Forte Dom Pedro II
Localizado ao norte da atual cidade de Caapava do Sul,
no interior do Estado do Rio Grande do Sul.
Principal acesso geogrfico ao pampa gacho e
argentino, em meados do sculo XIX, a Vila de Caapava
abrigou um arsenal e uma guarnio do Exrcito Imperial.
Em episdio pouco conhecido da historiografia oficial, no
contexto da Revoluo Farroupilha (1835-45),
a vila foi conquistada por foras rebeldes comandadas pelo
Coronel Antnio de Souza Netto (abr/1837),
que na ocasio recebeu a adeso dos 900 homens da
guarnio ali estacionada, apoderando-se de quinze
peas de artilharia, quatro mil armas de
infantaria e farta munio de boca e de guerra.
Esses recursos possibilitaram a subsequente conquista
farroupilha de Rio Pardo (30/abr/1837), levando a que o
comandante militar da Provncia, Marechal Barreto,
respondesse a Conselho de Guerra. Com a evoluo do
conflito, a capital dos revolucionrios ser transferida
de Piratini para Caapava (09/jan/1839), que
pelo seu difcil acesso, possua melhores condies de
defesa. Ainda assim, ser atacada de surpresa e retomada
por foras imperiais (30/mai/1840).
Poucos anos mais tarde, na iminncia da Guerra contra
Oribe e Rosas (1850-52), as fronteiras da
Provncia do Rio Grande Sul sofriam violaes freqentes
por parte dos partidrios do presidente uruguaio Manuel
Oribe, em guerra civil (Guerra Grande, 1843-52).
Este caudilho era apoiado pelo argentino Juan Manuel Ortiz
Rosas (1793-1877), que, na tica da diplomacia brasileira,
alimentava projeto poltico de reconstruo do antigo
Vice-Reinado do Prata (integrado pelos territrios da
Argentina, do Uruguai e do Paraguai).
Segundo as palavras do Presidente Soares de Andra:
"(...) vencido o Paraguay [pela Argentina], nenhuma
dificuldade ter Rosas em nos cair em cima com trinta ou
quarenta mil homens, e ento sero bem empregadas essas
guarnies e bem empregada a despesa que se tiver feito em
levantar fortificaes [no Rio Grande do Sul]." (Ofcio
nr. 112 do Presidente Soares de Andra ao Ministro da
Guerra. Livro de Registro nr. 60. AHRGS. pp 63-69)
Nessa expectativa de uma invaso por parte do argentino
Rosas, Soares de Andra preconiza (1848)
defesas fixas e guarnies militares nos principais pontos
de acesso Provncia, por ordem de importncia, a saber:
Bateria da Barra (de Rio Grande?), na fronteira, no
litoral; Trincheira de Rio Grande, no litoral; Forte de
Dom Pedro II em Caapava, no interior; Fortificaes
de Uruguaiana, na fronteira, no interior.
Outros autores afirmam que, para assegur-las, o
Marechal Francisco Jos de Souza Soares de Andra
(1781-1858), Chefe da Comisso de Limites entre o Brasil e
o Uruguai (abr/1851), projetou trs
fortificaes, uma na fronteira, na altura do arroio Chu,
em territrio do atual Uruguai, o Forte Duque de
Saxe, em Jaguaro, e a terceira no interior, em
Caapava.
Por volta de 1848, j havia "um cabeo
prximo vila, dentro do alcance do canho e a cavaleiro
dela [a norte], que bate francamente todo o interior de
uma trincheira de terra, a que se deu o nome
de Forte de Dom Pedro II." (Ofcio nr. 112 do Presidente
Soares de Andra ao Ministro da Guerra. Livro de Registro
nr. 60. AHRGS. pp 63-69)
Desse trecho se depreende que, anteriormente atual
estrutura, j existiam um sistema fixo composto por um
"cabeo" e por uma trincheira de terra, artilhado com uma
pea, defendendo a vila de Caapava, e
denominado Forte de Dom Pedro II. Soares de Andra,
quando Presidente do Rio Grande do Sul, pretende
transformar esse local estratgico em uma praa-forte de
3 Classe, compreendendo Armazns, Depsitos, Quartis e
Hospital. Chegou a elaborar-lhe um projeto que jamais saiu
do "borro", ou seja, do risco inicial, conforme
comunicao do prprio Soares de Andra ao Ministrio da
Guerra na poca, no se conhecendo atualmente esse risco
original, como tambm no se conhece o desenho da antiga
trincheira.
O seu sucessor, Pimenta Bueno, assume a presidncia da
Provncia em abr/1850, com severas crticas
ao projeto, que considerava super-dimensionado. Embora se
opondo sua construo, com orientao para reduzir tudo
ao necessrio, incumbe de projetar, levantar planta e
fazer oramento de uma fortificao ao Engenheiro militar,
Capito Jos Maria Pereira de Campos (jul/1850). Este
apresenta planta em formato poligonal hexagonal com
baluartes pentagonais nos vrtices, e um permetro
externo de 611,70m, sendo os trabalhos de preparao e
risco do terreno iniciados ainda em setembro do mesmo ano,
mediante acordo com os proprietrios do terreno, sem que
houvesse a posse formal do mesmo. A compra do terreno s
seria autorizada em 14/dez/1850, e formalizada em
07/jan/1851, ao custo de 1:135$000 ris.
Em 1855, as obras do forte na vila de
Caapava prosseguem, sob a superviso do agora Major Jos
Maria Pereira de Campos, sob a direo do Primeiro Tenente
Antnio Augusto d'Arruda. A informao da poca reporta:
"Esta fortificao consta de um cidadela destinada no
s para grande depsito de um exrcito que tenha que
operar no interior da Provncia, como para recolher e
abrigar a povoao da vila e pousar em retirada aonde
possam refazer-se fortes no caso de serem perseguidos
pelos agressores. Sua construo de alvenaria
de pedra regular, slida, circundada de um fosso
seco e sua linha magistral um perfeito hexgono de
quinhentos e dez palmos de raio, incluindo o
fosso, fechado por uma muralha de trinta de
altura sobre cinco de alicerces, vinte de grossura,
compreendidas as banquetas, terminando em
cinco palmos de barrete.
Esta interessante obra, talvez nica de seu gnero que
existe no Imprio, contudo no defende completamente a
vila, o que s se obter depois, circunvalando-a em
distncia e sistema que se julgarem convenientes,
podendo-se para esse fim, empregar fossos e obras
passageiras destinadas [a esse fim] e recorrendo-se aos
demais auxlios de que tanto abunda a arte da guerra.
Tendo despendido nesta obra, desde 18(...) [1848,
1850?] em que foi comeada, mais de 111 contos [de ris] e
achando-se a mais de [um] tero o seu trabalho, parece que
no mudando as circunstncias, dever construir-se em oito
ou dez anos com dispndio de 160 a 180 contos, no que
concordo com o parecer do Diretor, exarado na Memria e
desenho que junto, e que perfeita idia do dos fins e
sistemas e estado da dita obra, tornando-se aqui ocioso
repeti-los." (Memria Descritiva dos Prprios da
Repartio de Guerra, pelo Coronel do Corpo de
Engenheiros, Patrcio Antnio de Seplveda Everard,
por ordem do Baro de Muritiba, presidente da Provncia,
em 20/nov/1855.)
As obras deste forte foram paralisadas em dez/1856,
ficando por concluir o ltimo baluarte e o
ltimo pano de muralha, ambos a norte, na cota mais alta
do terreno. Haviam sido dispendidos na obra, at ento,
80:789$162 ris.
O viajante Robert Av-Lallement, assim o descreveu:
"Foi comeada uma cidadela octogonal muito bonita e
quase completamente construda, de modo que podiam ser
dominadas todas as entradas, se quizessem acabar de
construir a fortaleza e artilh-la. Mas no foi
concluda." (Viagem ao Sul do Brasil no ano de 1858.
Rio de Janeiro: INL, 1953.)
Souza (1885), com relao
s fortificaes de Caapava do Sul, informa que foi
iniciada em 1865 uma srie de obras de
construo passageira, com to grande progresso que,
quando da inspeo do Brigadeiro Ricardo Jardim em
1867, uma grande quantia j havia sido dispendida,
necessitando-se ainda de um grande montante para a sua
concluso. Desse modo, as obras foram desaprovadas por
aquele inspetor, que recomendou fosse continuado e
concludo o forte hexagonal, defesa permanente, que
deveria servir de reduto, feitas algumas
correes na parte construda.
Em 1904, estando o terreno e o forte sem
aplicao, o Ministrio da Fazenda solicitou-os ao
Ministrio da Guerra, o que foi deferido (abr/1904). Desse
modo, durante anos, foram ocupados pela Intendncia
Municipal, que a fazia recolher os animais de sua
propriedade.
Com o fim da 1 Guerra Mundial (1914-18),
a partir de 1919 o Tiro de Guerra n 256 de
Caapava utiliza as dependncias do forte como linha de
tiro para os seus exerccios. Por volta de 1930,
estando em inatividade o Tiro de Guerra, o intendente de
Caapava reocupa o campo, utilizando-lha parte como
depsito de lixo e arrendando o restante. Em 1935
a situao regularizada, arrendando-se a totalidade do
terreno. O tombamento pelo Patrimnio
Histrico e Artstico Nacional chegou em 1938.
Na dcada de 1950, o espao do forte
abrigava anualmente o pavilho da Exposio Agro-pecuria
da associao rural da comunidade. Em 1968,
o Quarto Distrito do Iphan elaborou projeto de
aproveitamento das instalaes do forte para um Museu de
Armas, de autoria do arquiteto Murilo de Azevedo Max, que
no foi implementado.
Tambm conhecido como Forte de Caapava, nica
fortificao remanescente no Rio Grande do Sul, as suas
muralhas de dimenses monumentais jamais foram terminadas,
nem guarnecidas. Pode ser visitado Rua Ulhoas Cintra
s/nr., encontrando-se em bom estado de conservao.