EUROPA
PORTUGAL
AFRICA
NORTE DE AFRICA
AFRICA
OCIDENTAL
ÁFRICA ORIENTAL E G. PÉRSICO
AMÉRICA
fortificações brasileiras
A Região da Cisplatina
ÁSIA
ORIENTE
EXTREMO ORIENTE
OCEANIA
AUSTRALIA
BATALHAS
APENDICE
ALDEIAS
FOTOS
MAPAS
TEMPLÁRIOS
MONUMENTOS NACIONAIS
GLOSSÁRIO
FORTES E FORTALEZAS
S. João Baptista
S.Neutel
Forte de Crismina
S.Francisco
Forte de Santa Catarina
Fortaleza Ponta da Bandeira
Torre da Medronheira
Fortaleza de Nossa Senhora da Luz
Portugal no mundo:
FORTES E FORTALEZAS
CASTELOS DO MUNDO
BRASIL
THE LIBRARY OF IBERIAN
RESOURCES ONLINE
A SOCIETY ORGANIZED FOR WAR

MY CASTLE WEB RING
|
A Deusa A-Má e os nomes de Macau
O topónimo Macau, ou porto
da Deusa A-Ma é de origem chinesa. No entanto, os vários nomes
desta urbe em chinês, não têm a ver com a divindade
• Jin Guo Ping e Wu Zhiliang
A etimologia do topónimo Macau e as muitas variantes é tão
misteriosa como a própria origem da Cidade. Tem fascinado
gerações e gerações de historiadores, fazendo correr verdadeiros
rios de tinta ao longo da história. Da bibliografia ocidental,
podemos citar estudos, entre outros, de J. J. L. Duyvendak, Paul
Pelliot, Luís Gonzaga Gomes, José Maria Braga, Graciete Nogueira
Batalha, Søren Egerod, C.R. Boxer, o Monsenhor Manuel Teixeira e
Rui Loureiro. Nos últimos anos, e à medida da publicação maciça
de fontes chinesas, promovida pela Fundação Macau e pela
Fundação Oriente, apareceram, com a introdução de novas
metodologias nos estudos sobre a história de Macau, trabalhos
inovadores na investigação etimológica dos nomes de Macau. Nas
fontes históricas da China Ming (1638-1644), consta como
primeiro vernáculo “Haojing”. Mais tarde, apareceram outros
nomes, tais como, “Haojing” (Espelho do Fosso); e “Haojing’ao”
(Baía do Espelho do Fosso);”“Haijing” (Espelho do Mar);
“Haojiang” (Rio do Fosso);”“Jinghu” (Lago do Espelho); “Jinghai”
(Mar do Espelho) e ainda uma série de nomes onde entra o
elemento “Lian” (Flor de lótus). Em suma, os nomes de Macau
podem dividir-se em quatro grandes séries, a saber:
1. Os que começam com Hao (fosso ou trincheira);
2. Os que iniciam com Hai (mar);
3. Os que são coroados de Jing (espelho);
4. Os que têm elementos de Lian (Flor de lótus).
Macau e a Deusa A-Má
Macau está ligado umbilicalmente à Deusa A-Má. É evidente.
O culto da divindade começou por ser um fenómeno religioso
popular com origem em Fujian – a “terra dos Chincheos” das
antigas fontes portuguesas. A história de Macau é a divulgação
deste culto na Península que veio a ser mundialmente conhecida
com o seu nome.
Sem conhecer a história do culto de A-Má, não seria possível
perceber a própria história de Macau. Este culto, foi trazido
para Macau já a partir da Dinastia Song (966-1279), com um
processo de oficialização promovida pelos Imperadores e através
do fluxo emigratório dos “chincheos” em direcção da Ásia
Marítima. A considerar-se a imponente fachada de São Paulo como
o expoente máximo da cultura cristã em Macau, o Templo da Barra
será, sem dúvida, o seu correspondente na milenar cultura
chinesa. A etimologia do nome Macau personifica a própria
história da Cidade. O topónimo detém uma história quase cinco
vezes secular nas fontes ocidentais, desde a primeira carta de
Fernão Mendes Pinto, escrita em 1555.
Alguns anos atrás, ainda antes da transferência dos poderes em
Macau, levantou-se uma polémica sobre a data da construção do
Templo da Barra (dedicado a A-Má). Um investigador chinês que
trabalhava na Universidade de Macau nessa altura, lançou a
versão de que o Templo da Barra foi construído em 1605, baseando
esta afirmação unicamente numa inscrição que descobriu por
detrás de um nicho do Templo. Uma série de artigos repetitivos e
sensacionalistas na imprensa chinesa local e do Continente
chinês, alguns dos quais traduzidos em português, provocou
reacções do falecido Monsenhor Manuel Teixeira, e uma acesa
troca de críticas.
Não concordando com a versão de 1605, apontamos como o seu
calcanhar de Aquiles o facto de não justificar as primeiras
grafias portuguesas que vieram a dar origem ao nome“Macau”
constante em fontes ocidentais muito anteriores a essa data.
Relatos fidedignos
Abundantes referências ocidentais provam que o Templo da Barra
já existia antes de 1605. Citemos apenas exemplos que partem de
relatos testemunhais de viajantes que passaram por Macau e de
fontes fidedignas de origem portuguesa.
Em 1564, Tang Kekuan, um conhecido general de Guangdong, veio a
Macau com o objectivo de conseguir o auxílio militar português
para reprimir o motim dos marinheiros de Zhelin.
E assentando todos nisto, disse Dom João que à tarde se veria
com [o] mandarim e lhe ofereceria o socorro em nome d’el-Rei e
de seu embaixador, e o mais que com ele passasse depois se
determinaria acerca dos capitães que para isso fossem
necessários. Dizem, mas eu não no afirmo, que alguns senhores
perguntaram [i.e., pediram] logo a Dom João que nomeasse quem
havia de ir por capitão-mor da armada, ao que ele respondeu que
depois se praticaria nisso; outros dizem que ali logo declarou e
nomeou a Dom Manuel. Não sei qual destas foi, par não me achar
ao [conselho] presente. Um dos que se acharam no conselho me
disse que perguntara a Dom Manuel, por estar apegado com ele,
quem havia de ser o capitão-mor do socorro, e ele que lhe
respondera por estas palavras: “Ego sum”. Donde se infere que
não se nomeou geralmente no dito conselho, mas basta que logo se
disse e se corrompeu pela povoação que Dom Manuel ia por
capitão-mor, e assim parece que era a vontade de Dom João, por
ele ser muito bom fidalgo e cavaleiro. Mas como na povoação
havia outros que [lhes] competia o dito cargo pela experiência e
obrigações de suas pessoas, como era a Luís de Melo e o
embaixador, que por todas as vias a ele mais lhe competia, ou
também a Diogo Pereira, esfriavam no que fora assentado, mas não
desistindo do socorro haver-se de dar.
Estando a coisa desta maneira, o mandarim mandou dizer a Dom
João que ele desembarcava e ia à varela para se ver com ele e
assentarem seus negócios, por não se perder tempo, que Sua Mercê
o mesmo fizesse. Dom João o houve por bem e foi ter ao dito
lugar, que é no cabo da povoação, junto ao mar, acompanhado de
muita gente, assim da de sua obrigação como da mais da povoação,
vestidos de todos os setins, grãs e veludos, e outras muitas
1ouçainhas e peças ricas de ouro1.”
Pela referência”“ia à varela…, que é no cabo da povoação, junto
ao mar”, pretende-se que “varela” se refere ao Templo da Barra.
O encontro terá sido, portanto, no Templo da Barra. Este
manuscrito foi concluído em 1565 por João de Escobar, secretário
da Embaixada de Gil de Góis/Diogo Pereira, que devia ter chegado
a Macau em 1563, o mais tardar em 1564. Sendo um relato
testemunhal, a sua veracidade parece indiscutível, o que prova a
existência do Templo da Barra antes de 1605.
É sobejamente conhecida a explicação etimológica sobre Macau,
dada por Matteo Ricci que chegou à Cidade do Nome de Deus a 7 de
Agosto de 1583:
Con tutto ciò, è sì grande il guadagno et utilità che, si
all’erario pubblico come ai particulari, rende il trafico de’
Portughesi, che sempre i magistrati gli derono agio per questo
in varie parti, non gli lasciando habitare in terra se non nel
tempo che durava il mercato o fiera per qualche mese; sin che al
fine gli derno licentia di stare fermi nella detta peninsola,
dove era venerata una pagoda, che chiamano A-Má. Per questo
chiamavano quel luogo Amacao, che vuol dire in nostra lingua
Seno di Ama2.
Estando acima de qualquer dúvida ou suspeita, a descrição do
missionário italiano, que viveu algum tempo em Macau, prova
igualmente a existência do templo antes de 1605.
O conhecido “espião holandês” Jean Huygen van Linschoten
(1563-1611), no seu famoso Histoire de la navigation Itinerario,
voyage ofte schipvaert near Oost ofte Portugaels Indien (cuja
primeira edição data de 1596), dedicou o Capítulo XXXXIII às
rotas marítimas do Porto Interior de Macau.
A partir de Macau fl toƒl que vous auez leué les ancres vous
vous verrez incontinent au NordEft vne marque blanche au haut
d’vne montagne, & fi toft apres à Eft deux collines, la
deuxiefme deÉquelles qui paroit au milieu entre la montagne &
l’autre collines eft entierement nue & defcoverte, laquelle
paroitA à travers les entrefentes des rochers & escucils de
Patanas qui eft à mi-chemin du Canal eftant pres des derniers
maifons du lieu a l’ endroit defquelles eftant paruenu, vous
defcouvrez incontinent la troifiesfme colline de fort qu’eflant
à l’endroit de la pointe qui eft tout ioignant le lieu apellé
Varella dos Maodorins, …
Sabemos que o holandês abandonou a Índia Portuguesa em 1587, de
maneira que as suas fontes deviam ser anteriores a essa data.
Isto quer dizer que nos anos 80 do século XVI ou antes disso, o
Templo da Barra já servia de lugar de encontro oficial entre as
autoridades chinesas e os portugueses de Macau, recebendo assim
o nome de “Varella dos Maodorins”. A provar que existia antes de
1605.
A propósito, “dos Maodorins” não significa pertencente aos
mandarins. Trata-se do velho costume chinês dos mandarins de
patente elevada optarem por fazer dos templos sua residência
temporária de repouso ou para alguma missão, “oficializando”
assim os templos onde ficavam. O Templo da Barra foi, pelo menos
a partir de 1564, “oficializado” com a presença do general Tang
Kekuan.
Na China imperial, o distrito era a base da administração
territorial. Ficando Macau longe da sede distrital, a
“oficialização” do Templo da Barra, como em outros casos no
território chinês, era uma subtil forma de estender a esfera da
administração local sem estabelecer a necessária e
correspondente estrutura funcional. Em síntese, o Templo da
Barra foi durante a Dinastia Ming (1368-1664) um estabelecimento
religioso de propriedade privada (dos “Chincheos”, tal como
hoje) mas”“oficializado”.
Este estatuto manteve-se durante a Dinastia Qing (1644-1911). Em
Yue Haiguan Zhi (Crónica da Alfandega de Guangdong), de Liang
Tingnan, xilografada no Reinado de Daoguang (1821-1850), há
determinações expressas sobre as despesas mensais3
do Hopu de Macau com o culto da Deusa A-Má. Outra prova do
estatuto oficializado é o facto do Comissário Imperial Lin Zexu,
encarregue de resolver o problema do ópio, na sua curta visita a
Macau, efectuada a 3 de Setembro de 1839, já em vésperas da
Guerra do Ópio, se ter deslocado de propósito ao Templo da Barra
para prestar culto à Concubina Celestial4.
O viajante e mercador italiano Francisco Carletti que esteve em
Macau de 15 de Março de 1598 a 28 de Julho de 1599, descreve no
seu livro de viagens à volta do mundo uma celebração da Deusa
A-Má em Macau:
Quando oferecem os alimentos nalguma festa solene, comem-nos
perto do ídolo, como vi fazer em Amacao, na campina, num certo
lugar dedicado ao seu ídolo, onde havia umas pedras grandes, com
caracteres de ouro esculpidos nelas; esse ídolo chama-se “Ama”.
por isso a ilha é chamada Amacao quer dizer “lugar do ídolo
Ama”. Celebraram essa festa no primeiro dia da lua nova de
Março, que é o seu Ano Novo, sendo celebrado por todo o Reino
como festa principalíssima…”5. Mais uma prova
de que o Templo da Barra existiria antes de 1605.
Este testemunho ocular insuspeitável corresponde às descrições
da Monografia Abreviada de Macau (Aomen Jilüe), que veio a ser
publicada 150 anos mais tarde:
Existem em Macau 3 blocos de pedra lendários. Um deles chama-se
Yangchuanshi (Rocha do Navio Transoceânico). Reza a tradição
que, no Reinado de Wanli (1573-1620) da Dinastia Ming
(1368-1644), quando um grande navio de uns abastados
comerciantes de Fujian foi surpreendido por uma enorme
tempestade, apareceu subitamente uma santa, de pé, no alto dum
rochedo, que salvou o navio. Logo se ergueu um templo, em honra
e agradecimento, a Tianfei (Concubina Celestial)6,
dando-se a este lugar o nome de Niangmajiao (Ponta de Niangma,
Ponta da Barra). Niangma7 é o nome pelo qual é
designada Tianfei (Concubina Celestial). Sobre a superfície do
rochedo que se ergue em frente do seu templo, foi gravado o
desenho dum navio, com a seguinte inscrição: “Lishe Dachuan”
(Travessia feliz dos grandes rios), em homenagem e
reconhecimento do milagre de Tianfei (Concubina Celestial). Há
ainda outra rocha que se chama Haijueshi (Rocha da Percepção do
Mar). Fica à direita da Niangmajiao (Ponta de Niangma, Ponta da
Barra). Sobre uma altura de uma dezena de xun8,
aparecem dois enormes caracteres que dizem Haijue (Percepção do
Mar). O diâmetro de cada palavra atinge um zhang9.
Uma terceira rocha, de nome Xiamashi (Pedra de Manduco), é
arredondada e de cor azulada. Quando faz vento ou chove, ao
escurecer, ou quando a maré começa a encher, ouvem-se rugidos
produzidas por ela10.
Afirme-se, pois, sem risco, que antes de 1605 já existia o
Templo da Barra, aliás “oficializado”, no local onde hoje se
encontra.
Discrepâncias nominais
O seu nome chinês é Ma-Kou-Miu (em Mandarim: Ma Ge Miao).
“Ma” é abreviatura de A-Má. (Em chinês, este”“A” é apelativo,
contendo muitas vezes nuances de carinho).”“Kou” é uma espécie
de pavilhão de dois pisos. O piso térreo serve de suporte e o
cimeiro é geralmente fechado em todos lados com janelas, sendo
local de repouso por excelência, e donde se tem uma vista
panorâmica da paisagem circundante. Também servia para guardar
objectos ou livros.”“Kou” tem ainda outra acepção que é a de
“aposento feminino”. Tratando-se A-Má de uma deusa, o termo
usa-se igualmente nessa acepção. Quanto a “Miu” significa
varela, pagode ou templo. Ma-Kou-Miu é traduzível em português
como “o Templo-Aposento Feminino de A-Má”.
Não há dúvida que o nome da Deusa deu origem ao topónimo
português Macau, salvo prova em contrário. A prova coeva está no
Dicionário Chinês-Português, cuja autoria é atribuída aos padres
Miguel Ruggieri e Matteo Ricci: “Maquao”11. E
no entanto, os nomes chineses vernáculos de Macau nada têm a ver
com A-Má. A etimologia de Macau é um caso extremamente curioso,
porque embora origem chinesa, diverge dos étimos chineses da
urbe, sem ligação à Deusa A-Má. Tal disparidade talvez seja uma
das que melhor caracteriza esta confluência de culturas— a
Macau, cosmopolita e universalista, entre dois mundos.
O nome “Haojing” aparece pela primeira vez, na Guangdong Tongzhi
(Crónica Geral de Guangdong) de Huang Zuo, xilogravada em 1561,
na transcrição de um memorial ao Trono, apresentado por Lin Fu,
Vice-Rei dos Dois Guang (em português, o “Vice-Rei de Cantão”),
que poderá remontar a 152812.
Outro memorial ao Trono, intitulado Fuchu Haojing’ao Yi Shu
(Memorial sobre a afeição aos bárbaros de Haojing’ao (Baía do
Espelho do Fosso), apresentado pelo censor Pang Shangpeng, no
43º ano (1564) do Reinado de Jiajing (1522-1566) e que é
considerado o primeiro documento oficial chinês sobre Macau,
conta como os Portugueses se mudaram de Lampacau para Macau.
[…] A sul da Cidade de Cantão, fica o Distrito de Xiangshan,
banhado pelo mar. De Yongmo (Caminho Harmonioso) a Haojing’ao
(Baía do Espelho do Fosso ) há uma jornada. Ali existem dois
montes que ficam um em frente do outro como sendo terraços, daí
os nomes de Nantai (Terraço do Sul) e Beitai (Terraço do Norte).
Eis Aomen (Porta da Baía)13.”
Em Yuedaji (Grande Crónica de Guangdong), de autoria de Guo Fei,
concluída cerca de 1602 temos, na secção cartográfica, um mapa
xilografado de Macau. Trata-se de uma peça extremamente valiosa
e importante para a história de Macau. Macau está inserido num
mapa panorâmico do litoral de Guangdong, apresentando-se a
Península com legendas e desenhos de casas. As legendas, da
esquerda para a direita, são: Fenghuanghsan (Monte de Fénix),
identificável com o Penedo de Patane das fontes lusas;
Wangxiacun (Aldeia de Mong-há); You Lulu Zhi Xiangshanxian (Há
caminhos terrestres para o Distrito de Xiangshan); Haojing’ao
(Baía do Espelho do Fosso); Fanren Fangwu (casa dos bárbaros),
com um desenho de 5 casas à volta duma praça; Yamagang (Porto de
Yama), [ou A-Ma]; e Fanchuan (barcos dos bárbaros), com desenho
de dois barcos caracteristicamente portugueses à entrada do
Porto Interior.
Pelas informações em texto e imagem desta carta, sabemos que no
início de Setecentos, “Haojing’ao” (Baía do Espelho do Fosso )
designava toda a Península de Macau e que às águas defronte do
Templo da Barra se chamava “Yamagang” (Porto de Yama). Os
primeiros portugueses desembarcados na Ponta da Barra souberam
deste nome pelos nativos: daí o nome”“Amacao” e as muitas
variantes. Enquanto os Lusos designavam toda a Península com o
nome do Porto de A-Má, os Chineses mantinham o seu nome
vernáculo “Haojing’ao” (Baía do Espelho do Fosso ). Eis a
explicação da disparidade entre os nomes português e chinês de
Macau, do referido verbete do Dicionário Chinês-Português. Tudo
leva a crer que este “Haojing’ao” se referiria ao Porto
Interior. Esta afirmação pode ser confirmada por alguma
cartografia elaborada com a técnica de pintura chinesa,
conservadas ainda no antigo Arquivo Imperial dentro da Cidade
Proibida em Pequim14.
É de conhecimento geral que o actual nome chinês correspondente
a Macau é “Aomen” (em Cantonês: Ou Mun), que quer dizer
literalmente “Porta da Baía”. Ao espaço entre duas ilhas
chama-se “porta” e esta “Porta” seria o espaço entre a Ponta da
Barra e a zona de Yingkeng (Ribeira Grande) na Lapa, funcionando
a Colina da Barra e a Ilha da Lapa como os dois pilares. Na
verdade, na toponímia do litoral chinês, “porta”, além de querer
dizer “saída”, significa também “porto”. (Porto é onde fundeiam
embarcações). Também aos ancoradouros se chama “porta.”15
Portanto, “Aomen” significa ao mesmo tempo, a”“Porta da Baía” e
o”“Porto da Baía”. Este nome passou a ser mais corrente e
popular durante a Dinastia Qing (1644-1911)16.
A “Porta da Baía” e “Porto da Baía” corresponderiam, no conceito
português, a “Barra de Macau”. Consequentemente, esta”“Baía” não
podia ser outra senão o Porto Interior.
Nos livros oficiais da Dinastia Ming (1638-1644), por exemplo,
Mingshilu (Verdadeira Crónica da Dinastia Ming), a primeira
grafia registada é “Haojing’ao” (Baía do Espelho do Fosso)17.
Na Mingshi (História dos Ming), o nome oficial chinês de Macau é
“Haojing’ao” (Baía do Espelho da Trincheira)18.
“Hao” (trincheira ou fosso) é uma troca por “Hao” (ostra), que o
uso consagrou.
Numa versão não definitiva, mas considerada a mais completa, da
História da Dinastia dos Manchus, constam vários nomes para
Macau sendo o mais usual “Aomen”, com quatro dezenas de
ocorrências. Na secção geográfica, o nome oficial é porém
“Haojing’aoshan” (Ilha da Baía do Espelho do Fosso) que entra no
mar formando uma península que se chama Aomen (Porta da Baía)19.”
Na mesma História, Macau é conhecido como “Haojing’ao”( Ilha da
Baía do Espelho do Fosso)20. Mas também há um
caso de “Haojing Aomen”21, onde constam os dois
nomes que costumam ser usados em separado. De todas as maneiras,
o nome oficial é “Haojing’aoshan ( Ilha da Baía do Espelho do
Fosso), copiado certamente da Daqing Yitongzhi (Geografia
Unificada da Grande Dinastia Qing), do século XVIII.
Quanto à designação Hao em “Haojing”, que o uso consagrou, foi
durante muito tempo interpretada como sendo “ostra”.
Recentemente, um estudo pioneiro do Professor Tang Kaijian, da
Universidade Ji’nan de Guangdong, apurou que a este “Hao” não
corresponde ostra, mas sim outro molusco que no entanto não
conseguiu identificar22. No encalço da pista
dada pelo eminente investigador, conseguimos verificar que o
nome “Haijing” (Espelho do Mar), interpretado até hoje como
“águas tão calmas como um espelho” pela esmagadora maioria dos
estudiosos, é afinal sinónimo completo de “Haojing”23.
E o nome científico do molusco chamado “Haijing” (Espelho do
Mar) é Amusium pleuronectes (Linnaeus, 1758)24.
Nada mais, nada menos do que: vieira. Portanto, Haojing ou
Haijing tinham a ver com a vieira, que abundava25
nas águas de Macau, e daí passou a designar a terra.
Outras variantes no nome de Macau
O nome “Aoshan” para Macau aparece em Chouhai Tubian (Defesa
Marítima Ilustrada), obra xilografada em 1562, no seu Primeiro
Capítulo (mapas nº 7 e 8 de Guangdong). A mesma anotação surge
em Zheng Kaiyang Zazhu (Miscelânea de Zheng Kaiyang), outra obra
datada de 1572, no mapa nº 8 da secção de cartografia, referente
a Guangdong. “Aoshan” quer dizer “Montanha da Baía”. Em chinês,
a acepção básica de”“Shan” é “montanha”, mas também para ilha,
que se ergue do fundo do mar como se fosse uma montanha se dá o
nome de “Shan”. Por isso, “Ao shan”, pode ser literalmente “Ilha
da Baía”. Este nome vem referenciado pelo Pe. Álvaro Semedo, na
sua obra”Relação da Grande Monarquia da China, publicada
inicialmente em castelhano, em 1642:
Dali (São João) a 54 milhas para dentro do reino existe uma
outra ilha chamada pelos chineses Gau xan, e pelos portugueses
Macau, pequena e tão cheia de rochas que se torna muito fáci1
defendê-1a sendo própria para o reduto de ladrões como era,
exactamente, até então, acolhendo-se ali muitos, os quais
infestavam toda aquela ilha26.
Na famosa Aomen Jilüe (Monografia Abreviada de Macau), de meados
do século XVIII, temos várias referências a “Aoshan”: Saindo
pelo Portão Meridional, a poucos li de distância, fica o
Lianhuajing (Caule da Flor de Lótus, a Avenida do Istmo Ferreira
do Amaral), que é o único caminho que vai dar a Macau. Qianshan
(Montanha Dianteira, Casa Branca) e Aoshan (Ilha da Baía) ficam
em frente uma da outra. A primeira, a norte da Baía; a segunda,
a sul27.”
Ao norte, fica Qingzhoushan (Ilha Verde). Esta ilha fica num mar
azul que separa Qianshan (Montanha Dianteira, Casa Branca) de
Aoshan (Ilha da Baía).
Às vezes ao “Aoshan” (Ilha da Baía) acrescenta-se um
determinante “Haojing” (Espelho do Fosso), dando lugar a
“Haojing’ao Shan” (Ilha da Baía do Espelho do Fosso). A primeira
ocorrência deste nome consta da Xiangshan Xianzhi (Crónica do
Distrito de Xiangshan), de autoria de Bao Yi, xilografada em
175028. Macau pertencia administrativamente a
Xiangshan. É um nome oficial que figura em Daqing Yitongzhi
(Geografia Unificada da Grande Dinastia Qing), mandada elaborar
pelo Imperador Qianlong e concluída em 1789. E mais tarde em
Qingshi Gao (Esboço da História da Dinastia Qing), concluída em
1927.
Em Cangwu Junmenzhi (Crónica Militar de Cangwu), publicada em
1581, temos a designação “Xiangshan’ao” (Baía do Monte
Odorífero)29 para Macau. Xiangshan, porque se
situava no território do Distrito de Xiangshan.
A designação mais corrente, que se estendeu aos nossos dias é
“Aomen”, ou “Ou Mun”, (Porta da Baía). Os nomes que iniciam com
“Hai” (mar), os que são coroados de “Jing” (espelho) e os que
contém o elemento “Lian” (Flor de lótus) são de mero uso
literário.
Curiosamente, este nome chinês de Macau começou num molusco
chamado vieira, e o último governador de Macau sob administração
portuguesa, também se chamou Vieira. Coincidência ou fado?
Esta urbe, pelo nome, terá sido o maior encontro-desencontro dos
últimos cinco séculos nas histórias da China e de Portugal. De
Portugueses conhecedores da Deusa A-Má e de Chineses, grandes
apreciadores de vieiras.
notas:
1 Rui Manuel Loureiro, Em Busca das Origens de
Macau, Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para
as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1996, pp. 154.
2 Pasquale M. d’Elia S.I., Fonti Ricciane,
Roma, La Libreria dello Stato, 1942, vol. I, p.151-152.
3 Liang Tingnan, Yue Haiguan Zhi (Crónica da
Alfandega de Guangdong), edição anotada por Yuan Zhongren,
Edições do Povo de Guangdong, 2002, pp.325-330.
4 Chen Shurong e Huang Hanqiang (dir.), Lin
Zexu yu Aomen (Lin Zexu e Macau—Actas do Seminário sobre o 150º
Aniversário da Visita de Lin Zexu a Macau), Macau, 1990, pp.
100-112
5 Manuel Teixeira, Macau através dos séculos,
Macau, Imprensa Nacional, 1977, p.14
6 Também conhecida como Tianhou (Rainha do
Céu), outro nome da Deusa A-Má.
7 Niangma, no dialecto Minnan (sul de Fujian),
significa
“avó” ou “sogra”, dependendo de quem o usa. O termo já aparece
em Fernão Lopes de Castanheda e em Damião de Góis.
8 Um xun equivale a 8 chi (côvado),
correspondendo a uns 24 metros.
9 Equivale a 3, 333m.
10 Yin Guangren e Zhang Rulin, Aomen Jilüe
(Monografia Abreviada de Macau), anotado por Zhao Chunchen,
Macau, Instituto Cultural de Macau, 1992, pp.24.
11 Michele Ruggieri e Matteo Ricci, Dicionário
Português-Chinês, direcção de edição John W. Witek, S.J.,
Lisboa, 2001, p.169.
12 Cf. Tang Kaijian cf. Aomen Kaibu Chuqishi
Yanjiu (Estudos sobre os Primórdios da Abertura de Macau),
Beijing, Livraria China, 1999, p. 67.
13 Wu Zhiliang e outros (dir.), Mingqingshiqi
Aomenwenti Danganwenxian Huibian (Colecção Documental de
Arquivos das Dinastias Ming e Qing relativos a Macau), Beijing,
Editora do Povo, 1999, vol. V, p 280.
14 Cf. Arquivo Histórico nº 1 da China e Centro
de Estudos sobre Um País Dois Sistemas de Macau, Aomen Lishi
Ditu Jingxuan (Tesouros Cartográficos Históricos de Macau),
Editora da Língua Chinesa, Beijing, 2000, peças nº 8 e nº 10.
15 Chen Zunzuns e Ma Ping, Dignai Xingai
(Crónica do Distrito de Dignai), Shanghai, 1924, Judie (Situação
Geográfica), p. 14.
16 Tang Kaijian, op. cit., p. 76.
17 Wu Zhiliang e outros (dir.), op. cit., vol.
V, p.30.
18 Zhang Tingiu, Mingai (História dos Ming),
Beijing, Livraria China, 1974, pp. 8432, 8433, 8437 e 8460.
19 Zhao Erxun, Qingshigao (Esboço da História
dos Qing), Beijing, Livraria China, 1977, p. 2272.
20 Idem, ibidem.
21 Zhao Erxun, op. cit., p.4561.
22 Tang Kaijian, op. cit., p. 66.
23 Para mais pormenores, vejam Jin Guo Ping e
Wu Zhiliang, Haojing e Haijing, in Jinghai Piaomiao: História
(s) de Macau—Ficção e Realidade, Macau, Associação de Educação
para Adultos, 2001, pp. 228-230.
24 R. Tucher Abhott and S. Peter Dance,
Compendium of Seashells: A full-color Guide to more 4200 of the
World’s Marine Shells,’E. P. Dutton.Inc, New York, 1982, p. 303.
Com um comprimento de 80 - 100 milímetros. A sua distribuição é
muito ampla, do Oceano Índico ao Pacífico Ocidental. Pode
servir-se fresco ou preparado para alimento seco que é, em
Guangdong, conhecido como’“Daizi (fitas)”.
25 Segundo um poeta chinês, por volta de 1810,
ainda havia viveiros de vieira no Porto Interior, cf. Zhang
Wenqin, Aomen Shici Jianzhu (Notas a Poemas sobre Macau),
Editora Zhuhai e Instituto Cultural da Região Administrativa
Especial de Macau, 2003, vol. I, pp. 250.
26 Álvaro Semedo, S.J. Relação da Grande
Monarquia da China, traduzido do italiano por Luís Gonzaga
Gomes, Macau, Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e a
Fundação Macau, 1994, p.291.
27 Yin Guangren e Zhang Rulin, op. cit., p.23.
28 Zhongshan Wenxian (Documentação de
Zhongshan), Taipé, Livraria Estudantil, 1985, vol. I, pp. 85.
29 Nas antigas fontes portuguesas, era
conhecida como “Hong San”, “Ansam”, “Amção”, etc., que quer
dizer “Monte Odorífero”. No Delta do Rio das Pérolas, há muitos
topónimos com o adjectivo “Odorífero”, por exemplo Hong Kong
quer dizer “Porto Odorífero”, porque nessa zona abundavam os
incensos odoríferos.
caixa:
Para uma bibliografia essencial em chinês sobre o culto da Deusa
A-Má, protectora dos mareantes, cf. Li Xianzhang, Mazu Xinyang
Yanjiu (O Culto da Deusa A-Má), Macau, Museu Marítimo de Macau,
1995; Aomen Mazu Lunwenji (Actas da Conferência Internacional
sobre o Culto da Deusa A-Má), Macau, Museu Marítimo de Macau e
Sociedade de Estudos da Cultura de Macau, 1995; Xu Xiaowang e
Chen Yande, Aomen Mazu Wenhua Yanjiu (Estudos sobre o Culto à
Deusa A-Má), Macau, Fundação Macau, 1998; Li Lulu, Mazu Shenyun
(O Charme da Deusa A-Má), Beijing, Editora Jardim Académico,
2003.
Para estudos em línguas ocidentais, cf. Fonti Ricciane, vol. I,
p.151, nota 5; James L. Watson, Standardizing the Gods: The
Promotion of Tian Hou (“Empress of Heaven”)”along the South
China Coast, 960-1960; In David Johnson (ed.)”Popular Culture in
Late Imperial China, Berkeley, University of California Press,
1985; Gerd Wädow, “O significado dos títulos da princesa
Celestial no sistema de culto do estado chinês”, in Revista de
Cultura, nº. 29, 1996, pp.191-205; Zhang Wenqin “O culto das
divindades protectoras da navegação marítima em Macau e o
intercâmbio cultural sino-ocidental”, in Revista de Cultura, nº.
29, 1996, pp.243-259; e Christina Miu Bing Cheng, Macau, a
cultural janus, Hong Kong, Hong Kong University Press, 1999.Da
vieira às janelas
Para além de deliciar a população com a sua saborosa carne, a
vieira fornecia um excelente material de construção. As conchas
polidas, eram usadas como vidraças nas janelas, daí que também à
vieira se chamasse Chuanbei (Concha da janela), Haojingchuan
(Janela de vieira), Mingwa (Telha translúcida), Haoguang
(Iluminação de vieira), etc.
À concha polida dava-se em português o nome próprio de “adufa”,
termo indo-português para o “resguardo de janelas” que era feito
ordinariamente de conchas semi-transparentes do marisco bhing,e
que substituia a vidraça.
Por duas vezes mandou reformar os paços pontifícios que ficam
contíguos a sé e tambem reformar todas as adufas que se fizeram
de novo, para as janellas do grande edifício da mesma sé (P.
Casimiro da Nazaré. Mitras Lusitanas, I, p. 196 num texto
escrito em 1695.
Mas também em indo-português se usava o termo “carepo” (do
concani”karap, “concha”) para designar a concha translúcida da
ostra Placuna placenta, chamada bhilgaci em concani, de que se
fazia uso para as janelas.
Tais janelas tinham muitas vantagens num clima quente: deixavam
penetrar uma luz branda e suave, interceptando os raios do sol,
dispensavam cortinas e estores, e eram mais fortes e duradoiras.
Também eram ornamentais.
Um viajante de 1616, Pyrard de Laval (em Viagem, II, p. 49)
citado por Rodolfo Dalgado op.cit.) escrevia que não usam [em
Goa] de vidraças, mas em vez dellas servem-se de cascas de ostra
mui delgadas e lisas, que encaixilham em grades de madeira; e
deixam passar luz como se fossem papel ou chavelho, porque não
são tão transparentes como o vidro.
A linguista portuguesa Graciete Nogueira Batalha concluiu, sobre
este assunto, que adufas semelhantes, até meia altura da janela,
feitas de lâminas de conchas, com caixilhos de madeira,
usaram-se em Macau como na Índia. Pessoas de meia idade ainda se
recordam desse uso, mas actualmente não existe aqui nenhuma casa
com adufas desse género, as quais foram substituídas por
persianas de vários tipos.
Mais tarde corrigiu a informação no seu Suplemento ao Glossário
do Dialecto Macaense (Coimbra, 1977) dizendo ter descoberto
posteriormente algumas velhas adufas em casas antigas e muito
deterioradas. Além de duas fotografias a cores publicadas por
Graciete Nogueira Batalha, foram publicadas fotografias a preto
e banco e a cores destas janelas em Património Arquitectónico.
(ICM, Macau, 1988)
Entre 1996 e 1997, o Instituto Cultural (ICM) realizou trabalhos
de restauro em algumas casas na Rua da Felicidade, que
apresentavam este tipo de janelas. Tijolos cinzentos e janelas
com “adufas” eram duas das principais características da
tradicional construção civil nas últimas duas dinastias
chinesas. Com estas particularidades ainda se conservam os
“Jardim Museu” ou “Casa Museu” em Suzhou e Hangzhou,
recentemente restaurados. Também em vilas e aldeias mais
tradicionais do Vale do Rio Yangtse e no litoral sul, aonde o
camartelo da modernização não chegou persistem casas com estas
características.
Atentando nas fotografias existentes, havia 3 tipos de janelas
de “adufas”: com todo o resguardo formado de conchas; com a
parte inferior feita de concha e a superior com persianas; ou
com a parte superior de concha e a inferior num estilo de
persiana bem mediterrânica. Este estilo híbrido de elementos
arquitectónicos chineses e portugueses é mais uma prova da
confluência destas culturas a nível arquitectónico. Quanto às
formas, eram geométricas.
Também em Aomen Jilüe (Monografia Abreviada de Macau) se fala
destas janelas: Nas paredes, que são caiadas, abrem-se janelas.
Há janelas do tamanho duma porta, com dois batentes por dentro e
o resguardo por fora, com caixilhos, onde estão fixadas lâminas
de mica.3 À falta de mais informações sobre o uso de mica nas
janelas, julga-se que tenha havido aqui confusão com conchas ou
madrepérola, com uma aparência semelhante à da mica.
Na Biblioteca Nacional de Lisboa, existem duas cartas
manuscritas (quotas D.89R e D.90R), cujas datação exacta ainda
está por determinar. Numa delas ainda não se vê a Porta do
Cerco, construída em 1574, pelo que nos permitimos avançar com a
hipótese de ter sido elaborada antes de 1574, ou com informações
anteriores a essa data. Na outra, figurando a tal porta,
leva-nos a afirmar que terá sido produzida depois de 1574. Mas o
que nos interessa é um pormenor importantíssimo numa delas: Na
D.90R, o litoral chinês em frente de Lampacau está indicado com
a legenda: “China – Terra de Conxas” na própria cartografia, o
que comprova uma abundância de conchas, a ponto de merecer a
atenção dos mareantes, destacando-a como referência para a
navegação.
Os materiais usados no fabrico de “adufas” variavam de região em
região. Em Macau e em todo o litoral do sul da China, onde
abundava “Haojing” terá sido esta a principal material-prima
sendo as conchas polidas manualmente. Em terras mais inte-riores
da China, tais como Suzhou e Hangzhou, as”“adufas” eram feitas a
partir de conchas prensadas (moídas ou britadas) de “Hebang”
(madrepérola de água doce), que pertence à Eulamellibranchia, um
bivalve de água doce.
Sem dúvida, antes do uso generalizado do vidro que se terá
verificado no século XVIII na China4 este terá sido o material
mais usado no sistema de obtenção de luminosidade na tradicional
arquitectura chinesa. Em 1696 foi criada a Oficina Imperial de
Vidro dentro da Cidade Proibida e no Palácio de Verão, o
Yuanmingyuan, cuja construção começou em 1707, apareceram as
primeiras janelas de vidro.
Outrora, em Shaoxing (província de Zhejiang), vogavam os famosos
Wupengchuan (barcos com cobertura de bambú pintada de preto) que
também eram vulgarmente conhecidos como Mingwachuan (barcos com
telhas translúcidas), por terem tais telhas, incrustadas na
cobertura para facilitar a entrada da luz no interior dos
compartimentos. As lanternas chinesas de uso normal tinham os
abat-jour em papel, mas as que se usavam a bordo eram de
“adufa”, impermeáveis. Mesmo agora, em casas de decoração é
frequente verem-se abat-jour a imitar caixilhos com desenhos
geométricos a cores. Talvez reminiscências das”“adufas”.
Acima de tudo, uma vantagem inegável da haojing reside na
reciclagem do desperdício, uma vez degustada a iguaria. Talvez
por isso o seu uso tão generalizado no sul da China. |

|