D. Afonso
Henriques e o Alto Minho
Teresa de Jesus
Rodrigues *
Revista de
Guimarães, n.º 106, 1996, pp. 79-93
INTRODUÇÃO
Sabendo que este
Congresso estaria subordinado ao tema “D. Afonso
Henriques e a sua
Época”, e sabendo que a história da minha terra natal,
Paderne, no
concelho de Melgaço, esteve marcada pela doação do couto
feita por este
monarca ao mosteiro local, na pessoa da abadessa D. Elvira
Sarrazins,
procuramos conhecer, na sua globalidade, as relações que D.
Afonso Henriques,
ao longo do seu governo (1128-1185), manteve com o
Alto Minho,
entendido não só no sentido tradicional de região de Entre
Minho-e-Lima, mas
também como a parte norte desta mesma região,
como a
documentação recolhida nos permite esclarecer.
A acção do nosso
primeiro Rei, mesmo antes de, em 1140, assumir
este título, não
se deteve na fronteira natural, estabelecido pelo rio
Minho, ou pela
convencionalmente traçada em terra firme, pois
conhecem-se
algumas das suas intervenções na Galiza, tanto no
contexto das
lutas em que andou envolvido com Afonso VII, – ponto
sobre o qual não
nos deteremos, porque está anunciada uma
comunicação
específica sobre este assunto – como através de doações.
Neste sentido,
pode mesmo afirmar-se que, de certo modo, seguiu a
actuação de D.
Teresa, sua mãe.
Fixando agora, a
nossa atenção, exclusivamente, na actuação de D.
Afonso Henriques
nesta região, a fim de lhe darmos o merecido relevo,
nesta visão de
conjunto, ocupar-nos-emos da sua acção e das suas
relações, aquém e
além fronteira Norte de Portugal, junto das populações,
das diversas
comunidades religiosas e, até mesmo, de alguns personagens
influentes,
respectivamente, através da concessão de forais, cartas de
* Bolseira da
J.N.I.C.T. (Junta Nacional de Investigação Científica e
Tecnológica).
couto e de
doações de bens, por motivos que a seguir serão expostos, com
o pormenor
consentido pelo tempo disponível.
Delineado assim o
conteúdo desta breve exposição passamos a
sintetizá-la nos
seguintes pontos:
1 – Doações a
particulares;
2 – Doações a
instituições eclesiásticas;
3 – e,
finalmente, a outorga do foral de Melgaço.
1 – DOAÇÕES A
PARTICULARES
D. Afonso
Henriques no momento em que pretende assumir o governo do
Condado
Portucalense, o que viria a ocorrer em 24 de Junho de 1128, data
em que se
confronta com sua mãe, D. Teresa, por motivos bem
conhecidos que é
desnecessário referir, necessitou do apoio efectivo de
parte da nobreza
do norte, fiel e comungante da força do jovem chefe, que
nunca o
desamparou na sua política arriscada e de movimentação
constante.
Vemo-lo, por
isso, recompensar os seus mais directos cavaleiros,
fazendo doações
de casais, herdades e vilas, que possuía não só na
zona do Entre
Minho-e-Lima, mas também além fronteira, procurando
de certo modo
adquirir novos recursos para melhor concretizar a sua
audácia política.
Assim, D. Afonso
Henriques, a 15 de Maio de 1128, faz doação a
Mendo Afonso de
um condado que possuía em Refojos de Lima,
alegando como
motivo o bom serviço que este lhe tinha prestado e
continuava a
prestar1. Pela data, esta doação é anterior ao momento
decisivo da
Batalha de S. Mamede, constituindo como que uma forma
de incentivar e
recompensar o apoio prestado. Com efeito, segundo
Alexandre
Herculano, apesar de D. Afonso Henriques ter abandonado
sua mãe e se ter
dirigido para a província do Entre Douro-e-Minho no
mês de Abril, só
meses mais tarde, mais concretamente a 24 de Junho
de 1128, é que se
deu o “estalar” da Batalha.2
Decorridos quase
dois anos, a 6 de Janeiro de 1130, confirmou a favor
de Nuno
Guilhulfes e seus irmãos, Mendo e Diogo, umas propriedades
que possuía
também em Refojos de Lima. Tal doação constituía uma
1
A.N.T.T. – Conventos de Viana do Castelo, cod. nº 78, fl.
158, pub. in “Documentos
Medievais Portugueses. Documentos Régios”, t. I, Lisboa, Academia
Portuguesa de
História, 1955-1980, p. 110 (Doc. 88).
2
HERCULANO, Alexandre – História de
Portugal. Desde o Começo da Monarquia até ao
fim do reinado de D. Afonso III, t. I,
Lisboa, Bertrand Editora, 1989, pp. 380-381.
gratificação por
o terem ajudado na luta contra D. Teresa e o partido
castelhano e
também por 100 bragais3 que lhe tinham sido dados, os
quais depois
entregou a Fernão Peres.4
Ainda nesse ano,
a 18 de Setembro de 1130, doou a Sancho Rodrigues
umas
propriedades, chamadas casal de “Ramondo” e “Gaindi”, sitas no
reguengo entre
“Berredo” e “Parada Vedra” e “Castrusando”, junto ao
regato “Berredo”
sob o monte Calvo. Rui Pinto de Azevedo identifica-as
como pertencentes
ao concelho de “La Bola”, na província de Orense5,
sem no entanto,
fazer qualquer menção do motivo em que fundamenta
esta afirmação.
Apenas sabemos que se trata de uma doação de terras
que possuía além
fronteira, ou que, pelo menos, considerava suas.
Sabendo, porém,
que D. Teresa, devido às questões suscitadas em
1127 e à entrada
do rei de Leão em Portugal, provavelmente terá
perdido o domínio
sobre Tui e Orense, vendo D. Afonso Henriques a
sua herança
restringida ao antigo condado ou província de seu pai,
uma questão se
pode levantar:
– Até que ponto
será possível aceitar que D. Afonso Henriques, em
1130, tenha
propriedades em Orense ?
Será que os
adquiriu na incursão que fez à Galiza, neste mesmo ano,
com o intuito de
alargar os seus domínios para além do rio Minho?
A nosso ver, esta
é a única resposta, que de algum modo contraria a
tese de A.
Herculano, ao referir que, regressou ao condado sem ter
encontrado
qualquer resistência à sua tentativa, devido ao malogro da
empresa
castelhana, nem sofreu qualquer vingança da parte de Afonso
Vil. O que
implicava que se tivesse contentado com os resultados
ordinários
daquelas correrias, muitas vezes suscitadas pelos ódios dos
príncipes e até
mesmo pela cobiça sem qualquer outro pensamento
político6. Esta é
também a opinião de Joaquim Veríssimo Serrão ao
afirmar que D.
Afonso Henriques não conseguiu atingir o seu objectivo
de expansão para
além do rio Minho. 7
3
O Bragal é um pano de linho grosso e devia constar de 8
varas. Vd. VITERBO, Fr.
Joaquim de Santa Rosa de – Elucidário das Palavras Termos e
Frases, vol. II, Porto /
Lisboa, Liv. Civilização, 1865, p. 140.
4
KOPKE, Diogo – Apontamentos Archeológicos, p. 34, pub. in
“Documentos Medievais
Portugueses. Documentos Régios”, t. I, p. 130 (Doc. 107).
5
A.H.N. (Madrid) – Cartulário de Celanova (cod. 1237), fl. 96,
pub. in “Documentos Medievais
Portugueses. Documentos Régios”, t. I, p. 136 (Doc. 113).
6
HERCULANO, Alexandre – o. c., pp. 400-403.
7
SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de
Portugal. Estado, Pátria e Nação (1080-
1415), vol. I, 2ª ed., Lisboa, Ed. Verbo,
1978, p. 82.
Dentro desta
política de expansão para norte da fronteira, vêmo-lo, a
28 de Setembro de
1132, conceder carta de doação de uma vila
chamada Varzena
de Burral, localizada no concelho de Ponte de Lima,
ao conde Rodrigo
Peres, não só pelos serviços prestados mas também
pela amizade que
lhe tinha.8
Isto significa
que, D. Afonso Henriques, na tentativa de estender a sua
autoridade sobre
o condado de Límia, aproveitasse as rivalidades entre
os representantes
da nobreza galega, para atrair a si o conde D.
Rodrigo Peres,
titular desse território9, o que terá conseguido, pois
recompensado por
isso.
D. Afonso
Henriques procurou afirmar a sua soberania na zona de
Límia,
construindo aí o Castelo de Celmes, tendo suscitado uma forte
intervenção de
Afonso VII, que destruiu o castelo e obrigou os condes
de Límia e de
Toronho a prestarem- -lhe vassalagem.
A partir desta
data não há notícias de que o “Infans” ou “Princeps”
dos
portugueses, tal
como ele se intitulava tenha feito mais doações a
particulares.
2 – DOAÇÕES A
INSTITUIÇÕES ECLESIÁSTICAS
2.1 – DOAÇÕES A
INSTITUIÇÕES ECLESIÁSTICAS PORTUGUESAS
Os antigos
mosteiros, existentes, desde havia muito, no Norte, muitos
deles protegidos
pelos nobres seus padroeiros ou que viviam nas suas
imediações,
também não foram esquecidos por D. Afonso Henriques,
que lhes outorgou
numerosas cartas de couto, com os direitos
senhoriais a elas
inerentes, sobre territórios mais ou menos extensos.
Com estas cartas
de couto, se, por um lado, o Infante, Príncipe e
futuro Rei,
procurava favorecer, atrair e recompensar alguns senhores,
por outro,
retribuía favores e bens recebidos, como cavalos, mulas e
dinheiro, sem
esquecermos que implicava instituições monásticas e
religiosas e os
seus titulares na ocupação, exploração e organização
económica, social
e militar destes territórios imunes.
As cartas de
couto são mais numerosas, aproximadamente, até 1150,
ou seja durante o
período em que o rei necessitava do auxílio dos
senhores do Norte
para organizar as suas expedições. A partir da
8
Esta propriedade outrora tinha sido pertença do conde Nuno Mendes.
A.D.B. – Liber Fidei, fl.
119v, doc. 427 e fl. 200v, doc. 755, pub. in “Documentos Medievais
Portugueses.
Documentos Régios”, t. I, p. 150 (Doc. 128).
9
MATTOSO, José (dir. de) – História de Portugal. A Monarquia
Feudal (1090-1480), vol.
2,
Lisboa, Ed. Estampa, p. 59.
conquista de
Lisboa, sem deixar de precisar das contribuições
materiais e
apoios humanos da nobreza nortenha10, em boa parte
neutralizados
pelas distâncias a vencer, praticamente cessam as
concessões deste
género. Mas vejamos o que a documentação nos diz:
– Assim, a l de
Junho de 1129, D. Afonso Henriques outorga carta de
couto ao mosteiro
de Carvoeiro, sito no concelho de Viana do Castelo
(vale do Lima),
em honra de Serraceno Osóris e por um bom cavalo e
por uma
“lorica”11 que lhe tinham sido dados.12
A 25 de Junho do
mesmo ano favorece igualmente o mosteiro de S.
Salvador da
Torre, sito no mesmo concelho, onde, para além de motivos
de ordem
espiritual, considerou como preço desse couto, o facto de Paio
Pais se ter
comprometido a servi-lo com seus homens durante três
anos sem soldada
os dois cavalos dados por Soeiro Guterres, avaliados
em 580 moios; um
cavalo dado por Paio Guterres, avaliado em 240
moios; e, uma
mula e um vaso de prata, avaliados em 480 Moios.13
Tudo parece
indicar que este apoio lhe foi dado aquando da Batalha de
S. Mamede, o qual
retribuiu generosamente, concedendo carta de
couto ao mosteiro
que aqueles nobres, a nosso entender,
patrocinavam.
Muitos mosteiros
receberam também, cartas de couto com o intuito de
estimularem o
povoamento e a defesa dentro dos seus limites. Assim
aconteceu com o
mosteiro de S. Fins de Friestas, no concelho de
Valença, zona
fronteiriça, coutado no Natal de 1134.14
Posteriormente, o
vencedor de Ourique15, com o objectivo de anular o
disposto no
tratado de Tui, de 1137, volta a invadir a Galiza pelo lado
de Tui, ainda em
finais de 1139 ou princípios do ano seguinte, e, por
10
Idem – o. c., p. 66.
11
A lorica era uma sais de malha, vestidura militar, coberta de
lâminas, anéis ou escamas de
ferro ou aço e constituía uma boa parte das armas defensivas de um
completo guerreiro, vd.
VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de – o. c., vol. II, p.
370.
12
A.N.T.T. – Reg. Afonso II, fl. 64, pub. in “Documentos
Medievais Portugueses. Documentos
Régios”, t. I, pp. 124-125 (Doc. 100).
13
A.N.T.T. – Cr. Conventos Diversos, m. único, doc. 3, cop.
Séc. XII, pub. in “o. c.”, pp.
122-123 (Doc. 99).
14
A.N.T.T. – Cr. Conventos Diversos, m. único, doc. 4, cop.
Séc. XIII, pub. in “o. c.”, pp.
165-166 (Doc. 142).
15
Só após a Batalha de Ourique, em 1139, é que D. Afonso Henriques
passa a ser nomeado
rei, já que a expressão régia só aparece em documentos posteriores:
“Rex Alphonsus
Portugalensium Princeps” na carta de 1-5
de Fevereiro de 1140 (D.R., p. 214) e também na
de
16 de Abril de 1141 (D.R., p. 229).
isso, provocou
nova reacção de Afonso VII, encontrando-se os dois
exércitos perto
de Valdevez.16
Ora, é neste
contexto e neste período, mais concretamente entre l e 5
de Fevereiro de
1140, que D. Afonso Henriques concede carta de couto
ao mosteiro de
Vila Nova de Muía (concelho de Ponte de Barca).
Subjacente a esta
doação estava o apoio que lhe tinha sido prestado e
que se traduzia “pro
illo cavallo et pro illa mulla qui fuerunt de Henricu
Cendonis” bem
como “pro illos abbates Suarius et pro amore cordis
mei quem erga eum
habeo ut habeant ibidem in vita sancta
perseverantes
refectionem und vivant...”17
No ano seguinte,
a 16 de Abril de 1141, D. Afonso Henriques couta
também o mosteiro
de S. Salvador de Paderne, em recompensa pelo
auxílio prestado
pela abadessa Elvira Serrazins, quando ele foi tomar o
castelo de Castro
Laboreiro, auxílio esse materializado em: 10 éguas com
seus potros; 30
moios de vinho e um cavalo avaliado em 500 soldos e 100
áureos.18
Isto significa
que terá sido numa das incursões do conde galego,
Fernando Anes
(Alcaide de Alhariz) que os portugueses perderam o
castelo de
Laboreiro, que depois, como acabamos de ver, D. Afonso
Henriques foi
tomar pessoalmente. Na verdade, os ataques do nosso
primeiro rei à
Galiza eram de vaivém, uma vez que tinha de acudir,
por vezes, à
fronteira do sul confinante com os mouros.
Na carta de couto
do mosteiro de Paderne está explícita a
obrigatoriedade
de atender convenientemente os hóspedes, os pobres
e os peregrinos –
“et hospites ac peregrinos recipiant...”19 o mesmo se
verificando na
concedida ao mosteiro de Vila Nova de Muía20, o que
demonstra que D.
Afonso Henriques, tal como D. Teresa, não descurou
a protecção aos
peregrinos e quaisquer outros viandantes.
Entre 1148 e
1154, D. Afonso Henriques, a pedido de Mendo Afonso,
transferiu para o
mosteiro de Refojos de Lima o couto do mesmo
nome,
anteriormente por ele dado ao mencionado impetrante e a seu
irmão, Pedro
Afonso, prior desta comunidade Agostinha, explicitando o
16
HERCULANO, Alexandre – o. c., pp. 337-338.
17
A.N.T.T. – Conventos de Viana do Castelo, m. 449 e m. 443,
pub. in “Documentos
Medievais Portugueses. Documentos Régios”, t. I, p. 214 (Doc. 175).
18
Documentos para a História Portuguesa, p. 150, nº 186, pub.
in “o. c.” p. 229 (doc. 186).
19
Ibidem.
20
A.N.T.T. – Conventos de Viana do Castelo, m. 449 e m. 443,
pub. in “o. c.”, p. 214 (Doc.
175).
documento régio
que este couto lhes tinha sido doado, “... pro servitio
quod mihi
fecerum... et pro CC morabitinos”.21
Finalmente, a 24
de Outubro de 1173 este mesmo monarca fez uma
importante doação
ao mosteiro de Fiães, então ainda beneditino,
outorgando-lhe
todos os bens que ele possuía desde Melgaço até ao termo
de Chaviães e de
Cótaro até ao rio Mínho.22
Foi aqui que se
veio a construir uma granja da mosteiro e mais tarde
se ergueu essa
“jóia da arquitectura românica”, que é a capela da
Orada.23
2.2 – DOAÇÕES A
INSTITUIÇÕES ECLESIÁSTICAS GALEGAS
D. Afonso
Henriques, movido por situações de vária ordem, também não
descurou as
instituições eclesiásticas galegas.
Pelo que e após a
desgraça de Celmes, que no entender de Alexandre
Herculano
“refreara” a audácia do nosso príncipe e o induzira numa
política de
pacificação24, a 19 de Maio de 1136 doou ao mosteiro de S.
Justo de Tojos
Outos, na Galiza, a vila rústica de Paredes, que possuía
na antiga terra
de S. Martinho (concelho de Viana), com todos os seus
direitos e
pertenças e pelos limites antigos: “... de Meadela ad inde sicut
dividitur per
medium fluvium Limiam et inde per portem de Portuzelo et
per petras de
sixtu et per portum de Rivo Maiori et inde per Luzenzam de
Sunegildi et inde
sicut ascendi ad montem Tarrugio”.25
Embora
aparentemente se trate de uma simples doação, na prática D.
Afonso Henriques
instituiu aí um couto pois abdicou a favor do abade
de todos os
direitos que aí tinha, inclusive judiciais. Os habitantes não
seriam julgados
perante o Rei, mas sim perante o abade, prior, ou
aquele que
tivesse o encargo de governar o mosteiro: “... nom
respondeant
alicui de furto de homicidio de Rausso facendaria aut
fossadaria seu de
aliqua calumpnia vel foro aut servido quo alii
21
A.N.T.T. – Conventos de Viana do Castelo, cod. 78, fl. 104,
pub. in “o. c.”, p. 278 (Doc.
207).
22
A.D.B. – Livro das Datas (cartul. De Fiães, séc. XIII), fl.
2v, pub. in “o. c.”, p. 318 (Doc.
418).
23
MARQUES, José – O Mosteiro de Fiães, Braga, 1990, p. 24.
24
HERCULANO, Alexandre – o. c., p. 410.
25
A.H.N. (Madrid) – Clero Secular e Regular, most. Tojos Outos,
Or (?) conf. Sancho I,
pub. in “Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios”, t. I,
p. 183 (Doc.
154).
homines nobis
tenentur respondera nisi tantum abbati suo vel priori
vel illis qui res
monasterii de illorum mandato tenuerint”.26
No ano seguinte,
e aproveitando as circunstâncias políticas favoráveis,
procurou vingar
Celmes e ao mesmo tempo concretizar o seu sonho de
dilatar os seus
estados para norte, na Galiza. Um novo período de
guerra se inicia,
da qual a vitória parecia sorrir a D. Afonso Henriques.
Porém, teve como
desfecho o célebre tratado de Tui, o qual contra a
tese tradicional
do insucesso27 foi interpretado por Torquato de Sousa
Soares como um
“pacto bilateral de amizade”.28
É dentro deste
contexto que D. Afonso Henriques faz doação e
coutamento da
vila chamada Vinea – mais tarde Viana – a favor da Sé
de Tui, para a
compensar pelos danos que lhe tinha causado aquando
da guerra.29
Quando, por fim,
a fronteira de Portugal se fixou no rio Minho, na
sequência do
grave revés sofrido por D. Afonso Henriques que, ferido e
preso em Badajoz,
em 1169, se viu obrigado a renunciar à pretensão
de estabelecer a
fronteira de Portugal na ria de Vigo, doou à Sé de Tui
o reguengo de
Bembribe (próximo de Vigo), com a sua igreja e 17
casais, bem como
cinco barcos que tinha em Sta. Maria de Vigo.30
3 – OUTORGA DO
FORAL DE MELGAÇO
D. Afonso
Henriques, para além de ter beneficiado particulares e
instituições
eclesiásticas, também concedeu a Melgaço carta de foral.
Documento que
elevou esta povoação à dignidade de município ou
concelho.
Em relação a esta
carta foralenga, convém recordar que a data,
expressa de forma
anormal, se costuma ler 1181, mas a crítica,
26
A.H.N. (Madrid) – Clero Secular e Regular, most. Tojos Outos,
Or (?) conf. Sancho I,
pub. in “o. c.” t. I, p. 183-184 (Doc. 154).
27
HERCULANO, Alexandre – o. c., p. 421.
28
SOARES, Torquato de Sousa – Significado Político do Tratado de
Tui de 1137, in
“Revista Portuguesa de História”, t. I, Coimbra, 1943, pp. 321-334.
29
Sé de Tui, Libro Quinto de Privilégios Reales Echos a Esta Santa
Iglesia, perg. 3,
cop. Séc. XII, pub. in “Documentos Medievais Portugueses. Documentos
Régios”, t. I,
p.
200 (Doc. 164).
30
A nosso ver achamos importante referir os casais dados por D. Afonso
Henriques à
Sé
de Tui e que passamos a enumerar: em Cerqueda, Outeiro, Maldi,
Mandim e
Recarei, dois casais; em Bembribe, Salzido, Sá e S. Cipriano um
casal; e por fim, em
Bugam, três casais. Vd. Sé de Tui – Libro Quarto de Privilégios
Reales, perg. 7, pub. in
“o. c.”, pp. 381-382.
conferindo as
datas dos cargos exercidos pelos magnates que o
subscrevem,
inclina-se para o ano de 1183.31
Fosse de um ou de
outro ano, pelo dito foral vê-se que Melgaço era
uma unidade
territorial antiga, talvez uma vila romana ou castro
atendendo à
configuração do terreno em que a vila se implantou, vila
que deve ter
sucedido a uma póvoa ou pobra, isto é, povoação
anterior.
Trata-se de uma
terra que já tinha sido delimitada anteriormente, pelo
que D. Afonso
Henriques a concedeu aos seus moradores com uma
certa
independência administrativa e judicial, outorgando-lhe um foral
igual ao modelo
de Ribadávia, na Galiza, como lhe tinha sido pedido
por eles.
Expressamente o rei diz que lhes concede a terra “... cum
suis terminis et
locis antiquis...” por onde os pudessem descobrir ou
reclamar.
O património
concelhio foi-lhes ainda aumentado com a metade
indivisa de
Chaviães, que era do rei, impondo como condição, nesta
concessão, que
edifiquem a povoação e nela residam32. Poderia tratarse
tanto de uma
reconstrução como de um repovoamento.
Este modelo de
foral constituiu no seu conjunto a forma mais
adequada,
encontrada pelos moradores de Melgaço e apoiada pelo rei,
para organizar o
território, para o povoar, para incrementar o seu
desenvolvimento
económico e para o defender, dado que se
encontrava em
zona fronteiriça.
Para alcançar
esses objectivos orientavam-se certas disposições,
exaradas na
respectiva carta de foral, referentes aos foros, tributos e
penas que
incidiam sobre a vida dos moradores e também sobre
pessoas estranhas
ao concelho, de que salientamos apenas alguns
aspectos:
– A relativa
leveza da carga fiscal a pagar ao rei pelos moradores, já
que, apenas
teriam de lhe pagar, anualmente, por suas casas, um
soldo, e os
carniceiros dois, sendo metade paga depois do Natal e a
outra metade três
dias após a Assunção de Sta. Maria33 e seis
dinheiros de
colheita. De tudo o cultivado, comprado ou vendido
apenas pagariam a
dizima à igreja, com vista à defesa da agricultura e
aumento do
comércio.
31
A.N.T.T. – Reg. Afonso II, fl. 22v, pub. in “o. c.”, p. 475
(Doc. 353).
32
Ibidem.
33
É o 18 de Agosto.
– O incremento e
protecção concedida ao comércio local, pois os
mercadores da
vila beneficiavam de certas regalias em relação aos
mercadores
“estranhos” – leia-se aqui galegos. Enquanto estes de tudo
o que vendessem
tinham de pagar ao rei ou seu representante
determinada
quantia, estipulada numa pauta, aqueles perante
ninguém teriam de
dar satisfação. Por outro lado, tenta-se também
pôr cobro à
utilização de medidas falsas através da aplicação de
coimas: “ De
falso cubito et de tota medida... pro falsitate V soldos
reddat ”.34
– A luta contra
os delitos e infracções cometidas, através de
adequadas penas.
Entre esses podemos apontar: homicídio, roubo,
violação do
domicílio, agressão em recinto público, injúria, penhora
indevida, etc. O
produto das coimas aplicadas revertia tanto em favor
da vítima e do
poder régio, como do concelho.35
A instituição do
concelho assentava então, numa carta de foral,
diploma que
regulava a administração, as relações sociais e os direitos
e encargos dos
moradores.
CONCLUSÃO
Em conclusão
poder-se-á asseverar que, durante o seu longo reinado,
D. Afonso
Henriques manteve uma relação relativamente frequente
com as gentes do
Alto Minho quer pessoalmente quer através de
diversas cartas
outorgadas. Relação essa que é mais intensa durante a
primeira parte do
seu governo, nomeadamente enquanto precisou do
apoio da nobreza
nortenha para alcançar os seus objectivos de
expansão do
condado para além da fronteira representada pelo rio
Minho.
Pelo que se
conhecem, várias intervenções deste na Galiza tendo como
consequência a
reacção de Afonso VII, que, por vezes, procurou tirar a
desforra na zona
do Entre Minho-e-Lima, levando ao confronto entre
os dois primos.
Como forma de
recompensar ou atrair aqueles que o tinham apoiado
fez-lhes doação
de casais, herdades e até vilas e ao mesmo tempo
concedeu
numerosas cartas de couto aos mosteiros, de que muitos
destes nobres
eram patronos.
34
A.N.T.T. – Reg. Afonso II, pub. in “o. c.”, p. 475.
35
A.N.T.T. – Reg. Afonso II, pub. in “o. c.”, p. 476-477.
Beneficiou
igualmente as instituições eclesiásticas galegas não só
através de
herdades ou vilas que possuía dentro do seu condado,
como das que
tinha adquirido além fronteira.
Finalmente
procurou também reorganizar a vida administrativa,
económica e
social, outorgando a Melgaço carta de foral, segundo o
modelo de
Ribadávia e que apresentava a particularidade de lhe ter
sido pedido pelos
seus moradores.
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