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|
EDUARDO TOM
"MADRE DE DEUS" UM SONHO
JAPONS
Sonhos premonitrios e alguns destroos levam um
carpinteiro japons da povoao de Fukuda a tentar h mais de
treze anos resgatar das profundezas o que est convencido
tratar-se do "Madre de Deus", a nau portuguesa naufragada
naquela zona em princpios do sculo XVII
Naquele
ano de 1608 as coisas no correram bem aos marinheiros e
samurais das shuin sen, as embarcaes com o "selo
vermelho" doshogun , que as autorizava a navegar para o
estrangeiro, pertencentes ao senhor de Arima, o daimio cristo
Harunobu Arima. Haviam demandado o reino do Sio para, como de
costume, adquirir madeiras preciosas, e em particular as
utilizadas no fabrico do incenso japons. Um atraso na
torna-viagem forou-os a passar a invernia em Macau, e durante
essa prolongada e demasiado inactiva estada os japoneses
envolveram-se em graves desacatos com os residentes. As temveis
espadas dos samurais tero ceifado algumas vidas, e os
presumveis responsveis foram condenados pena capital e
executados.
Em Junho do ano seguinte dava entrada no porto de Nagasqui o
capito-mor da viagem do Japo, Andr Pessoa, na sua nau "Nossa
Senhora da Graa", tambm conhecida por "Madre de Deus". Ia
carregada de sedas chinesas e outros produtos muito do agrado
dos japoneses.
Irritado com o sucedido aos seus homens em Macau, o daimio
Harunobu Arima apresentou queixa no castelo de Sumpujo, no sop
do monte Fuji, ento residncia do todo-poderoso shogun
regente Ieyasu Tokugawa, o qual por sua vez mandou pedir
explicaes a Andr Pessoa. Informado do que se passara, Ieyasu
no s deu razo aos portugueses como decretou a proibio de
qualquer embarcao japonesa voltar aportar em Macau.
Entretanto, recm-regressados a Nagasqui, os japoneses que
sobreviveram aos desacatos em Macau apresentam ao senhor de
Arima uma verso diferente da relatada pelo capito-mor. Este
volta a queixar-se a Ieyasu que acaba por rever a sua posio,
ordenando a deteno de Andr Pessoa. Diligente e pretendendo
agradar ao shogun regente, Harunobo Arima entra em
conluio com o governador de Nagasqui e valendo-se da sua
posio de catlico, convence o bispo de Nagasqui, monsenhor
Lus Cequeira S.J., a convidar Andr Pessoa para uma refeio em
sua casa com o objectivo de a o capturar e matar. Avisado da
armadilha que o esperava o capito-mor rene os poucos
portugueses que consegue encontrar, corta as amarras da nau e
faz-se ao mar. O daimio ao aperceber-se da tentativa de fuga
manda os seus homens ao encalo dos portugueses e uma imensidade
de pequenas embarcaes a remos persegue e tenta sitiar o "Madre
de Deus".
O reduzido nmero de tripulantes a bordo leva os portugueses a
concentrar esforos para impedir as sucessivas tentativas de
abordagem, o que condiciona a sua capacidade de manobrar
convenientemente a nau para tirar bom proveito dos escassos
ventos.
Ao terceiro dia, 6 de Janeiro de 1610, quando o "Madre de Deus"
estava j prestes a sair da baa de Nagasqui e seguir para onde
ventos fortes lhe possibilitariam pr-se mais rapidamente ao
largo, um marinheiro portugus que do alto da amurada se
preparava para arremessar uma bacia incendiria sobre uma
embarcao inimiga foi atingido numa mo, deixando pegar o fogo
s velas. Vendo Andr Pessoa que, sem pano, estavam perdidos,
pegou numa tocha e dirigindo-se ao paiol, f-lo explodir. Os que
no morreram na exploso e tentaram escapar a nado, entre os
quais um padre jesuta, foram passados espada pelos japoneses
das embarcaes sitiantes. Sobreviveram apenas os portugueses
que ficaram em terra.
Reparar um navio em sonhos
H 13 anos
atrs e durante trs noites consecutivas, Matsumoto Shizuo, um
carpinteiro residente na pequena povoao costeira de
Teguma-cho, no muito longe de Nagasqui, teve insistentemente
um sonho que o perturbou e que viria a alterar por completo a
sua vida pacata. No sonho, uma voz feminina, que se identificava
como sendo Maria-san (ou seja, Nossa Senhora), dizia-lhe
necessitar que ele reparasse um navio naufragado, partido em
dois. Queria ainda que erguesse ali uma esttua de Nossa Senhora
em tamanho natural, em homenagem aos que haviam perecido naquele
naufrgio. Tratava-se de um sonho deveras inquietante, porquanto
Matsumoto Shizuo budista! Que lhe aparecesse em sonhos a
imagem de Buda ainda v, mas ser contactado pela Nossa Senhora
dos catlicos, para mais a pedir-lhe que reparasse um navio
quando ele carpinteiro de casas e no naval j seria um pouco
menos comum. Mas, fosse como fosse, no teve coragem de enjeitar
o pedido, e durante trs noites seguidas sonhou que era
transportado at ao fundo do mar onde, com muito labor, levou a
bom termo a reparao solicitada.
Mas as coisas no ficaram por ali. Aquele sonho que parecia
demasiado real no o abandonava, nem lhe dava sossego.
Recordava-se de ter ouvido do pai e dos outros idosos da terra
que haveria desde h muitos anos um namban sen
(navio namban) afundado naquelas guas ao largo da povoao. Mas
se ele nem sabia muito bem o que significava namban, que
imaginava vagamente tratar-se de um navio russo at que algum
lhe falou no "Madre de Deus". A partir de ento, a obsesso
tomou conta e Matsumoto passou a tentar informar-se e investigar
tudo quanto ao assunto dizia respeito. Para alm da mulher,
filhos, genro e nora, o contgio do namban sen foi-se
alastrando aos amigos e demais habitantes daquele lugar.
Resgatar um namban sen
Uma
considervel multido, onde se contavam o bispo Lus Cequeira, o
padre Joo Rodrigues e outros jesutas, portugueses e japoneses,
havia assistido, em terra, ao desenrolar do combate naval, e
existem descries pormenorizadas de toda a aco, bem como do
permetro onde a Madre de Deus se afundou, nos registos escritos
que chegaram at ns. Aps muito empenho e grande insistncia o
carpinteiro Matsumoto l conseguiu os apoios que lhe permitiram
passar a pente fino, durante alguns anos e com o mais
sofisticado equipamento de deteco, toda a zona referenciada no
relato dos jesutas, mas nem sinais do "Madre de Deus". Animado
de uma tenaz fora de vontade, no esmoreceu, transferindo as
buscas para um outro local um pouco mais alm, por coincidncia
na zona onde se lembra de em jovem ter ouvido o seu pai indicar
como sendo o stio onde um namban sen estaria afundado.
Aps morosas pesquisas, a cerca de 600 metros da povoao de
Fukuda, mesmo sada da baa de Nagasqui, encontraram um navio
afundado a 45 metros de profundidade. Tratava-se de uma
embarcao de pesca japonesa, o que no conformou Matsumoto
Shizuo. No, decididamente no era aquele o navio que ele
"consertara" a pedido de Maria-san.. Perante a sua
insistncia os mergulhos prosseguiram naquele mesmo local at
que, enterrado no lodo e exactamente por debaixo da embarcao
de pesca japonesa descobriram um outro navio, este sim, decerto
muito mais antigo e a apontar para a possibilidade de ser o
"Madre de Deus", j que no existe notcia nenhuma de outra
embarcao com aquele porte e caractersticas se ter perdido na
baa de Nagasqui.
Desde ento Matsumoto tem consumido todas as suas economias e
energias para resgatar o "Madre de Deus" das profundezas do mar.
Construiu no exterior da sua casa um tanque com cerca de dois
por quatro metros onde conserva em gua doce pranchas e tabuados
recuperados da embarcao, estando a garagem da sua habitao
transformada em estaleiro de arqueologia subaqutica, onde
conserva em diversos contentores de plstico pedaos de madeira,
cavilhas, pregos, fragmentos de cermica, pequenas pinhas de
pinheiro bravo tipo ibrico (bem diferentes das pinhas
existentes no Japo) e que serviriam talvez para fazer lume a
bordo, para alm de uma enorme ncora.
As naus portuguesas eram fabricadas em madeira de carvalho como
o azinho e o sobreiro, enquanto o tabuado do casco era
geralmente feito de pinho bravo, o que levava a que nas suas
andanas pelo mundo e sempre que havia necessidade de fazer
reparaes, se tivesse com alguma frequncia de recorrer a
aplicaes de madeiras exticas e nativas. Acontece que o
madeirame resgatado s profundezas nesse naufrgio ao largo de
Fukuda principalmente constitudo por carvalho e pinho bravo,
para alm de um ou outro cedro chins e um pouco de teca, tendo
o senhor Matsumoto enviado para Tquio algumas amostras que,
aps terem sido analisadas, foram datadas como anteriores ao
afundamento do "Madre de Deus".
Budista de voto cristo
Convencido
de que se trata mesmo da nau do capito-mor Andr Pessoa,
Matsumo Shizuo mandou erguer uma imagem de Nossa Senhora
esculpida em pedra e em tamanho natural na ilhota de Matshima,
prxima daquele local, dando cumprimento ao segundo pedido de
Maria-san. A imagem foi benzida no local pelo sacerdote
Diego Yuuki, jesuta espanhol naturalizado japons, h muito a
residir em Nagasaqui e que, como historiador, tem desenvolvido
um importante trabalho de investigao do chamado "perodo
portugus" no Japo.
Os meios de comunicao social tm acompanhado o assunto com
interesse e a prpria NHK, a maior cadeia televisiva nipnica,
j emitiu um documentrio dedicado ao "Madre de Deus", com
imagens recolhidas no fundo do mar, embora pouco espectaculares
dada a espessa camada de lodo que cobre o local a imensidade de
partculas em suspenso que tornam a visibilidade quase nula.
O afundamento do navio deu-se a poucos dias da data prevista de
regresso a Macau, ou seja, em princpio j com a seda chinesa
que transportava nos pores convertida em prata japonesa. Da
que ao longo dos tempos se tenham registado vrias tentativas
para recuperar esse tesouro, como aconteceu em 1928, em que
segundo algumas informaes, tero sido apenas resgatados alguns
capacetes e uma ncora que se sups serem da nau portuguesa.
Em 1620, tripulantes de uma embarcaoshuin sen
pertencente a um mercador abastado de Quioto, que navegava na
baa de Nagasaqui afirmaram ter avistado tona de gua a ponta
de um dos mastros do "Madre de Deus" durante a baixa-mar e com
guas particularmente claras, e que a nau estaria ento a uma
profundidade de pouco mais de 10 metros. Um desses tripulantes,
impressionado com o que vira descreveu a nau a um pintor de
Nagasqui pedindo-lhe que a desenhasse.
Ser ou
no ser o "Madre de Deus"
Uma das
dvidas levantadas quanto autenticidade do achado de Matsumoto
tem a ver com a resposta a uma informao pedida ao Museu da
Marinha em Lisboa, relativamente ncora recuperada. Esta
apontava para o facto de se tratar de um ferro do tipo
"almirantado", o que nos remeteria para um perodo posterior ao
"Madre de Deus". Munido de fotos da referida ncora contactmos
em Lisboa o subdirector do Museu de Marinha que nos encaminhou
para os seus dois especialistas em ncoras, Gonalves Neves e
Jos Vale, licenciados em histria, que confirmaram tratar-se
dum ferro tipo "almirantado", mas da poca do "Madre de Deus".
Esclareceram que a confuso se poderia dever ao facto desse tipo
de ncoras, apesar de j serem conhecidas desde o sc. XV, s
terem comeado a ser designadas dessa forma desde h cerca de
dois sculos.
Colocada a mesma questo ao Centro Nacional de Arqueologia
Nutica e Subaqutica, os diversos tcnicos contactados,
incluindo o arquelogo subaqutico Paulo Jorge Rodrigues,
conselheiro cientfico do director, afirmaram no restar dvidas
de que a ncora em causa poderia ter pertencido ao "Madre de
Deus", tendo-nos inclusivamente mostrado dois ferros idnticos,
um dos quais encontrado h cinco anos numa grande embarcao de
finais do sc. XV aquando da escavao do tnel para ampliao
da rede do Metropolitano no Cais do Sodr, em Lisboa, em zona h
muito aterrada ao rio. A outra ncora apareceu tambm h poucos
anos numa nau da carreira das ndias, "Nossa Senhora dos
Mrtires", que naufragou em 1606 entrada de Lisboa, junto ao
Forte de S. Julio da Barra.
Entre os mortos do naufrgio da "Nossa Senhora dos Mrtires"
contava-se o padre jesuta Francisco Rodrigues, que em 1603 foi
enviado pela Companhia de Jesus em Nagasqui, como seu
procurador, a Roma, embarcando na nau de D. Paulo de Portugal
para Macau e da para a ndia. O padre Francisco viajava na
companhia de um cristo japons, baptizado Miguel, que
sobreviveu ao naufrgio. Para alm da ncora foram recuperados
diversos potes contendo pimenta, dois astrolbios, canhes, e
diversas peas de cermica do mesmo tipo dos fragmentos de
cermica resgatados por Matsumoto no suposto "Madre de Deus".
Mas perder os ferros como consequncia de um corte das amarras
devido a uma sbita tempestade ou por qualquer outro motivo era
relativamente frequente, pelo que as naus navegavam normalmente
com duas e trs ancoras, havendo mesmo situaes em que se tendo
perdido todas, havia que lanar mo a um qualquer ferro na
primeira oportunidade. Da que numa embarcao lusa naufragada
seja eventualmente possivel encontrar-se um ferro tipo rabe,
chins, japons, ou qualquer outro. Quer isto dizer, portanto,
que identificar s a ncora pode no significar identificar a
embarcao onde ela encontrada, em termos de arqueologia
subaqutica.
Apoios
para continuar
Os materiais
entretanto recolhidos por Matsumoto Shizuo, que conta com o
apoio cientfico de um historiador japons, o professor Shibata
ou sejam, a ncora tipo almirantado de finais do sc. XV, os
pedaos de cermica idnticos aos encontrados em outras naus
portuguesas da poca, as pinhas do tipo dos pinheiros ibricos,
e destroos de madeira de carvalho e pinho datadas como
anteriores ao afundamento da nau apontam fortemente para a
possibilidade de se tratar mesmo do "Madre de Deus".
A ser assim, isso significa que a pormenorizada descrio do
permetro em que se deu o afundamento feita pelos jesutas que o
tero presenciado poder no estar correcta.
Seja como fr, para o senhor Matsumoto no subsistem dvidas:
trata-se mesmo da nau do capito-mor Andr Pessoa. A revelao
que, em sonhos, Nossa Senhora lhe fez s poder significar que
assim , no lhe restando outra alternativa que no seja
resgatar a embarcao das profundezas. E tendo em vista o enorme
esforo financeiro que tal representa, j que se trata de
retirar primeiro o navio de pesca que est por cima, Matsumoto
encetou j a nova batalha: para motivar instituies e conseguir
financiamentos que lhe permitam levar por diante, sobretudo, um
desafio, j que para si nada pretende e tenciona doar tudo ao
municpio de Nagasqui.
Vai contando com a sua tenacidade, o apoio incondicional da
famlia e dos amigos e, talvez mesmo de Maria-san e de
Buda do qual continua devoto e que, est em crer, numa causa
como esta, no o deixar "naufragar"!
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