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O começo e
o fim da questão acreana
Em 1895
foi nomeada uma comissão demarcatória encarregada de definir os
limites entre Brasil e Bolívia de acordo com o estabelecido no
Tratado de Ayacucho, de 1867. O chefe da delegação brasileira, o
coronel Thaumaturgo de Azevedo, ao constatar a latitude da
nascente do Javari, ponto inicial da linha divisória entre os
dois países, percebeu que ficaria com a Bolívia uma grande
região rica em látex, quase totalmente ocupada por brasileiros.
Thaumaturgo de Azevedo denunciou ao governo federal o prejuízo
daí decorrente, já que o Brasil perderia o alto rio Acre, quase
todo o Iaco e o Alto Purus. Infelizmente o ministro brasileiro
não aceitou os argumentos do coronel, que contrariado demitiu-se
e denunciou o grave erro da diplomacia brasileira na imprensa,
dando origem a uma intensa polêmica que mobilizou a opinião
pública nacional.
Foi
então nomeado como novo comissário, o capitão-tenente Cunha
Gomes, que cumpriu literalmente as ordens da chancelaria
brasileira, reconhecendo os limites estabelecidos pelo Tratado.
A Primeira
Expedição boliviana
Reconhecida legalmente a fronteira Brasil-Bolívia, o governo
boliviano enviou para o Alto Acre uma expedição militar composta
por 30 praças, comandada pelo Major Benigno Gamarra. A precária
situação econômica da Bolívia fez com que o Piquete Gamarra
passasse inúmeras dificuldades, inclusive de alimentação. Apesar
disso, em 12 de setembro de 1898, o Piquete conseguiu chegar ao
seringal Carmen, dirigindo-se logo depois à vila de Xapuri, onde
anunciou que fundaria uma delegação nacional. Insatisfeitos com
a nova situação, alguns brasileiros, tendo à frente o coronel da
Guarda Nacional Manuel Felício Maciel, intimaram os bolivianos
para que se retirassem imediatamente dali, o que acabou
ocorrendo no dia 30 de novembro de 1898.
Os Cem
dias de Paravicini
Nova
investida boliviana acon-teceu logo no início do ano seguinte.
Em 2 de janeiro de 1899 chegou ao Acre, por via fluvial vindo de
Manaus, com a concordância do governo brasileiro, o ministro
plenipotenciário boliviano, Dom José Paravicini. Ele
efetivamente instalou uma aduana e um povoado denominado Puerto
Alonso (homenagem ao então Presidente da Bolívia Severo
Fernandez Alonso) em terras do Seringal Caquetá, pouco acima da
famosa Linha Cunha Gomes. Paravicini exerceu sua autoridade de
forma rígida e baixou sucessivos decretos, dentre os quais, o
polêmico ato de abertura dos rios amazônicos ao comércio
internacional, que feria profundamente a soberania brasileira.
Alem disso, passou a arrecadar grandes somas com os impostos
sobre a borracha, a exigir a imediata demarcação dos seringais e
a conseqüente regularização das propriedades, até então
registradas no estado do Amazonas, causando temor aos habitantes
dos altos rios acreanos.
A
revolta começava a tomar corpo entre seringalistas e
seringueiros brasileiros que não se conformavam em ter que
obedecer à autoridades estrangeiras. Enquanto isso
multiplicavam-se as denúncias de violências cometidas contra
brasileiros que se sentiam cada vez mais ameaçados em seus
direitos. Com a partida do ministro boliviano para Belém, depois
dos chamados "Cem dias de Paravicini", os acreanos decidiram se
unir para lutar contra a dominação boliviana.
Insurreição Acreana
Em 1º
de maio de 1899 alguns seringalistas reunidos no seringal Bom
Destino, de Joaquim Vitor, sob a liderança do jornalista José
Carvalho, decidiram que era chegada a hora de expulsar o
delegado boliviano Moisés Santivanez. Este havia substituído
Paravicini no comando de Puerto Alonso. Intimadas a partir do
Acre, as autoridades bolivianas em evidente inferioridade
numérica e militar não resistiram ao movimento revolucionário e
partiram para Manaus. Mesmo sem o disparo de um tiro, estava
iniciada oficialmente a Revolução Acreana com a assinatura de um
manifesto por mais de 60 proprietários de seringais e outros
profissionais que atuavam nesta região. Para dar direção ao
movimento foi estabelecida uma Junta Central Revolucionária.
Pouco tempo depois, José Carvalho retornou para Manaus doente de
impaludismo.
A denúncia
de Galvez
Luis
Galvez, então repórter em Belém, descobriu e denunciou nos
jornais paraenses (03/06/1899) a existência de um acordo secreto
estabelecido preliminarmente entre diplomatas da Bolívia e dos
Estados Unidos da América que formalizava uma aliança entre os
dois países. Por esse acordo, em caso de guerra entre o Brasil e
a Bolívia pelo domínio do Acre, os Estados Unidos apoiariam
militarmente a Bolívia. A revelação desse acordo preliminar
chocou a opinião pública brasileira, apesar (03/06/1899) das
autoridades bolivianas e norte-americanas negarem veementemente
as denúncias veiculadas pelos jornais.
Estado
Independente do Acre
Depois
de intensas negociações realizadas em Manaus, Galvez viajou ao
Acre com patrocínio do governo do Amazonas. De seu encontro com
os seringalistas da Junta Revolucionária surgiu a intenção de se
fundar o Estado Independente do Acre, já que o governo
brasileiro continuava reconhecendo os direitos bolivianos sobre
a região. Em 14 de julho de 1899 (data escolhida propositalmente
por se tratar do aniversário da Queda da Bastilha, evento que
marcou o início da Revolução Francesa), foi criado o Estado
Independente do Acre, com capital na Cidade do Acre (como passou
a ser chamada Puerto Alonso). Luis Galvez foi escolhido, por
aclamação, como presidente do novo país, e logo começou a
organizar internamente o Acre e a expedir inúmeras
correspondências a diversos países da Europa e da América, a fim
de obter o reconhecimento internacional.
A
legislação que Galvez elaborou organizava a existência do novo
país em seus diversos aspectos, desde a saúde até a educação,
passando pelas forças armadas. Porém, uma parte dessas leis,
bastante avançadas para a época, prejudicava os interesses de
alguns seringalistas, mas principalmente de aviadores e
exportadores de Manaus e Belém.
Com o
acirramento da oposição, Galvez foi deposto em 28 de dezembro de
1899 pelo seringalista Antônio de Souza Braga, que assumiu a
presidência do Acre. Diante das dificuldades encontradas, Braga
não conseguiu equilibrar a situação acreana e chamou Galvez para
reassumir o cargo em 30 de janeiro de 1900. A partir desses
acontecimentos e da enorme polêmica nacional que se tornou a
questão acreana, o governo federal mandou para o Acre uma força
tarefa da marinha brasileira para destituir Galvez e devolver o
Acre ao domínio boliviano, o que aconteceu em 15 de março de
1900, sem nenhuma resistência por parte dos revolucionários.
Expedição
dos Poetas
O
governo boliviano reassumiu o controle do Acre ocupando
militarmente diversas localidades. O governo do Amazonas, com o
firme objetivo de anexar o Acre ao seu estado, financiou uma
expedição armada. Porém, a Expedição Floriano Peixoto, como era
oficialmente chamada, foi composta por boêmios e profissionais
liberais de Manaus, sem nenhuma experiência militar.
O
combate entre a Expedição dos Poetas – nome mais popular da
iniciativa – e o exército boliviano aconteceu em 29 de dezembro
de 1900, em Puerto Alonso, com a derrota dos poetas. Os boêmios
voltaram corridos para Manaus.
O Bolivian
Syndicate
Finalmente, depois de tantos boatos e denúncias, em 11 de julho
de 1901 foi assinado pela Bolívia o contrato de arrendamento do
Acre com um sindicato formado por capitalistas norte-americanos
e ingleses. Logo depois chegou ao Acre D. Lino Romero,
autoridade boliviana encarregada de preparar o Acre para o
estabelecimento do Bolivian Syndicate, que estava previsto para
ser instalado em 02 de abril de 1902. Essa notícia repercutiu
como uma bomba junto à opinião pública e aos meios políticos
nacionais. O Bolivian Syndicate representava uma ameaça concreta
e grave à soberania brasileira sobre a Amazônia. Isso forçou o
governo federal a finalmente se posicionar na questão acreana,
impedindo a efetiva instalação dessa Companhia Comercial. A
manobra impediu que o imperialismo norte-americano assumisse o
controle territorial (e militar inclusive) de uma das regiões
mais ricas da Amazônia.
Revolução
Acreana
Diante
dos fracassos anteriores e da indecisão do governo federal, os
seringalistas, insatisfeitos com a dominação boliviana e
temerosos das conseqüências do Bolivian Syndicate, articularam
uma nova revolta. Outra vez receberam financiamento do governo
do Amazonas, para cujo comando foi convidado um homem com
experiência militar. Plácido de Castro, ao assumir a revolução
preparou um exército de seringueiros (embora os oficiais fossem
todos seringalistas) e começou a luta em 6 de agosto de 1902, em
Xapuri.
A
guerra entre o exército acreano e as forças regulares bolivianas
foi dura e passou por momentos sangrentos, durando até 24 de
janeiro de 1903, quando foi tomada Puerto Alonso, transformada
então em Porto Acre. Mais uma vez foi declarado o Estado
Independente do Acre, embora o objetivo final dos acreanos
continuasse sendo obter a anexação do Acre ao Brasil.
Tratado de
Petrópolis
A
mudança na presidência brasileira foi marcada por uma nova
postura do governo brasileiro em relação ao Acre. Enquanto
Campos Sales (1898/1902) não quis envolver a problemática
república brasileira na questão acreana, o novo Presidente
Rodrigues Alves (1902/1906) estabeleceu uma política oposta. Rio
Branco, nomeado ministro das Relações Exteriores, iniciou as
negociações com a Bolívia. As questões foram resolvidas com o
estabelecimento do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de
1903.
Com
isso o Acre passou a fazer parte do Brasil, restando ainda o
problema com o Peru, que só seria definitivamente resolvido em 8
de setembro de 1909, com a assinatura do Tratado do Rio de
Janeiro.
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