Mazago. De Marrocos para a Amaznia
Jos
Manuel Azevedo e Silva
A queda
de Santa Cruz de Cabo de Gu, em 12 de Maro de 1541, depois
de uma dura resistncia da guarnio portuguesa, levou D.
Joo III a determinar a evacuao e abandono de Safim e
Azamor, em Outubro seguinte. Mazago permaneceu como a nica
praa lusitana em Marrocos Meridional. Para tentar garantir
a a presena portuguesa, o monarca mandou reestruturar o
seu sistema defensivo, para o que confiou o projecto ao
arquitecto italiano Benedetto da Ravenna e a direco dos
trabalhos a Joo de Castilho e Joo Ribeiro.
Erguida
na parte sul da baa, bem junto ao mar, a nova fortaleza foi
tida por inexpugnvel (ver planta).
S assim se compreende a resistncia desta praa por mais de
dois sculos, isolada por terra pela moirama marroquina. Em
caso de cerco, s por mar podia esperar socorro.
A propsito do feliz e glorioso successo da batalha, que
a guarniam de Mazago teve em quatro de Abril deste anno de
1763 com oito mil Mouros, Pedro da Silva Correia
faz-nos a sua descrio, nos seguintes termos: Est a
nossa Praa de Mazago em altura de 33 graos. He de figura
rectangular; e em cada hum dos seus angulos frma hum
baluarte, em que esto montadas muitas peas de artilharia
de ferro, e bronze; e alem destes tem mais hum baluarte no
meio da cortina, que faz frente ao campo da Provincia de
Ducalla, hoje chamada da Duquella () he cercada de hum
largo fosso de agua, que enche, e vaza com a mar. Da porta
da Praa para a parte do campo sahe huma ponte levadia que
passa por cima do mesmo fosso, e he de serventia dos seus
moradores.
Outro relator classificar a praa de Mazago como hum
dos maiores Presidios, que a Cora de Portugal tem nas
terras de Africa, inexpugnavel escudo ousadia dos
Barbaros, chave da Christandade, brazo da gloria
Portugueza.
Com o
abandono de Alccer-Ceguer e de Arzila, em 1550, a presena
portuguesa em Marrocos ficou reduzida s praas de Ceuta,
Tnger e Mazago. Em 1640, Ceuta tomou partido por Filipe IV
e continuou espanhola at aos nossos dias. Em 1662, Tnger
foi cedida Inglaterra como parte do dote de casamento de
D. Catarina com Carlos II. Apenas Mazago permanecer como
smbolo da resistncia, da heroicidade e do sonho
luso-marroquino, at sua evacuao, por ordem de D. Jos,
em 1769.
1.
Resistncia e queda do ltimo bastio luso-marroquino
Os
ataques mouros praa portuguesa de Mazago
intensificaram-se a partir de 1750. Pelas Relaes
e Notcias que nos deixaram Simo Correia de
Mesquita e Pedro da Silva Correia, sabemos que Mazago foi
sujeita a durssimos ataques dos mouros, nomeadamente nos
anos de 1751, 1752, 1753, 1754, 1756, 1760, 1763, culminando
com o poderoso contingente que montou o ltimo cerco de
1969. Vale a pena atentar no vigor e no dramatismo desses
relatos, tanto mais que sabemos terem sido os seus autores
testemunhas presenciais.
Ao
relatar-nos o ataque de 1751, Simo Correia de Mesquita
diz-nos que os 150 cavaleiros e pouco mais de 400 infantes
da sua guarnio, estando continuamente expostos s
hostilidades de hum bloqueyo perpetuo, se pde crer sem a
menor superstio, que s o amparo do Ceo os defende da
fora de hum vizinho to poderoso, e turbulento.
Face incrvel desproporo das foras em presena, o
relator faz questo de deixar expressa a sua profisso de
verdade, nos seguintes termos: A fidelidade, que pede a
histria nos obriga a segurar ao publico, que nem o amor da
Patria, nem o da Fama, nos podero fazer transgredir as
severas leis da verdade, e como o Historiador foi testemunha
ocular, por todas as razoens se lhe deve dar inteiro credito
ao seu depoimento.
Passando propriamente ao relato do assalto, comea por dizer
que a 13 e 14 de Novembro de 1751 sairo os Portugueses
para o campo de Mazago Velho, que dista da Praa tres
quartos de legoa, e nelle se mantivero at noite sem
descobrirem vestigios de andar fra o inimigo. Mas a
ameaa pairava no ar. O inimigo no tardaria a atacar e, a 7
de Dezembro seguinte, ficando os Portugueses senhores do
Terreno, conseguiro huma Victoria completa. Os Mouros
deixaro no Campo vinte e cinco homens mortos, e mais trinta
cavallos, no chegando a nossa perda mais do que a dz
cavallos feridos.
A prvia
preparao do terreno e a disposio ardilosa das nossas
reduzidas foras, por forma a surpreender o adversrio logo
no primeiro embate e quebrar o seu mpeto era, por regra, a
tctica utilizada pelos nossos chefes militares, procurando
assim compensar a desproporo numrica. Foi o que aconteceu
nomeadamente no incio do vero de 1752, quando Mazago
voltou a ser assediada por um numeroso exrcito inimigo,
porquanto, logo no primeiro ataque ficaro vinte e tres
Mouros mortos e seis cavallos, cujo accaso os atemorizou to
gravemente, que ja supprimidos do seu furor, e acovardados
se punho em retirada, e ficaria sem mais ruina o triunfo
dos Christos, se accaso no chegasse subitamente todo o
groo da cavallaria Mourisca, que se observou pelos pendoens
que trazio, ser de alguns quinze, ou vinte mil homens, que
corrio com tanta furia, e impeto como quem queria levar
tudo escalla.
A
proviso de mantimentos, de armas e de reforos humanos
chegava normalmente por mar. Mas, por vezes, os mazaganistas
viam-se forados a irem a campo a proverem-se de lenha e de
ferrejo. Foi o que aconteceu antes do j referido ataque de
7 de Dezembro de 1751, altura em que tinha sido muito
precizo aos moradores daquela Praa proverem-se de lenha, e
ir a ferrejarem algumas hervas, e feno para o pasto dos
cavallos.
Tambm antes do assalto de 3 de Fevereiro de 1753, o
governador da praa, Jos Leite de Sousa, determinou
tomar o campo do Palmeirinho furtado, para prover a Praa de
lenha apezar das contrarias vigilancias daquelles inimigos.
Nesse dia, com um esquadro de apenas 120 cavaleiros e
40 infantes, alcanou o referido governador inequvoca
vitria sobre 1.800 mouros de p e de cavalo. Conta o
relator que vimos citando que os chefes mouros, havendo
com antecedncia mandado retirar para distante citio, como
desconfiando dos fins deste choque, os mortos, e mal
feridos, que pudero, nos deixaro smente onze mortos no
campo, e sete cativos, que fora de armas trouxero
Praa os nossos Cavalleiros, entrando neste numero alguns
dos seus Cabos de primeiro nome. Da Torre da Praa chamada
do Rebate, se viro levar atravessados nos cavallos trinta,
e tantos mortos, e hum extraordinario numero de feridos,
ao passo que da nossa parte houve apenas a morte de dois
cavaleiros e de dois soldados e o registo de um s ferido.
No
ataque que a praa sofreu, em 28 de Outubro de 1754, o
governador Jos Leite de Sousa temeu o pior, chegando a
considerar quasi impossivel fazer constante resistencia
aquelle esquadram a tantos Mouros.
Apesar da habitual desconformidade das foras em presena,
as baixas do inimigo foram muitssimo superiores s nossas.
Ouamos o que nos diz o nosso informador: principiou
este combate ao nascer do Sol, e acabou ao meio dia,
continuando sempre em repetidas descargas de mosquetaria: e
he digno de admiravel ponderaam, que no espao de mais de
seis horas de peleja perdessemos s dous homens (). Foy
mayor o numero de feridos, e o nam expressamos por nos
faltar verdadeira informaam deste particular.
Repare-se na preocupao do relator em procurar conferir
credibilidade s suas palavras. Relativamente s baixas do
inimigo, acrescenta que nos ficaram dous captivos e,
quanto aos mortos, passram de setenta.
Grande
choque sofreram os mazaganistas com o violento tremor de
terra de 1 de Novembro de 1755. Atentemos, a este respeito,
nas expressivas palavras de Simo Correia de Mesquita, na
parte introdutria do seu relato, respeitante ao ataque que
os mouros desferiram quela praa, em Junho de 1756:
ninguem ja ignora o lastimoso effeito, e deploravel
estrago, que a Praa de Mazago experimentou no primeiro de
Novembro do anno passado, aonde desde as nove horas e meya,
at as nove e tres quartos tremeo a terra com impeto to
forte, que se abrio em varios sitios, arruinando-se todas as
casas, e desamparando todos suas habitaens, sendo a
confuso igual ao estrago.
Repare-se que todas as casas ficaram danificadas, mas,
quanto fortaleza, nem uma palavra, porque, certamente, nem
uma fenda. Os mouros julgaram o momento azado para o
ataque decisivo quele bastio lusitano, mas, uma vez mais,
subestimaram o herosmo dos nossos. Como nos diz o nosso
informador, viro, e soubero os Mouros o grande
estrago, que os Portugueses padecero, e avaliando, ou
considerando, que a fortuna lhe mostrava prompta occasio,
determinaro dar hum assalto mesma Praa, persuadindo-se,
que ficario victoriosos, como se este no fosse o mesmo
Theatro, em que os Portugueses tantas vezes tem ficado
Triumfantes, quantas os mesmos foro destruidos, mortos, e
derrotados.
A
disposio estratgica das tropas no terreno ou o facto de
ficarem de frente ou de costas para o sol podia influir no
desfecho de uma peleja. E os portugueses, normalmente em
inferioridade numrica, sabiam tirar partido disso. Foi o
que aconteceu nesta batalha, como expressivamente nos
esclarece o relator que vimos seguindo: tivero os
nossos a vantagem de ficarem com as costas para o Sol, e os
inimigos com elle nos olhos, cousa que tanto os afligio, que
foy huma das causas de conseguirmos mais cedo a victoria,
era ja tal a confuso, que havia entre elles, que ja os de
Mazago no duvidavo, antes tinho por certo o vencimento,
comearo a por-se em huma retirada to forte, que foy huma
descomposta fugida, seguiro-os os nossos, e ainda ento
lhes fizero mais consideravel damno, mas como se avizinhava
a noite se retiraro, e os deixaro na fugida, viero ao
campo da peleja, e trouxero alguns despojos, supposto que
pequenos no valor, no sendo por isso menor a alegria,
porque os bons Soldados mais estimo o vencer, que as
riquezas, soube-se, que foro mortos perto de quatrocentos
Mouros, e entre elles tres Capitaens, que o seu General fora
levemente ferido, e que este fora o motivo da retirada, os
feridos foro sem conta, dos nossos merrero seis, e vinte e
sete feridos, que ja se acho restituidos a saude perfeita.
Patriotismo parte, o nosso relator no deixa passar em
claro o herosmo dos portugueses: com esta victoria se
recolhero Praa de Mazago, os nossos Soldados, pondo
desta sorte mais huma Cora heroicidade Lusitana, que na
Africa, e em todas as partes do mundo se tem coroado com
tantos Louros.
Com ttulo e texto idntico nos relata Simo Correia de
Mesquita o cerco de Junho de 1760.
O
penltimo grande assalto praa de Mazago, perpetrado por
8.000 mouros, ocorreu em 4 de Abril de 1763, mas o narrador
Pedro da Silva Correia no nos d o nmero de baixas de um e
de outro lado, como por norma fazia Simo Correia de
Mesquita. Diz-nos, contudo, ter a praa de Mazago de
guarnio, quando completa, seiscentos infantes, duzentos
cavallos, e quarenta artilheiros.
Temos, portanto, que a guarnio de Mazago foi reforada
nos ltimos anos, uma vez que, como atrs se viu, em 1751
tinha apenas 150 cavaleiros e pouco mais de 400 infantes. O
nmero de artilheiros deveria ser idntico, ou seja, 40.
Informa ainda o relator que, nessa data, em Mazago
habito mais de tres mil pessoas de hum, e outro sexo da
nao Portuguesa, no qual numero se comprehende multido
grande de Cavalleiros da Ordem de Christo, honrados tambem
por seus servios, e merecimentos, com os fros de
Cavalleiros Fidalgos, e Fidalgos da Casa de Sua Magestade: e
a maior parte de seus moradores so de antigas familias, e
nobres prognies.
No incio de 1769, perante a informao da concentrao de
grande contingente de tropas mouras em torno de Mazago, D.
Jos ordenou o abandono da praa e o embarque da populao
ocorreu em 11 de Maro desse mesmo ano.
2. A
evacuao da praa para Lisboa
Na
sequncia do Tratado de Madrid, assinado em 13 de Janeiro de
1750, definidor das fronteiras da colnia portuguesa da
Amrica, o gabinete josefino elegeu o Brasil como a grande
prioridade, no mbito da sua poltica ultramarina,
particularmente a vastssima regio amaznica. Tornou-se
necessrio concentrar ali todos os meios humanos e materiais
possveis, com vista necessria acelerao do ritmo do
povoamento, da colonizao e da defesa daquele territrio.
neste
contexto que se deve procurar entender a deciso rgia do
abandono da praa marroquina de Mazago. Face envergadura
da ameaa moura a que j nos referimos, duas opes
alternativas se colocavam coroa, nos princpios de 1769:
ou enviava reforos significativos para Mazago, por forma a
fazer face aos frequentes e cada vez mais intensos ataques
dos mouros quela praa, de modo a garantir a sua defesa e
manuteno, ou mandava evacuar a populao e a guarnio,
pondo fim presena portuguesa em Marrocos, mas tambm ao
sorvedouro de gente e de dinheiro, com a vantagem de poder
encaminhar esses recursos para a Amaznia. Prevaleceu a
segunda alternativa. O rei mandou evacuar toda a populao
para Lisboa, em 11 de Maro de 1769, e daqui partiria para a
Amaznia, em 15 de Setembro seguinte.
A
Relao das Famlias que viero da Praa de Mazago em 11
de Maro de 1769
d-nos, de facto, o registo das famlias e a sua composio,
o parentesco de cada membro em relao ao chefe de famlia,
as pessoas sozinhas que no constituiam famlia, o nome, o
sexo e a idade de cada um, com distino entre os maiores de
10 anos e os menores dessa idade, o posto/cargo de cada um
dos agentes da guarnio militar. Atentemos nos dados
quantitativos do quadro I.
Quadro I
Habitantes de Mazago evacuados em 11 de Maro de 1769
-
Itens |
Famlias |
Pessoas |
Nmero de famlias |
418 |
|
Maiores de 10 anos |
|
1497 |
Menores de 10 anos |
|
595 |
Total |
418 |
2092 |
Fonte: A.H.U.,
Cdice 1784 (Rellao das Familias que viero da Praa
de Mazago em 11 de Maro de 1769).
Como se
v, embarcaram 2092 pessoas (Mazago chegou a ter mais de
3000 habitantes, como atrs se viu, o que faz supor que
algumas famlias j teriam sido evacuadas antes), 1.497
maiores de 10 anos e 595 menores dessa idade. Ao todo, eram
418 famlias, cuja composio oscilava entre os 2 e os 11
membros, tendo-se em conta que integravam a famlia os
criados, os escravos e os enjeitados. Temos, portanto, uma
mdia de 5 elementos por famlia. Aparecem-nos 43 vivas
como cabeas de casal e 21 outras vivas integradas nas
famlias, 70 escravos (43 homens, 21 mulheres e 6 menores, 3
de cada sexo), 2 criados, 1 criada, 5 enjeitados e 1 preto
forro. Dos 70 escravos, pensamos serem pretos da 69, uma vez
que, quando se tratou de registar uma marroquina, se
assentou como huma moura de 61 anos, escrava da
viva D. Guiomar da Cunha. No integrados em famlias,
seguiram 5 vivas, 8 homens e 5 mulheres. Mesmo sem ser no
estado de viva, a mulher assumia, em situaes
excepcionais, a funo de cabea de casal. o caso de D.
Paula Incia Joaquina, casada com Pedro lvares, que estava
degredado em Bissau.
Quanto
guarnio militar, embarcaram 515 elementos (51 oficiais, 86
cavaleiros, 21 artilheiros e 357 sargentos, furriis, cabos
e soldados). Juntaram-se-lhe 28 militares registados como
incapazes. A funo de soldado-tambor era, por regra,
desempenhada por escravos negros. Detectmos 5 negros
tambores (todos os tambores registados): Antnio dos Reis,
de 22 anos, escravo de D. Maria da Cunha; Francisco Xavier,
de 22 anos, escravo de Joo Fris de Brito; Gonalo Pereira,
de 30 anos, escravo do padre Franel Afonso da Costa; Manuel
de Jesus, de 24 anos, escravo do cabo Diogo Raposo; Toms
Dias, de 33 anos, escravo de Jos Colao da Silva.
Destacam-se ainda outros tipos de agentes. Ressalta um grupo
de 8 padres: o vigrio Matias da Cruz Rua, o provisor Pedro
Roiz e os padres Braz Joo Romeiro, Mateus Vaz, Franel
Afonso da Costa, Joo Valente da Costa, Lzaro Valente
Marreiros e Pedro Antnio Amora.
Refiram-se ainda o mdico Dr. Leandro Lopes de Macedo, o
cirurgio Amaro da Costa, o fiel dos armazns Miguel dos
Anjos, o escrivo da vedoria Manuel Gonalves Lus, o
soldado e mestre da capela Jos Joaquim de Aguiar, os
meirinhos Gaspar lvares Faleiro e Manuel Gonalves Cota e o
porteiro da sentina, o pardo Simo Marques.
3. De
Lisboa para Belm do Par. Uma cidade atravessa o Atlntico
Das 418
famlias evacuadas de Mazago para Lisboa, em 11 de Maro de
1769, embarcaram 371 para Belm do Par, em 15 de Setembro
seguinte. Este registo pode colher-se no Livro do
vencimento, pagamento que se fez na Corte, e que se deve
fazer no Gro Par s familias e mais pesas da Praa de
Mazago que se vo estabelecer nelle por ordem de Sua
Magestade.
Dada a
forma como este cdice est organizado, no nos foi possvel
apurar o nmero exacto das pessoas embarcadas nessa data,
mas, se adoptarmos uma mdia de 5 pessoas por famlia (mdia
exacta das famlias que saram de Mazago, como vimos
atrs), obtemos um total de 1855 pessoas. Temos, portanto,
cerca de duzentas pessoas de Mazago que no embarcaram
nessa data para o Par. O prprio cdice regista 29 pessoas
que chegaram a estar registadas no alardo, mas que depois,
por razes que no so explicitadas (salvo num caso em que
se escreve por falecer), so abatidas ao rol do
contingente a embarcar.
Uma
Relaam das pessoas que vieram de Mazagam e deixaram de
embarcar para o Gram Par na Expediam que se fez em 15 de
Setembro de 1769 refere 19 pessoas que no embarcaram,
mas uma outra Relaco inclui estas e acrescenta
outras num total de 36, as quais embarcariam na primeira
ocasio. So apontadas as seguintes razes: a maioria delas,
por ficarem doentes no hospital; outras, porque ficaram
presas; outras ainda, por ficarem a aguardar que os
familiares doentes ficassem curados ou por outras razes
familiares; o cirurgio Jos de Morais, de 54 anos, e sua
mulher Felcia Caetana, de 46 anos, ficaro para hirem
na primeira occazio, por se fazer preciza a sua assistencia
para cuidado dos doentes, que ficaro.
A segunda destas relaes acrescenta, no entanto, terem ido
para o Par duas famlias que para tal se ofereceram, uma de
quatro e outra de cinco pessoas.
Aos
mazaganistas destinados a irem fixar-se na Amaznia foi
atribuda uma verba, parte paga na corte, em Lisboa, parte a
pagar pela Fazenda Real no Par. A elaborao do cdice
1991, a que atrs fizemos referncia, teve como finalidade
fundamental registar essas verbas pagas e a pagar a cada um
e cujo resumo se mostra no quadro que se segue.
Quadro II
Pagamento que se fez s pessoas de Mazago, embarcadas
para o Par (ris)
-
Itens |
Na corte |
No Par |
Total |
Com tensas, alvars e moradias |
45.111.837 |
58.468.183 |
103.468.183 |
Com 46 pessoas agregadas s ditas famlias |
3.006.882,5 |
1.161.670,5 |
4.168.553 |
Com 58 pessoas que vo servir no militar |
2.744.842 |
787.016 |
3.531.858 |
Com 5 presos degredados |
107.881 |
|
107.881 |
Com as vivas, rfos e herdeiros |
10.804.608,5 |
11.694.587,5 |
22.499.196 |
Com despesas extraordinrias |
183.920 |
|
183.920 |
Totais |
61.959.971 |
72.111.457 |
134.071.428 |
Fonte: A.H.U.,
Cdice 1991 (Livro de registo do vencimento a fazer na
Corte e no Gro Par s familias de Mazago que se vo
estabelecer naquela Capitania).
Ressalta
deste quadro que a deciso rgia de levar as gentes da praa
marroquina de Mazago a irem fundar Vila Nova de Mazago, na
Amaznia, exigiu um significativo esforo financeiro logo
partida, o qual ir continuar por alguns anos, como teremos
oportunidade de ver mais adiante.
O
transporte das 1855 pessoas de Mazago, embarcadas em Lisboa
com destino ao Par, em 15 de Setembro de 1769, foi feito em
dez navios, sete de Sua Majestade e trs da Companhia Geral
do Comrcio do Gro-Par e Maranho, os quais devem ter
chegado cidade de Belm pelos meados de Novembro desse
ano. Os sete navios de Sua Majestade tinham os seguintes
nomes: So Francisco Xavier, Nossa Senhora da Glria e Santa
Ana, Nossa Senhora das Mercs, Nossa Senhora da Conceio,
So Joo, Nossa Senhora da Purificao e So Jos. Os trs
da Companhia eram: o Nossa Senhora do Cabo, o Nossa Senhora
das Mercs e o Santa Ana.
Ao
procederem conferncia das listas de passageiros de cada
navio, as autoridades do Par detectaram pessoas a menos,
num total de trinta e nove: ficaram no hospital de Lisboa
seis; o escravo preto Pedro Afonso, de 30 anos, ficou nas
gals do Tejo; morreram durante a viagem vinte e uma; Jos
Gonalves Reino e Francisco Belo no apareceram no
desembarque sem ter sido apurada qualquer justificao.
Como
atrs se viu, vrias pessoas que, por diversas razes,
ficaram em Lisboa aquando do grande embarque, deveriam
partir na primeira oportunidade, pelo que no ser descabido
calcular que, das 418 famlias e 2092 pessoas evacuadas da
praa de Mazago para Lisboa, em 11 de Maro de 1769, e at
de outras que tero sado antes, poucas tero sido as que
no foram levadas para o Par.
4.
Fundao de Vila Nova de Mazago
Os
mazaganistas iro permanecer na cidade de Belm do Par
durante alguns anos, aguardando o incio da sua instalao
nas casas que seriam construdas no stio que lhes foi
destinado e que viria a designar-se Vila Nova de Mazago,
situado na costa norte do brao esquerdo da foz do Amazonas,
a montante da vila e fortaleza de Macap, frente a Maraj (a
maior ilha fluvial do Mundo), a 50 metros de altitude (ver
mapa).
Durante
todo esse tempo, foi necessrio providenciar o seu
alojamento na cidade e garantir o seu sustento, tornando-se
imperioso ir comprar carne e outros mantimentos a outras
capitanias, nomeadamente ao Piaui, para os alimentar. O
governador e capito-general do Par e Maranho, Fernando da
Costa de Atade Teive, em carta de 18 de Setembro de 1770,
dirigida a seu tio marqus de Pombal, d-lhe conta das suas
diligncias nesse sentido, nos seguintes termos: sahindo
tres de cinco sumacas, que mandei vir o anno passado pela
primeira vez carregadas de carne sca manufacturada na Villa
da Parnayba destricto da capitania do Piauhy, para sustentar
as famlias de Mazago, foro duas em Janeiro ao Maranho
com doze dias, em quarenta Parnayba, e em cincoenta
Bahia de todos os Santos, sempre com terra vista, e a
terceira buscando a altura de nove, e meio gros, entrou no
porto da dita Bahia com quarenta, e outo dias de viagem, as
quaes se acho aqui de volta com o mesmo mantimento.
Na
verdade, a instalao das famlias de Mazago na Amaznia
exigiu um pesado esforo financeiro Fazenda Real. Em carta
de 19 de Setembro de 1770, o provedor da Fazenda do Par,
Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, dava conta ao
secretrio de estado da marinha e domnios ultramarinos,
Martinho de Melo e Castro, da emisso de 14 letras de
cmbio, no montante de 83.258.016 ris, a serem pagas em
Lisboa pelo tesoureiro do errio rgio aos administradores
da Companhia Geral do Comrcio do Par e Maranho que
emprestara essa avultada quantia para possibilitar ao
governo daquele Estado efectuar vrios pagamentos. O valor
de uma dessas letras, de 8.041.650 ris, foi despendido nas
obras de fortificao de Macap; o montante de uma outra, de
18.549.506 ris, destinou-se ao pagamento das despesas
ordinrias daquela Provedoria, entre as quais avultavam as
respeitantes fundao de Vila Nova de Mazago e ao
mantimento dos povoadores que aguardavam na cidade de Belm
a sua instalao naquele novo povoado.
Em 2 de Maro de 1771, so emitidas oito letras de cmbio,
nos mesmos termos e com idnticas finalidades, no montante
de 101.051.564 ris, e mais uma outra de 24.582.129 ris e
7/10, quantia esta que foi despendida com o segundo
pagamento que fizero s famillias de Mazago que viero por
ordem de Sua Magestade estabelecer-se neste Estado.
Nos
finais de 1772, trabalhavam nas obras de Mazago mais de
duas centenas de pessoas. Conforme se pode ver pela relao
assinada pelos responsveis Manuel Gama Lobo e Marcos Jos
Monteiro de Carvalho, datada de 18 de Dezembro de 1772,
estavam adstritos s obras de Mazago 14 militares, 3
agentes da Fazenda Real e 202 operrios e trabalhadores
indiferenciados, num total de 219 pessoas, como mostra o
quadro III.
Quadro III
Relao das pessoas empregadas nas obras da vila de
Mazago, em 18 de Dezembro de 1772
-
Funes |
Nmero |
Ajudante de infantaria com exerccio de engenheiro |
1 |
Cabo de esquadra destacado |
1 |
Soldados destacados |
12 |
Provedor comissrio |
1 |
Escrivo da Fazenda e do ponto |
1 |
Depositrio |
1 |
Carpinteiros |
40 |
Pedreiros |
14 |
Ferreiros |
2 |
Serradores |
16 |
Carriadores |
3 |
Trabalhadores |
122 |
ndias |
5 |
Total |
219 |
Fonte: A.H.U., Par,
5 de Janeiro de 1773.
Nos
princpios de 1773, os trabalhos da edificao de Mazago
estavam em bom andamento, mas apresentavam-se ainda muito
longe de ficar concludos. Em carta de 5 de Janeiro desse
ano, o governador e capito-general do Par e Maranho, Joo
Pereira Caldas, d conta ao secretrio de estado da marinha
e domnios ultramarinos, Martinho de Melo e Castro do
estado actual daquelle Estabelecimento e informa-o que
a fundao dessa vila tem obrigado, e obrigar ainda a
despeza grande da Fazenda Real, faltando a fazer ha
quantidade de moradas de cazas para prehencher-se o nmero
de quinhentas, ou mais, que se precizo, para accomodar toda
a gente, pois ainda aqui [em Belm] esto duas partes
della, que em alugueres de cazas, sustento, e Hospital,
motivo outro desembolso desproporcionado aos rendimentos do
Estado, e aos socorros, que a elle se destino; havendo mais
a despeza dos transportes, e a de continuar por hum anno, o
sustento s familias, que alli se vo estabelecendo, que
tudo com as condues de mantimentos, e generos, que daqui
he necessario remetter, faz maior o desembolso.
Ficamos
assim a saber que o projecto da fundao de Vila Nova de
Mazago apontava para a construo de mais de 500 casas e
que s uma parte delas estava concluda. Com efeito,
mostra-nos uma outra passagem do referido documento que as
primeiras 134 casas projectadas estavam no seguinte estado:
56 estavam concludas; 36 estavam feitas, mas faltava serem
caiadas; 25 no estavam ainda rebocadas nem caiadas; 17
tinham sido principiadas.
Nesta
mesma carta, o governador alerta para a exorbitncia das
despesas com a instalao das famlias vindas da praa
marroquina de Mazago, chegando mesmo a sugerir ao rei que
se lhes desse liberdade de se fixarem por sua conta em
qualquer outra parte da capitania, dando-se-lhes a terras
de sesmarias. Ilustremos com as suas prprias palavras:
se a Sua Megestade parecesse conveniente, se poderia
facelitar a esta gente a liberdade de se estabelecer, a que
quizesse, por onde, dentro da Capitania, mais commodidade
lhe fizesse, evitandose assim maiores despezas quando o
Estado fica sempre conservando aquelles Povoadores, posto
que em taes termos, menos uteis defeno, e forteficao
da Praa, e Barreira de Macap.
A ltima
parte da passagem da carta do governador, que acabmos de
ver, sugere-nos quais eram os reais objectivos do rei, ao
decidir fixar os mazaganistas naquele ponto estratgico, no
contexto da reorganizao do sistema de defesa da Amaznia.
De facto, quando em 1753 o gabinete josefino decidiu criar
dois regimentos militares no Par, formados por cerca de
1200 homens, instalou um na cidade de Belm para garantir a
defesa da capital daquele Estado e impedir a penetrao de
possveis invasores pelo brao direito da foz do Amazonas e,
o outro, sediou-o na recm-criada vila estratgica de
Macap, cuja fortaleza viria a ser reformada e reforada,
por forma a controlar a circulao da navegao e a
assegurar a defesa do brao esquerdo da foz daquele grande
rio, em eventuais tentativas de penetrao nos territrios
amaznicos por parte de foras inimigas.
Na
concepo geral de defesa da Amaznia, o tampo defensivo da
passagem estratgica do brao esquerdo da foz do Amazonas
deveria assentar no povoamento tripolarizado nas vilas de
Macap, Vila Vistosa e Vila Nova de Mazago. Naturalmente,
no pensamento do rei e do seu gabinete, que povoadores mais
adequados fundao desta ltima vila que as gentes da
praa marroquina de Mazago, habituadas a lidar com
situaes de guerra? E porque em tais famlias abundavam os
soldados, isso facilitaria o recrutamento de gente
especializada na guerra. Iremos encontrar muitos destes
soldados mazaganistas incorporados no regimento de Macap.
A viagem
de barco entre Macap e Vila Vistosa e entre Macap e
Mazago demorava couza de quatorze horas ou, como
se diz noutro documento, couza de huma mar; porm agoa
abaixo, ordinariamente mais se gasta, pelo embarao do
contrario vento de proa.
Claro
que, a par da ligao fluvial entre estas trs vilas, havia
todo o interesse em estabelecer tambm a ligao por terra.
Porm, as condies fsicas do terreno impossibilitaram tais
intentos. Isso mesmo explicita o governador do Par, em
carta a Martinho de Melo e Castro, nos seguintes termos:
Tenho feito as maiores deligencias por estabelecer ha
communicao por terra, entre estas tres Povoaoens, de
Mazago, Villa Vistosa e Macap; porem nos repetidos exames,
que ja se havio praticado antes da minha vezita, se
reconheceo impraticavel este intento, pelos grandes lagos, e
pantanos, que se encontro, e totalmente difficulto o
pertendido caminho; e assim no ha mais remedio, que
recorrer ao da agoa, ainda que menos vantajozo, para se
socorrer o Macapa, em cazo de ataque: E tambem isto no
facilita tanto o exercitaremse unidos os dous Crpos
Auxiliares, de cavallaria do Macap, e de Infantaria de
Mazago, em qualidade de Tropas ligeiras, como Sua Magestade
me tem ordenado; porem ainda que menos vezes se uno, e que
separadamente se exercitem, nos seus respectivos districtos,
assim mesmo sero muito uteis, e proveitozos, logo que se
conseguir a sua regulao, e desciplina na forma, que tenho
projectado.
Segundo
o Mappa de todos os Habitantes, e Fogos que existiam na
Freguesia de Nossa Senhora da Assuno de Mazago,
ao 1 de Julho de 1773, as pessoas ento ali instaladas
podem captar-se perfeitamente pela forma como procurmos
organizar o quadro IV.
Quadro IV
Relao dos habitantes dos 141 fogos existentes na vila
de Mazago, em 1 de Julho de 1773.
-
Designao dos grupos de pessoas |
Nmero |
Crianas livres do sexo masculino at 7 anos |
42 |
Rapazes livres de 7 a 15 anos |
42 |
Homens livres de 15 a 60 anos |
128 |
Velhos livres de 60 a 90 anos |
10 |
Crianas livres do sexo feminino at 7 anos |
34 |
Raparigas livres de 7 a 14 anos |
41 |
Mulheres livres de 14 a 50 anos |
102 |
Velhas livres de 50 a 90 anos |
29 |
Subtotal |
428 |
Crianas escravas do sexo masculino at 7 anos |
5 |
Rapazes escravos de 7 a 15 anos |
6 |
Homens escravos de 15 a 60 anos |
51 |
Crianas escravas do sexo feminino at 7 anos |
10 |
Raparigas escravas de 7 a 14 anos |
5 |
Mulheres escravas de 14 a 50 anos |
37 |
Velhas escravas de 50 a 90 anos |
1 |
Subtotal |
115 |
Total |
543 |
Fonte:
A.H.U., Par, mapa anexo carta e relao do
governador Joo Pereira Caldas, de 8 de Novembro de 1773.
De 1 de
Julho at princpios de Novembro de 1773, seguiram da cidade
de Belm para Mazago mais 35 famlias e quatro pessoas
isoladas (o padre Diogo Dias da Costa, Miguel Soares, Lucas
Fris de Abreu e Joo Pereira), num total de 292 pessoas
(227 brancos e 65 escravos). A juntar s 141 famlias atrs
referenciadas e que j l estavam, temos agora mais estas
35, o que faz com que, nesta data, a vila de Mazago passe a
ter 176 fogos e 835 pessoas. Esclarece, a propsito, o
governador que, mesmo depois do envio destas primeiras
levas, ainda nesta Cidade existe mais da ametade
daquelle numeroso Pvo.
Estes dados quantitativos confirmam o contingente atrs
referenciado de cerca de 400 famlias e 2000 pessoas vindas
da praa marroquina de Mazago para Belm do Par, em
Setembro de 1769 e de outras que tero embarcado
posteriormente.
Entre 4
de Agosto e 4 de Setembro de 1773, o governador Joo Pereira
Caldas realizou uma visita s trs povoaes que temos vindo
a referenciar, durante a qual elevou Mazago categoria de
vila, como se pode constatar pela seguinte passagem: No
mesmo Estabelecimento de Mazago fundei agora a Villa, que
Sua Magestade determinou, e lhe constitui Justias,
Posturas, e todas as providencias, que em similhantes
creaoens se costumo; no deixando de recomendar tambem
muito todo o possivel adiantamento na construo das cazas.
Nesta
mesma carta, o governador descreve-nos assim o tipo de casas
que estavam a ser construdas na nova vila de Mazago:
Este Estabelecimento sim, que leva mais solidos
fundamentos, porque as cazas ainda que de madeira, e
cobertas de palha, promettem outra durao, e vo dispostas
para receberem a telha, a todo o tempo, que lha quizerem pr
(). Porem reconheo, que por isso mesmo, que vo melhores,
gasto mais tempo, e fazem maior despesa; sendo concideravel
a que tem importado, e hade ainda importar o referido
Estabelecimento, no obstante toda a grande economia, que
nelle tenho praticado.
Vemos, assim, que a edificao das casas estava a demorar
mais tempo que o previsto, porque estavam a ser muito bem
construdas, porquanto, sendo de madeira e de momento
cobertas de palha, ficavam preparadas para poderem vir a
receber telha (ver planta das casas).
Alm dos
escravos que, como vimos, as gentes de Mazago levavam
consigo, requereram que lhes fossem fornecidos mais,
certamente para trabalharem no desbravamento das suas terras
de sesmarias e em outras tarefas. Em 7 de Abril de 1773, foi
pedida ao rei a introduo de hum competente
fornecimento de Negros por conta da Sua Real Fazenda,
para satisfazer as necessidades dos povoadores e para os
servios reais das obras da fortaleza de Macap e da vila de
Mazago.
Mais de
quatro anos aps a sua chegada a Belm do Par, as ainda
numerosas famlias de Mazago a existentes (mais de metade,
segundo as contas do governador) continuavam a ser um peso
para as finanas pblicas, nomeadamente com o pagamento do
alojamento e da alimentao. Em carta datada de 2 de Maro
de 1774, o governador daquele Estado expe as suas
preocupaes a esse respeito s autoridades do Reino, dando
conta das suas diligncias no sentido de moralizar e de pr
ordem nesses gastos (algumas pessoas estavam j a trabalhar
na cidade e, obviamente, a serem pagas por isso) para,
segundo as suas palavras, evitar o prejuizo. que sentia
a Real Fazenda na desordem, que aqui observei com as
accomodaoens das Familias de Mazago, que ainda existia
nesta cidade, e com as raoens de mantimento, que
diariamente percebem, em conformidade das Reaes Ordens.
Entretanto, a construo das casas na nova vila de Mazago,
embora a ritmo mais lento que o desejvel, vai continuando,
a correspondente transferncia de famlias vai-se
processando e a situao na cidade de Belm vai
descomprimindo.
Com efeito, durante o ano de 1774, foram transferidas mais
51 famlias, num total de 265 pessoas (227 livres e 38
escravos).
Contudo,
adverte o governador na carta que acompanha a relao das
referidas 51 famlias, enviada ao secretrio de estado da
marinha e domnios ultramarinos, Martinho de Melo e Castro,
que sem embargo de que eu cuido efficasmente em ir para
l passando toda esta gente, no he possivel, que se consiga
sem tempo proporcionado construo de tantas cazas, e com
aquella brevidade, que o meu dezejo me inspira, em benefcio
da Real Fazenda, poupando-se a despeza, que lhe motiva a no
pequena poro das mesmas Famlias, que ainda aqui existem.
Nos
princpios de 1775, a maior parte das famlias estava j
instalada em Mazago e, durante esse ano, sero transferidas
mais 78, num total de 368 indivduos (278 brancos e 90
escravos).
Algumas das famlias e pessoas mazaganistas tinham j
estabilizado a sua vida em Belm, tinham-se habituado ao
bulcio da cidade e pretendiam fixar-se nela. Como atrs se
viu, muitas delas estavam a trabalhar e a ganhar a vida,
embora de forma clandestina, por forma a continuarem a
receber as benesses estatais, e iro requerer ao governador
que as autorize a ficarem na cidade de Belm, alegando as
suas razes particulares. No eram essas, porm, as ordens
reais. Face a esta situao, o governador Joo Pereira
Caldas determinar que, a partir de 5 de Maro de 1776,
se fao absolutamente suspender todas as assistencias de
Cazas, de Raoens, e de Hospital, que ainda estiverem
percebendo quaesquer das referidas Familias; e que sem que
por isso nenhuma fique dezobrigada de embarcar-se para o
mesmo novo Estabelecimento, logo que assim se determinar, s
ento percebero os costumados e competentes secorros de
ferramentas, de mantimento para a viagem, e da rao do anno
de farinha, que as Reais Ordens determino.
A partir
de 1775, as famlias mazaganistas estantes na cidade de
Belm a aguardar a sua transferncia para a nova vila de
Mazago so j bastante menos do que aquelas que ali se
instalaram. No temos qualquer informao de, durante o ano
de 1776, ter ido qualquer famlia e, em 5 de Abril de 1777,
vo quatro, num total de 14 pessoas.
No prembulo da relao desta pequena leva pode ler-se que
das poucas famlias da extinta Praa de Mazago, que j
resto nesta Cidade, se passaro mais para o nvo
Estabelecimento daquelle nome, as que consto da relao
incluza; e no mesmo Estabelecimento se vai continuando a
trabalhar nas Cazas, que ainda se precizo para a acomodao
de todas.
O
cruzamento dos dados contidos em dois cdices do Arquivo
Histrico Ultramarino permite-nos captar a globalidade das
pessoas evacuadas da extinta praa marroquina de Mazago e
transportadas para o Par, porque um d-nos as famlias e
pessoas que j estavam fixadas na vila de Mazago e o outro
as que permaneciam ainda na cidade de Belm.
Ressalve-se, naturalmente, as que entretanto faleceram, as
que nasceram e o nmero de escravos. Vejamos o quadro que se
segue:
Quadro V
Relao das famlias e pessoas mazaganistas j
estabelecidas em Vila Nova de Mazago e as ainda existentes
na cidade de Belm a aguardar transporte, em Dezembro de
1778
-
Itens |
Famlias |
Pessoas |
Nmero de famlias |
371 |
|
Pessoas livres do sexo masculino |
|
728 |
Pessoas livres do sexo feminino |
|
642 |
Escravos de ambos os sexos |
|
405 |
Subtotal |
371 |
1755 |
Famlias livres ainda na cidade |
159 |
|
Pessoas livres do sexo masculino |
|
212 |
Pessoas livres do sexo feminino |
|
203 |
Escravos de ambos os sexos |
|
188 |
Subtotal |
159 |
603 |
Total |
530 |
2378 |
Fontes: A.H.U.,
Cdice 1790 (Rellao de todas as Famillias, e Pessas
de Mazago, que existem ainda sem serem transportadas Vila
da mesma denominao, para onde h determinado o seu
destino); Cdice 1257 (Relao dos Mazaganistas
extabelecidos na Villa nova de Mazago e suas vezinhanas,
com huma particular e individual informao relativa a cada
Familia, em 31 de Dezembro de 1778).
O cdice
1257 d-nos a Relao dos Mazaganistas estabelecidos na
Villa Nova de Mazago e suas vezinhanas, com huma
particular e individual informao relativa a cada Familia,
elaborada por Manuel da Gama Lobo de Almada, governador do
Macap, datada de 31 de Dezembro de 1778. Por ele se v que,
nesta data, estavam instaladas na nova vila de Mazago 371
famlias, num total de 1775 pessoas (1370 livres e 405
escravos).
Continuava-se, porm, a construir as casas (ver planta de
cerca de 1830) que faltavam para acolher as 159 famlias que
ainda permaneciam na cidade de Belm.
Pelo
cdice 1790, datado de 1 de Dezembro de 1778, podemos ver
que 159 famlias, num total de 603 pessoas (415 livres e 188
escravos), estavam ainda na cidade de Belm: destas, 149
famlias e 518 pessoas estavam ainda na cidade de Belm a
aguardar transporte para a nova vila de Mazago; 4 famlias,
perfazendo 26 pessoas (15 livres e 11 escravos), estavam
nomeadas para se transportarem referida vila e, tendo j
recebido as ferramentas e as raes que lhes competiam,
permaneciam na cidade, com autorizao do governador; 6
famlias, num total de 59 indivduos (33 livres e 26
escravos), tinha-lhes sido indicado instalarem-se na
Estrada que se encaminha vila de Ourem, por ordem do
governador do Par.
Da
compilao destes dados quantitativos se pode concluir que,
das famlias e pessoas evacuadas da praa marroquina de
Mazago (em 11 de Maro de 1769 e antes desta data), tero
sido poucas as que no foram levadas para o Par e, destas,
quase todas acabaram por se fixar em Vila Nova de Mazago.
O exame
dos dois referidos cdices permite-nos constatar que as
famlias mazaganistas tm agora muito mais escravos do que
tinham em Marrocos, e que, se alguns esto totalmente pagos,
muitos outros esto por pagar, no todo ou em parte.
Estes dois cdices, para alm do nmero de pessoas de cada
famlia, seus nomes e parentesco em relao ao cabea de
casal, estado civil, nmero e qualidade dos seus escravos e
se estavam totalmente pagos ou qual o montante em dvida,
fornecem-nos importantssimos elementos econmicos,
sociolgicos e caracterolgicos relativamente aos membros de
cada famlia, nomeadamente traos de comportamento e de
carcter, estatuto social, modos de vida, exteriorizao de
riqueza e situaes de dificuldade ou de pobreza. O inegvel
valor histrico destes cdices e o enorme interesse no
devido tratamento destes dados no se compadece com o mbito
deste artigo, pelo que nosso propsito retomar este estudo
e proceder publicao destas fontes, numa publicao de
outro tipo.
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