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A
Revoluo Pernambucana de
1817
O movimento
revolucionrio em Pernambuco irrompeu a 6 de maro, quando
as tropas luso-brasileiras j haviam ocupado
Montevidu (20 de janeiro), com a expulso dos
guerrilheiros de Artigas, enquistados na capitania de So
Pedro do Rio Grande do Sul, nas operaes de limpeza em So
Borja, Ibicora e Carumb, e subseqente invaso da Banda
Oriental, levando os adversrios de vencida em ndia Muerta
e Cataln, embora tudo isso significasse o preldio de uma
guerra que se vai arrastar sem soluo definitiva, mesmo
depois da criao da Provncia Cisplatina (31 de julho de
1821).
As causas da
revoluo pernambucana podem ser definidas como um protesto
do Norte contra a hegemonia do Sul. Pernambuco no se
acomodar facilmente condio de "colnia do Estado irmo
mais moo", nas palavras de Handelmann, em sua Histria do
Brasil, remetendo obrigatoriamente para a manuteno da
corte uma boa parte de suas rendas, o que alis acontecia
com todas as demais capitanias. Os habitantes do Recife -
para citar um s exemplo - pagavam um imposto mensal
destinado iluminao pblica do Rio de Janeiro. Da o
cime de Pernambuco, diante da soma enorme de benefcios que
tornariam a regio fluminense a mais favorecida de todas, no
perodo joanino, em detrimento das mais distantes, no
conjunto inorgnico que era o Brasil daquele tempo.
Em
Pernambuco, as aspiraes de autonomia reaparecem num
perodo de retrao econmica ocasionada pela baixa do preo
do acar e pela brusca supresso das exportaes de
algodo, era conseqncia dos acordos com a Gr-Bretanha. As
operaes no Rio da Prata impunham, alm do mais, a cobrana
de novos tributos sobre as receitas alfandegrias, a fim de
custear as despesas com o corpo expedicionrio. A Pernambuco
pouco se lhe dava que fosse ou no incorporado o territrio
da Banda Oriental ao imprio luso-brasileiro. Da a
conspirao que encontrou campo favorvel nas antigas
diferenas entre reinis e mazombos.
Sob
orientao clerical, o movimento deveria ter incio no
domingo da Pscoa (coincidente em
1817
com o ms de abril), comemorando-se a ressurreio de Cristo
com a da ptria. No entanto, uma rixa de quartel, que
culminou com o assassino de dois oficiais superiores, ambos
portugueses, antecipou a deflagrao. A repblica
pernambucana no teria durao maior do que 75 dias. O conde
dos Arcos enviou duas expedies militares a Pernambuco, uma
naval e outra terrestre, "com uma presteza que no era de
esperar na ndole portuguesa", segundo o relatrio do cnsul
Maler ao governo francs.
Pelos
seus clculos, concentraram-se em Pernambuco cerca de 8 mil
homens para debelar a revoluo, que teve no padre Joo
Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro o seu grande heri.
Com uma
espingarda e um saco contendo o arquivo da repblica aos
ombros, o padre Joo Ribeiro acompanhou, descalo, a
retirada do exrcito rebelde at o engenho Paulista, onde
foi
decidida a debandada. Dirigiu-se em seguida igreja e ali
queimou os papis que poderiam comprometer os seus
companheiros, suicidando-se junto ao altar-mor. Remetidos
para a Bahia, foram executados Domingos Jos Martins, Jos
Lus de Mendona e o padre Miguelinho. No Recife, tiveram o
mesmo fim. Antnio Henriques, Domingos Teotnio Jorge, Jos
de Barros Lima (o Leo Coroado) e o padre Pedro de Sousa
Tenrio E os da Paraba: Jos Peregrino de Carvalho, Amaro
Gomes da Silva Coutinho, Francisco Jos da Silveira, Incio
Leopoldo de Albuquerque Maranho e o padre Antnio Pereira
de Albuquerque. A cabea do padre Joo Ribeiro, decepada,
foi
exposta no pelourinho da cidade irredenta.
CONSPASSO DE
ESPERA
A corte festejou com foguetes, repiques de sino e luminrias
a notcia da derrocada da revoluo pernambucana. Vitorioso
no Sul e Norte, consolidadas as posies militares no Rio da
Prata e extinto o movimento sedicioso em Pernambuco, D. Joo
protelou mais uma vez a cerimnia da sua aclamao. A morte
da rainha, aos 81 anos (20 de maro de 1816), ocorrera num
dos instantes mais agudos da crise platina. D. Joo parecia
no ter pressa. Antes de ser aclamado rei de
Portugal,
Brasil e Algarves, reclamava sua ateno e vigilncia
assunto mais srio do que festas, o problema de conter a
presso inglesa, agora de parceria com a Espanha, no sentido
do regresso imediato da famlia real e de uma composio
amigvel com Fernando VII, de novo reposto no trono da
Espanha, aliado tambm da Rssia, que se dispunha a
fornecer-lhe todos os recursos, em armas e soldados, para
uma expedio vingadora na Amrica do Sul.
Estavam de
cima os janeiristas, isto , aqueles que, com o conde da
Barca frente, eram pela continuao da corte no Rio de
Janeiro. D. Joo procurava compor-se com Fernando VII,
estabelecendo uma dupla aliana com os Bourbons da Espanha,
atravs do casamento simultneo das princesas Maria Isabel e
Maria Francisca, a primeira com o prprio rei e a segunda
com o herdeiro presuntivo, prncipe D. Carlos Maria Isidro,
que seguiriam para Madrid ao mesmo tempo em que chegavam ao
Rio de Janeiro as primeiras levas de soldados portugueses,
veteranos da guerra peninsular, que haviam sido requisitados
para o policiamento da fronteira sulina.
A aliana
entre a casa de Bragana e a dos Habsburgos seria outro
golpe estratgico de D. Joo, em meio aos fogos cruzados das
potncias europias, no s da Gr-Bretanha, Espanha e
Rssia, como tambm da Frana , contra a sua poltica de
anexao da Banda Oriental. J o ensaiara em 1814, mas sem
xito, nas sondagens sobre a possibilidade do casamento da
infanta D. Isabel Maria com o prncipe imperial da ustria,
Ferdinando, herdeiro do trono.
Em 1816, voltar a insistir, e de modo espetacular,
renovando no apenas a sugesto anterior, como propondo os
consrcios do prncipe herdeiro de
Portugal
e do Brasil com uma das filhas de Francisco I e da princesa
D. Maria Teresa, e da viva do infante espanhol D. Pedro
Carlos, com o gro-duque da Toscana, irmo do imperador da
ustria,. com respeito a D. Pedro, que contava apenas 18
anos, o pai havia recusado duas propostas: do duque da
Calbria e da rainha da Etrria. Falou-se ainda nas
vantagens de casar o prncipe herdeiro com a princesa Ana,
irm do czar da Rssia, Alexandre I, neutralizando-o assim
na sua propalada ajuda ao governo espanhol.
A ALIANA COM
A USTRIA
O que D.Joo pretendia de fato era a aliana com a ustria e
o apoio de Metternich, idealizador da Santa Aliana, s
reivindicaes portuguesas no Prata, que bastariam para
justificar a necessidade de o rei continuar no Brasil,
acabando de uma vez por todas com as presses pelo seu
regresso imediato a Lisboa. Tudo isso ficou bem claro nas
instrues "secretssimas" remetidas pelo marqus de Aguiar
a Marialva, negociador dos casamentos, sobretudo no
pargrafo adiante transcrito:
No escapou
perspiccia de S.A.R. ( D. Joo ) um embarao que pode
ocorrer nessa negociao e o de desejar S.M.I. (Francisco
I), antes de decidir-se, saber com certeza se S.A.R. conta
regressar ou no a
Portugal;
e para remover este embarao, manda-me o mesmo Senhor
participar confidencialmente a Vm.ce (para fazer uso
discreto, segundo as ocorrncias) que o seu real intento
regressar Europa, logo que haja conseguido preservar este
Reino do Brasil do contagioso esprito revolucionrio que
conflagra pelas colnias espanholas; e que outrossim tenha
inteiramente estabelecido e consolidado a pr em prtica,
para o fim de estreitar os enlaces entre
Portugal
e o Brasil, e as demais possesses da Coroa Portuguesa, e de
conseguintemente haver entre todas aquela unio e identidade
que h de ser o mais slido fundamento da progressiva
prosperidade de sua monarquia; e acrescendo que, no
entretanto que S.A.R. completa com a possvel brevidade esta
grande obra (que pode mesmo talvez utilizar ao sistema
poltico da Europa
pelos
tratados de Paris e Viena); e por conseguinte o mesmo Senhor
poder ento sem susto de futuras subverses restituir-se
sua Corte em Lisboa. Tais so as graves e atendveis razes
que Vm.ce alegar (se preciso for) para dissolver qualquer
hesitao de S.M.I. a esse respeito.
D. Joo nada
tinha de aodado. Era lento, deixava que as coisas
amadurecessem com o tempo. Como ficou assinalado, ao assumir
o poder (fevereiro de 1792), pelo impedimento da me, no se
intitulou regente de pronto, e sim depois de sete anos
(junho de 1799). Esperou a morte da rainha (20 de maro de
1816) e ao completar 51 anos (13 de maio de 1816),
decorridos 24 anos de governo, ratificou a carta de lei de
16 de dezembro de 1815, criando o Reino Unido de
Portugal,
Brasil e Algarves. Os representantes do monarca que
compareceram ao Congresso de Viena j seriam, portanto,
ministros plenipotencirios que falavam em defesa da
monarquia dual luso-brasileira, com sede no Rio de Janeiro
desde 1808.
O REI
ACLAMADO
Revestida de grande pompa, acarretando enormes despesas ao
errio, e mesmo s economias particulares de D. Joo, que
tinha fama de avaro, a misso de Marialva atingiu em cheio
pelo menos um, e o mais importante, do seu trplice
objetivo: o casamento de D. Pedro com D.Carolina Josefa
Leopoldina, arquiduquesa da ustria, segunda filha de
Francisco I. Metternich apoiaria, enfim, contra a
Gr-Bretanha e a Espanha, a ocupao portuguesa de
Montevidu. Efetuou-se o contrato matrimonial, no dia em
que D. Joo completava 50 anos (13 de maio de
1817),
e D. Leopoldina partiu para a ltlia, a caminho do Brasil.
A comitiva
foi
contudo retida em Livorno, no s pela demora da esquadra
portuguesa que a devia transportar para o Rio de Janeiro,
como pelas notcias do movimento revolucionrio em
Pernambuco e, depois, da conspirao de Gomes Freire de
Andrade em
Portugal.
A diplomacia britnica ps-se em campo, sugerindo ao governo
austraco que a princesa deveria retornar a Viena ou seguir
para Lisboa, onde aguardaria a volta iminente da famlia
real portuguesa. No mesmo sentido, manobrou D. Carlota
Joaquina, pedindo ao irmo Fernando VII sua interferncia
junto a Francisco I, tomando o pretexto para abreviar o
regresso a Lisboa. Metternich mostrou-se impressionado com
essas gestes.
Foi
pessoalmente a Livorno, mas teve de se render diante da
firme deciso da princesa, ansiosa de reunir-se sua nova
famlia luso-brasileira e correr com ela todos os riscos do
momento revolucionrio.
D. Leopoldina
chegaria ao Brasil em 5 de novembro de
1817.
S ento o rei concordaria em que se cuidasse dos
preparativos para a sua aclamao. Sentia-se D. Joo na
plenitude dos seus poderes, prestigiado pela casa da
ustria, sustentculo da Santa Aliana, anteparo valioso
sua poltica de resistncia contra as pretenses espanholas,
libertando-se afinal da opressiva predominncia britnica. O
casamento do prncipe herdeiro fortalecia, por igual, o
desejo de continuar em seus domnios americanos, que
ampliara com a conquista da Banda Oriental, mantida a
unidade territorial do colosso brasileiro com a represso do
foco separatista em Pernambuco.
No ato da
aclamao (6 de fevereiro de 1818), que marca o apogeu do
seu reinado, D. Joo manda suspender as devassas,
conservando, contudo, nas prises mais de uma centena de
brasileiros. No Sul, prosseguia a encarniada resistncia de
Artigas. Ficariam abertas as feridas de um lado e de outro
lado. Sem esquecer, ainda, a mgoa dos seus sditos que
reclamavam a reintegrao europia do rei americano. O
monarca passaria a viver, depois de aclamado, mais um
captulo do seu drama poltico, entrevisto alis por um
observador estrangeiro, L.F. de Tollenare, nas suas Notas
dominicais (1816,
1817,
1818; trad. bras. 1905) no instante em que se preparava o
movimento revolucionrio em Pernambuco: As duas partes da
monarquia acham-se mais em situao de inimizade do que de
fraternidade, e na verdade bem difcil administrar dois
pases que quase no experimentaram a necessidade mtua de
uma aliana e que, pelo contrrio, possuem interesses
opostos.
E, noutro
passo, como que profetizando a inevitabilidade da separao,
acrescenta Tollenare: Certo difcil ser ao mesmo tempo rei
de
Portugal e do Brasil, e agir paternalmente para com dois
povos que tm interesses to opostos. Um no pode viver sem
o monoplio; o progresso do outro exige a sua supresso.
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