), tero sido poucas as que no foram levadas para o Par e, destas, quase todas acabaram por se fixar em Vila Nova de Mazago.

O exame dos dois referidos cdices permite-nos constatar que as famlias mazaganistas tm agora muito mais escravos do que tinham em Marrocos, e que, se alguns esto totalmente pagos, muitos outros esto por pagar, no todo ou em parte60. Estes dois cdices, para alm do nmero de pessoas de cada famlia, seus nomes e parentesco em relao ao cabea de casal, estado civil, nmero e qualidade dos seus escravos e se estavam totalmente pagos ou qual o montante em dvida, fornecem-nos importantssimos elementos econmicos, sociolgicos e caracterolgicos relativamente aos membros de cada famlia, nomeadamente traos de comportamento e de carcter, estatuto social, modos de vida, exteriorizao de riqueza e situaes de dificuldade ou de pobreza. O inegvel valor histrico destes cdices e o enorme interesse no devido tratamento destes dados no se compadece com o mbito deste artigo, pelo que nosso propsito retomar este estudo e proceder publicao destas fontes, numa publicao de outro tipo.

1 Antnio Dias Farinha, Histria de Mazago durante o perodo filipino, Lisboa, Centro de Estudos Histricos Ultramarinos, 1970, pp. 24-27; Robert Ricard, Mazagan et le Maroc sous le rgne du sultan Moulay Zidan (1608-1627), daprs le Discurso de Gonalo Coutinho, gouverneur de Mazagan 81629), Paris, Paul Geuthner, 1956, pp. 19-26.

2 Com especial deferncia do Professor Doutor Antnio Dias Farinha, ob. cit., entre pp. 14-15.

3 Robert Ricard, ob. cit., pp. 19-26.

4 Pedro da Silva Correia, Feliz e glorioso successo da batalha, que a guarnicam de Mazago teve em quatro de Abril deste anno de 1763 com oito mil Mouros por mais certa noticia, destroo e mortandade, que nove Cavalleiros fizero na mesquita dos Corsairos, que na Cidade de sal se tem armado contra a Republica Catholica Romana, dado ao prelo por Alvaro Botelho Correa, Cavalleiro Fidalgo, professo na Ordem de Christo, Cidado desta Cidade de Lisboa, Guarda-mr da Praa de Mazago e Almoxarife das Mercearias da Serenissima Rainha D. Catharina, Lisboa, Na Officina de Miguel Rodrigues, 1763.

5 Simo Correia de Mesquita, Noticia do grande assalto, e batalha, que os Mouros dro Praa de Mazagam em o mez de Junho de 1760, Lisboa, Na Oficcina de Ignacio Nogueira Xisto, 1760.

6 Idem, Relaam do choque, que tiveram os Cavalleiros da Praa de Mazago com os mouros de Aducala, e Azamor, em 7 de Dezembro de 1751, Lisboa, Joze da Sylva da Natividade, 1752. Escrita por Simo Correia de Mesquita, assistente na mesma Praa, que dedica, e consagra ao Illustrissimo, e Reverendissimo Senhor D. Luiz da Cunha, prelado da Santa Igreja de Lisboa, p. 7.

7 Ibidem, p. 8.

8 Ibidem, p. 12.

9 Simo Correia de Mesquita, Relao do grande combate, e fatal peleja, que agora proximamente tivero os Soldados, e Cavalleiros da Praa de Mazago, com os Mouros de Azamor, e Maquinez, Lisboa, Na Officina de Manoel Soares, Anno de 1752, p. 8.

10 Ibidem, p. 6.

11 Simo Correia de Mesquita, Notcia do grande choque, que teve a Guarnio do Presidio de Mazagam com os Mouros estuques, e de como alcanou delles huma fatal victoria no dia 3 de Fevereiro do anno de 1753, s. l., s. e., s. d., p. 2.

12 Ibidem, p. 6.

13 Simo Correia de Mesquita, Relaam do grande, e admiravel choque que teve o presdio de Mazagam, em 28 de Outubro proximo passado com os Mouros da sua fronteira. Dada ao publico em 16 de Abril de 1755, s. l., s. e., s. d., p. 6.

14 Ibidem, pp. 7 e 8.

15 Ibidem, p. 8.

16 Simo Correia de Mesquita, Noticia do grande assalto e batalha, que os Mouros dero Praa de Mazagam, em o mez de Junho do presente anno de 1756. Com outras cousas notaveis modernamente succedidas na mesma Praa, Lisboa, Na Officina de Domingos Rodrigues, 1756, p. 3.

17 Ibidem, p. 4.

18 Ibidem, pp. 7 e 8.

19 Ibidem, p. 8.

20 Simo Correia de Mesquita Noticia do grande assalto, e batalha, que os Mouros dro Praa de Mazagam em o mez de Junho de 1760, Lisboa, Na Officina de Ignacio Nogueira Xisto, 1760.

21 Pedro da Silva Correia, Feliz e glorioso successo da batalha, que a guarniam de Mazago teve em quatro de Abril deste anno de 1763 com oito mil Mouros por mais certa noticia; destroo e mortandade, que nove Cavalleiros fizero na mesquita dos Corsairos, que na Cidade de Sal se tem armado contra a Republica Catholica Romana, Lisboa, Na Officina de Miguel Rodrigues, 1763.

22 Ibidem.

23 Arquivo Histrico Ultramarino (A.H.U.), Cdice 1784.

24 Ibidem, fl. 65v.

25 Ibidem, fls. 17v, 25, 38, 40v e 54v.

26 Ibidem, fls. 9v, 10v, 25, 43, 50, 52v, 64 e 65.

27 Ibidem, fls. 3, 7, 33v, 37, 47, 54v, 57, 58, e 71.

28 A.H.U., Cdice 1991, fls. 1 a 21; A.H.U., Par, 15 de Setembro de 1770.

29 A.H.U., Cdice 1991, fls. 7v, 10v, e 19v.

30 A.H.U., Par, 15 de Setembro de 1770 e 24 de Agosto de 1771.

31 A.H.U., Par, 24 de Agosto de 1771.

32 A.H.U., Par, 1 e 14 de Janeiro de 1770.

33 Ibidem.

34 A.H.U., Par, 18 de Setembro de 1770.

35 A.H.U., Par, 19 de Setembro de 1770.

36 A.H.U., Par, 2 de Maro de 1771.

37 A.H.U., Par, 5 de Janeiro de 1773.

38 Ibidem.

39 Ibidem.

40 Veja-se o nosso artigo Aspectos da poltica pombalina na Amaznia, in Revista Portuguesa de Histria, t. XXXIII, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra - Instituto de Histria Econmica e Social, 1999, pp. 345-389.

41 Vejam-se, nomeadamente, os Cdices 1257 e 1790, do Arquivo Histrico Ultramarino.

42 A.H.U., Par, 5 de Janeiro e 8 de Novembro de 1773.

43 A.H.U., Par, 8 de Novembro de 1773.

44 Note-se que a padroeira da igreja matriz da praa marroquina de Mazago era Nossa Senhora da Assuno e de crer que a prpria imagem deve ter sido levada pelos mazaganistas.

45 Ibidem.

46 A.H.U., Par, 8 de Novembro de 1773.

47 Ibidem. Veja-se a Planta e elevao das casas que actualmente se edificam na Vila Nova de Mazago (c. 1773), A. H.U., Cartografia manuscrita, n 807.

48 A.H.U., Par, 7 de Abril de 1773.

49 A.H.U., Par, 2 de Maro de 1774.

50 A.H.U., Planta e elevao das casas que actualmente se edificam na Vila Nova de Mazago (c. 1773), Cartografia manuscrita, n 807.

51 A.H.U., Par, 3 de Fevereiro de 1775.

52 Ibidem.

53 Relao das Famlias que em todo o anno de 1775 se transportaro ao Novo Estabelecimento da Villa de Mazago, A.H.U., Par, 5 de Maro de 1776.

54 Ibidem.

55 A.H.U., Par, 5 de Abril de 1777.

56 Ibidem.

57 nossa inteno transcrever e publicar na ntegra, com um estudo introdutrio os quatro cdices respeitantes transferncia das gentes da praa marroquina de Mazago para a Amaznia, existentes no A.H.U. So os nmeros 1257, 1781, 1790 e 1991.

58 Ibidem.

59 A.H.U., Cdice 1790, datado de 1 de Dezembro de 1778, Relao de todas as Famlias, e Pessoas de Mazago, que existem ainda sem serem transportadas Villa da mesma denominao, assinado pelo capito Severino Eusbio de Matos.

60 A.H.U., Cdice 1790 e Cdice 1257.

 

 

 
 
 

 
 
   
 

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