Mas, para
alm deste sentido de cruzada que, certamente, nunca
deixou de estar presente e de pesar nas anlises polticas
e nas decises rgias , deve ver-se este interesse pelo
Magreb, como um olhar para uma zona fundamental para o
controlo de um espao martimo, volta do qual crescera a
civilizao europeia, e onde continuava a circular uma boa
parte da seiva de que se alimentava o velho continente.
conquista de Ceuta,
seguiram-se as de Alccer Ceguer, e Arzila, levando
entrega de Tnger sem luta e ao estabelecimento de uma
trgua assinada em 1471. Nos anos que se seguiram, a zona
de influncia dos portugueses cresceu para sul, criando-se
uma espcie de protectorado sobre as vilas de Safim e
Azamor e levando at que D. Joo II tentasse erguer uma
fortaleza sobre o rio de Larache, cerca de15 quilmetros
para o interior entre Alccer Quibir e o mar. claro que
o Sulto de Fez bloqueou o acesso dos portugueses e
obrigou sua retirada, que foi aceite pelo Prncipe
Perfeito sem grande oposio. Dominava-se o mar e
conseguia-se um comrcio pacfico com alguns dos portos da
costa ocidental do Norte de frica (cujas populaes
pediam a proteco portuguesa contra a violncia da guerra
civil que assolava o reino de Fez), mas o rei achava
inoportuno sujeitar o pas a um esforo de guerra de
conquista, quando tinha outros objectivos ultramarinos.
Todavia, na sia Menor crescia o imprio turco que em 1453
j conquistara Constantinopla e estendia os seus
tentculos para ocidente, ao longo do Mediterrneo. A 23
de Maio de 1480 conquistaram Otranto, na Pennsula
Itlica, perigosamente perto de Roma, dominando o
Mediterrneo central. Veneza era especialmente afectada,
porque o local permite o controlo da entrada do Adritico,
mas todo o movimento martimo mediterrnico era ameaado
por esta conquista, que no deixava insensveis as
autoridades portuguesas (estava-se no final do reinado de
Afonso V) por variadssimas razes que importa referir: a
primeira delas prende-se com a importncia que o comrcio
entre o Mediterrneo e o Norte da Europa continuava a ter
para Portugal; outra tem a ver com o efeito que o avano
para ocidente de uma potncia militar islmica vai
provocar no equilbrio de foras entre o Norte de frica,
o reino de Granada, a Espanha dos reis catlicos e
Portugal; e outra ainda tem a ver com a questo religiosa
em si, no apenas porque que a antinomia entre Islo e
Cristianismo era especialmente aguda, mas ainda porque a
proclamao da cruzada criava um vnculo especial entre os
reis e o Papa: se por um lado tiravam vantagens econmicas
dos bens da igreja, por outro, viam-se obrigados a dar
combate aos infiis.
Em 8 de Abril de 1481, a bula
Cogimur iubente altssimo proclamava a cruzada contra os
turcos, e Portugal preparou uma esquadra de 20 velas, que
partiu para o Mediterrneo comandada pelo bispo de vora,
D. Garcia de Meneses. Otranto foi abandonada (sem que os
portugueses chegassem a combater) quando os seus ocupantes
foram surpreendidos pela notcia da morte sbita do
Sulto, vtima de peste, mas a ameaa permanecia latente.
Naturalmente que o poder naval
otomano era crescente, correspondendo ascenso de um
imprio que dominou os Balcs e chegou s portas de Viena,
de forma que a hiptese de confronto no tardaria a
repetir-se. Em 1501 a Senhoria de Veneza enviava ao Papa
um pedido desesperado de ajuda para que os soberanos
cristos a ajudassem na guerra naval contra os turcos.
Nessa altura, D. Manuel preparava-se para ir pessoalmente
ao Norte de frica frente de uma expedio militar, de
forma que resolveu reencaminhar essas tropas para dar
ajuda aos italianos numa guerra que, mais uma vez, assumia
os foros de cruzada. mandou el Rei que tomassem da armada
que tinha prestes para sua passagem [para a sua ida ao
Norte de frica], trinta naus, navios e caravelas, dos
melhor equipados e artilhados, diz-nos Damio de Gis, na
sua Crnica de D. Manuel. O comando foi dado a D. Joo de
Menezes figura notvel da guerra no Norte de frica,
neto do primeiro governador de Ceuta e, para alm dos
trinta navios e cerca de 3500 homens, a esquadra foi-lhe
acrescentada com um Regimento secreto (s revelvel quando
toda a gente estivesse embarcada) e meios adicionais para
conquistar Mers el Kibir, um local fortificado sobre a
baa de Oro, cidade que D. Manuel queria que fosse
ocupada. Os ventos contrrios obrigaram os navios a
bordejar durante trs dias vista do porto, permitindo o
reforo da praa e uma resistncia inesperada, mas
importante notar que este tipo de operao (uma operao
anfbia em que o poder ofensivo assenta na fora dos
navios, com tropas que desembarcam) foi paradigmtica e
repetiu-se com sucesso em mltiplas outras situaes de
que falaremos mais tarde.
J. Semedo |