Portugal e a Espanha são países amigos. Dizemos
frequentemente que são países irmãos. Têm história comum,
língua aproximadamente igual, tradições idênticas. São
frequentes os pontos de contacto da nossa cultura e
civilização. A influência que mutuamente exercemos é enorme e
não podemos negá-la nem destruí-la.
Conhecendo melhor a História da Espanha, compreenderemos
melhor a História de Portugal. As duas confundem-se muitas
vezes com a crónica das respectivas famílias reais.
Entendemos, pois, haver conveniência em seguir um por um os
laços de parentesco que as ligam entre si. A árvore
genealógica das duas casas reinantes tem muitos ramos comuns.
* * *
No tempo de Cristo, a Península Ibérica estava integrada no
Império Romano, era dominada pela complexa mas perfeita
estrutura política de Roma. Falava-se aqui o Latim, língua da
região e cidade de Roma, o Lácio. Os costumes dos seus
naturais foram substituídos por outros, trazidos pelos homens
do Império ou integrados nele, os funcionários, os
comerciantes e os soldados.
Vieram depois os povos bárbaros. Vários ramos deles se
estabeleceram no território peninsular. Os suevos e os
visigodos foram os principais. As normas administrativas
sofreram a sua influência, ao princípio caótica e demolidora
mas depois ordenada e benéfica. Após a sua conversão ao
Catolicismo, os visigodos e suevos transformaram-se nos
grandes pilares da Fé e da Civilização, nas Espanhas. Estes
povos tinham qualidades que suplantavam as dos romanos, um
povo então decadente.
Chegaram finalmente os árabes. Tomaram conta de todo o
território da Península Ibérica, com excepção das zonas
montanhosas do norte, as Astúrias e as Vascongadas.
Refugiou-se aqui um punhado de hispanos, chefiado por Pelágio.
Os invasores e usurpadores infiéis começaram desde logo a ser
repelidos. A gesta da Reconquista prosseguiu. O problema era
não só hispânico mas também europeu. O conhecido Carlos Martel
viu a gravidade da situação e opôs a força dos seus exércitos
à marcha vitoriosa dos árabes, vencendo-os na batalha de
Poitiers.
Prosseguiu, no entanto, a luta entre cristãos e mouros.
Portugal deu por finda a conquista do seu território em 1249,
enquanto a Espanha só lhe pôs termo bastantes anos depois, em
1492.
LEÃO E CASTELA
D.AFONSO VI (1065-1109)
O rei de Leão e Castela, D.Afonso VI, era filho de Fernando I,
vulgarmente chamado Fernando Magno. Recebera o trono de Leão
por herança directa de seu pai, e o de Castela por morte de
seu irmão, D.Sancho II. Teve de jurar estar isento de culpas
na sua morte, pois foi assassinado. D.Afonso VI fez esse
histórico juramento na igreja de Santa Águeda, em Burgos. O
rei castelhano D.Sancho II era muito querido do povo e a sua
morte foi muito sentida.
D.Afonso VI fez prender, ardilosamente, seu irmão Garcia,
rei da Galiza, e apoderou-se dos seus domínios. Seu pai tinha
dividido o reino pelos cinco filhos, mas D.Afonso VI conseguiu
apoderar-se de todo aquele território.
Conquistou Toledo, onde estabeleceu a corte. Foi derrotado
em Zalaca e Uclés. O célebre Cid, o Campeador, ainda tomou a
cidade mediterrânica de Valença, que teve de ser abandonada; o
rei reconheceu que não havia vantagem em sustentar uma praça
de guerra tão profundamente encravada em território inimigo.
D.Afonso VI foi um dos reis que maior influência exerceu na
gesta da reconquista do território de Portugal. Chamou a si
alguns fidalgos e aventureiros europeus, que tomaram parte na
luta. Distinguiram-se entre eles Raimundo de Borgonha, seu
irmão Henrique, e o primo destes, Raimundo de Amous, sobrinhos
e protegidos de D.Constança, rainha cônjuge de Leão e Castela.
Casaram com as filhas do rei, D.Urraca, D.Teresa e D.Elvira,
respectivamente.
D.URRACA (1109-1126)
D.Urraca sucedeu no trono a seu pai D.Afonso VI. Casou com
Raimundo de Borgonha e desse matrimónio nasceu o seu sucessor,
D.Afonso VII. Depois de viúva, casou com o rei D.Afonso I de
Aragão, mas este casamento foi anulado. O seu governo ficou
marcado por períodos de guerra e de tréguas com sua irmã
D.Teresa, Condessa de Portugal, tendo algumas vezes chegado a
fazer as pazes. No entanto, nunca aceitou a sua independência.
D.AFONSO VII (1126-1157)
A História de Espanha chama ao rei D.Afonso VII, neto de
D.Afonso VI e filho de D.Urraca, o "Imperador", devido a ter
estendido bastante o território conquistado aos mouros. A mais
famosa das suas conquistas deve ter sido a da cidade de
Almeria, importante porto do sul da Espanha.
Depois da sua morte, os seus reinos foram repartidos pelos
filhos, segundo o costume das monarquias peninsulares da
época. D.Sancho III recebeu Castela e D.Fernando II ficou com
o território de Leão.
D.Afonso VII tem para nós grande interesse por ter sido ele
que reconheceu a independência de Portugal, pelo Tratado de
Samora, em 5 de Outubro de 1143.
D.SANCHO III (1157-1158)
Era filho de D.Afonso VII. Celebrou com seu irmão D.Fernando
II, rei de Leão, um tratado para a conquista e partilha entre
si do reino de D.Afonso Henriques. O seu curto e
insignificante reinado não lhe permitiu, felizmente, realizar
os projectos arquitectados.
D.Sancho III instituiu a Ordem de Calatrava, desde logo
introduzida em Portugal, onde é conhecida pela designação de
Ordem de Avis, poderosa e influente organização militar que
tinha a sua sede na vila deste nome, no Alentejo.
D.Fernando II, rei de Leão, instituiu a Ordem de Santiago
de Compostela, vulgarmente conhecida entre nós pela
denominação de Santiago da Espada. O nome vem-lhe, segundo
alguns autores, de a cruz ter a forma de uma espada. Foi
introduzida em Portugal ainda no tempo de D.Afonso Henriques.
D.AFONSO VIII (1158-1214)
Era filho de D.Sancho III. Herdou o trono sendo ainda muito
jovem. Enquanto pequeno, houve sangrentas lutas pela posse do
poder, travadas particularmente entre as duas famílias rivais,
Castros e Laras. Porém, ao chegar à maioridade, o rei
conseguiu sacudir a tutela estranha e a influência de ambas,
governando os seus estados em paz e com a preocupação de
justiça.
Deve-se-lhe o "Fuero Viejo de Castilla", que regulava os
privilégios da nobreza.
Fundou a Universidade de Palência, depois transferida para
Valhadolid. Foi a primeira que se estabeleceu na Península
Ibérica, tendo sido fundada em 1208.
Auxiliado por elementos guerreiros de todas as regiões da
Península, entre os quais se contavam algumas tropas
portuguesas, venceu os mouros na batalha de Navas de Tolosa. O
auxílio lusitano parece não ter sido oficial, mas de
iniciativa particular, o que era frequente naquela época.
Depois de os mouros conquistarem a cidade de Silves e
outras terras do sul, o exército dos infiéis atacou D.Afonso ,
que sofreu uma dura derrota na famosa batalha de Alarcos, na
qual perdeu a vida o príncipe herdeiro do trono, D.Fernando. O
rei de Leão, D.Afonso IX, uniu-se aos mouros na luta contra os
príncipes cristãos; por esse motivo, o Papa castigou-o com a
pena de excomunhão.
Combatiam contra os mouros os reis de Aragão, Castela e
Portugal, aos quais foram concedidas pelo Sumo Pontífice, as
mesmas indulgências que eram concedidas aos cruzados do
Oriente.
No tratado de paz, D.Afonso IX comprometeu-se a casar com
D.Berengária, filha do rei de Castela. O casamento foi mais
tarde anulado, por razões de consanguinidade.
D.Afonso VIII fez questão em que o rei de Leão restituísse
ao nosso País as terras arrebatadas durante as lutas que
D.Afonso II travou contra as irmãs. O rei leonês casara em
Portugal com D.Teresa, irmã do nosso monarca, e por isso tinha
interesses a defender na luta travada.
D.HENRIQUE I (1214-1217)
O reinado deste soberano foi muito curto. Governou em todo
este período a sua irmã e sucessora, D.Berengária. Inclui-se o
seu nome na lista cronológica dos reis de Castela por ter
morrido o herdeiro presumptivo do trono, seu irmão D.Fernando,
como já vimos, na batalha de Alarcos.
D.Henrique I morreu de desastre. Andando a brincar com
outros jovens da sua idade, sofreu um acidente de que veio a
falecer.
D.BERENGÁRIA (1217-1217)
Herdou o trono por terem morrido os seus dois irmãos,
D.Fernando, em combate, e D.Henrique, por acidente. Abdicou
logo a seguir em seu filho D.Fernando, herdeiro presumptivo do
trono de Leão, sucessor de D.Afonso IX, o rei seu pai.
Para poder abdicar, ou talvez ainda antes de resolver
fazê-lo, foi coroada rainha de Castela, na cidade de
Valhadolid. O rei leonês, seu marido, de quem estava separada
por ter sido anulado o casamento, não aceitou de boa vontade
as negociações em que a sua voluntariosa esposa se embrenhou,
pois desejava ocupar ele o lugar de monarca castelhano. Mas
D.Berengária não acedeu às suas exigências.
Sustentou as pretensões de seu filho D.Fernando III ao
trono de Leão, contra os hipotéticos direitos de D.Dulce e
D.Sancha, filhas de D.Afonso IX e de D.Teresa de Portugal.
Compreendeu que "mais vale ruim acordo que boa demanda" e
assim, em vez de se entregar a lutas estéreis e destruidoras,
veio ao nosso País e resolveu tudo a seu contento. Pagou às
filhas de D.Teresa uma avultada pensão, mas garantiu ao
próprio filho a sucessão no trono leonês.
D.FERNANDO III (1217-1252)
Era filho de D.Berengária de Castela e de D.Afonso IV de Leão,
D.Afonso IX de Castela; não se esqueça, contudo, que a
numeração normalmente atribuída a este monarca é a respeitante
à coroa castelhana, como facilmente se pode verificar.
Encontraremos a seguir o rei D.Afonso X.
Logo que subiu ao trono, D.Fernando III castigou
exemplarmente os fidalgos que haviam procurado lançar o reino
nos horrores da guerra civil. Era dotado de grande valentia
nos combates e de grande habilidade diplomática. Foi um dos
mais gloriosos monarcas castelhanos, óptimo legislador, bom
político, organizador consciencioso, protector da cultura,
promotor do fomento nacional e virtuoso em alto grau.
Ocupou Córdova e Jaén, além de outras importantes cidades
do sul da Espanha. Foi neste reinado que o rei de Aragão e
senhor da Catalunha, D.Jaime I, conquistou as ilhas Baleares,
assim como a cidade de Valência, na costa oriental da
Península.
Com a conquista e ocupação do reino mouro de Múrcia, as
fronteiras de Castela ficaram com uma grande extensão de
costa, no Mediterrâneo, e alguns bons portos ao sul e sueste.
Também ocupou a cidade de Sevilha, em cuja acção se
distinguiram alguns fidalgos portugueses, salientando-se entre
eles o Infante D.Pedro, segundo referem alguns autores
espanhóis. Cremos tratar-se do filho de D.Sancho I, o mesmo
que chegou a ser "Rei das Baleares".
As fulminantes conquistas de D.Fernando III puseram em
perigo a posse do Algarve, por parte de Portugal. Talvez isso
levasse o nosso rei D.Afonso III a apressar a sua conquista,
aproveitando a oportunidade que surgia.
D.Fernando III transferiu a Universidade de Palência para
Valhadolid. Por influência e iniciativa de D. Rodrigo Ximenez
de Rada, arcebispo de Toledo, fundou-se a Universidade de
Salamanca, em 1240. Cinquenta anos depois, era fundada a nossa
Universidade de Coimbra. Este monarca é vulgarmente conhecido
pela designação de São Fernando.
***
Ao conceder ao Conde D.Henrique, por ocasião do seu
casamento com D.Teresa, o governo do Condado Portucalense, o
rei D.Afonso VI deu existência prática, talvez involuntaria e
inconscientemente, ao reino de Portugal. O facto ocorreu em
data mal determinada, provavelmente em 1093. Por essa altura,
em 1095, começavam as historicamente famosas Cruzadas do
Oriente.
O rei D.Afonso VII era filho de D.Urraca, irmã de D.Teresa
de Portugal. O nosso primeiro rei era, portanto, primo coirmão
do rei de Castela. Houve uma guerra entre os dois, porque
D.Afonso VII não estava resolvido a reconhecer a independência
portuguesa. Foi derrotado pelas tropas de D.Afonso Henriques
nas escaramuças de Cerneja e Arcos de Valdevez.
Por influência da Santa Sé, que enviou à Península o
cardeal Guido de Vico, o rei de Leão e Castela reconheceu a
nossa independência pelo Tratado de Samora, assinado em 5 de
Outubro de 1143.
D.Mafalda, filha de D.Afonso Henriques, casou com o rei de
Aragão, D.Afonso II, tendo falecido em 1196.
O rei de Leão, D.Fernando II, casou com outra filha de
D.Afonso Henriques, D.Urraca de Portugal, em 1165. Alguns
historiadores afirmam que foi repudiada; outros, porém, dizem
que o casamento foi anulado por razões de parentesco. Os dois
cônjuges eram bisnetos de D.Afonso VI.
Deste matrimónio nasceria o rei D.Afonso IX, rei-cônjuge de
Castela, monarca reinante em Leão; como soberano leonês, é por
vezes designado pelo denominativo D.Afonso IV
D.Sancho I, rei de Portugal, casou com D.Dulce de Aragão,
filha de D.Raimundo e de D.Petronilha, tendo-se celebrado o
matrimónio pelo ano de 1174.
O rei de Leão, D.Afonso IX, veio a casar com uma princesa
de Portugal, a Beata D.Teresa, filha de D.Sancho . Este
casamento foi mais tarde anulado, também sob o pretexto de
consanguinidade. Havia sido celebrado em Guimarães, no ano de
1191. Os dois esposos eram ambos netos de D.Afonso Henriques.
Dizem alguns autores que ele a amava extremamente e que só se
separaram em obediência à disciplina da Igreja; defendeu pelas
armas os prováveis ou supostos direitos de sua esposa (e de
seus irmãos dela) contra a ambição do nosso rei D.Afonso II.
A futura rainha de Portugal, D.Mécia Lopes de Haro, mulher
do rei D.Sancho II, era neta de D.Afonso IX; nascera de sua
filha natural, D.Urraca Afonso.
D.Urraca de Castela, filha de D.Afonso VIII, casou com o
nosso rei D.Afonso II. O bispo do Porto, ao tempo D.Martinho
Rodrigues, ainda levantou a questão do impedimento canónico,
mas sem consequências. Estava-se num tempo em que os reis e os
bispos se digladiavam e para isso tudo servia! Os desposórios
realizaram-se em fins de 1208 ou princípios de 1209, não
estando definida a data exacta.
Outra irmã de D.Urraca, D.Branca de Castela, casou com o
rei Luís VIII da França. Por isso, D.Sancho II e D.Afonso III
de Portugal, S.Fernando, de Leão e Castela, e S.Luís, da
França, eram primos coirmãos entre si, e todos eles dotados de
qualidades muito apreciáveis, bons guerreiros e bons
governantes.
O rei D.Henrique I de Castela casou em Portugal com uma
filha do nosso rei D.Sancho I, D.Mafalda. Todavia, o casamento
não chegou a ser consumado por o noivo ter falecido. Contava
nessa altura cerca de treze anos de idade.
Há ainda quem afirme que D.Mafalda casou também com
D.Afonso IX, não coabitando nunca com ele; esta informação não
se confirma.
O infante D.Pedro de Portugal, filho de D.Sancho I, residiu
durante algum tempo em Leão, onde sua irmã D.Teresa estava
casada. Consorciou-se com D.Aurêmbias, Condessa de Urgel, que
antes tinha sido casada com D.Álvaro Pérez de Castro, de quem
se separou por razões de parentesco.
D.Álvaro veio a casar com D.Mécia Lopes de Haro, a qual
casou, já viúva, com o rei D.Sancho II.
D.Pedro herdou de sua mulher o título e os privilégios de
Conde de Urgel; trocou depois o seu condado pelo governo das
ilhas Baleares, elevadas à categoria de reino e por isso é
também conhecido pela designação de "Rei das Baleares".
Conquistou a ilha de Ibiza, tendo mais tarde cedido o
senhorio das suas terras ao rei D.Jaime I de Aragão, em troca
de ponderáveis vantagens.
O infante D.Fernando de Portugal, filho do rei D.Afonso II,
vulgarmente conhecido na História pela designação de Infante
de Serpa, por ter o senhorio e haver residido nesta vila,
fez-se vassalo de D.Fernando III e casou com D.Sancha
Fernandez de Lara, filha do conde Fernando Nunez de Lara, cujo
nome é omitido pelos autores da obra "Nobreza de Portugal".
O nosso D.Sancho II casou com D.Mécia Lopes de Haro, filha
do fidalgo biscainho Lopo Dias de Haro e da infanta D.Urraca
Afonso, filha natural do rei D.Afonso IX, de Leão. Devido à
guerra travada entre D.Sancho II e D.Afonso III, seu irmão,
pela posse do trono, D.Mécia separou-se ou foi forçada a
separar-se do marido. Morreram ambos fora de Portugal, ele em
Toledo, onde foi inumado, e ela em Palência, sendo sepultada
no mosteiro beneditino de Nájera, em túmulo que ela mandara
construir.
Na entrevista que D.Sancho II teve no Sabugal com
D.Fernando III de Castela, em fins de 1230 ou princípios de
1231, ficou assente que seria restituída ao nosso País a
cidade de Chaves, que nos havia sido arrebatada durante as
lutas anteriores. Vencido por seu irmão, o desditoso rei pediu
asilo ao rei de Castela, seu primo coirmão, vindo a falecer em
Toledo pouco depois de ali se ter fixado.
Sabe-se que foi sepultado na catedral toledana, então muito
diferente do que é hoje, desconhecendo-se o lugar do seu
sarcófago. Nunca chegou a ser trasladado para o Mosteiro de
Alcobaça, como desejava.
***
Demos a este primeiro capítulo a designação de "Leão e
Castela" por estes reinos terem fronteiras com Portugal e se
ter jogado entre eles o predomínio peninsular, a que estávamos
mais ou menos presos também. Deve reparar-se que as duas
coroas uniam-se frequentemente para logo se separarem.
O elemento comum a todos os povos peninsulares era a luta
contra os mouros, que continuavam a ocupar a zona sul. Deve
procurar-se neste pormenor uma das razões da supremacia de
Castela sobre Leão, cuja fronteira ficava longe das zonas em
que se processava a reconquista cristã. Os monarcas comuns
aproximavam-se o mais possível das terras em que a sua
presença se tornava mais necessária.
Tem certo interesse salientar que houve como que um
paralelismo entre as qualidades e defeitos dos reis
portugueses e castelhanos. Além do que pertence a cada um,
individualmente considerados, manifestou-se claramente a
influência das diversas épocas que se viveram, em que os
interesses e necessidades tinham muito de especial.
Embora Portugal tivesse saído do reino de Leão --
primitivamente, Castela não tinha fronteiras com o nosso País
-- a influência castelhana parece ter sido muito mais
dominante do que a leonesa. Por este motivo são mais apertados
os laços de parentesco que unem as respectivas famílias reais.
C A S T E L A
D.AFONSO X (1252-1284)
Era filho de D.Fernando III. Sendo ainda infante, entrou em
Portugal à frente de um exército, para defender a soberania e
os direitos de D.Sancho II. Os guardiães dos conventos
franciscanos da Guarda e da Covilhã, assim como os bispos das
dioceses de Braga e Coimbra, suplicaram-lhe que não quisesse
impedir o cumprimento da bula pontifícia, no que dizia
respeito a D.Afonso III. Como não acedesse, consideraram-no
abrangido pela pena eclesiástica da excomunhão, mas o próprio
Papa declarou, mais tarde, que a sentença proferida o não
atingira.
Teve uma guerra contra Portugal, por pretender dominar o
Algarve, contra os nossos direitos e pretensões. A questão foi
arrumada por volta do ano de 1267. D.Afonso X havia concedido
a D.Afonso III, na pessoa do seu neto D.Dinis, a posse futura
das terras algarvias; a entrega definitiva deveria efectuar-se
só depois da sua morte, porém, quando D.Dinis o visitou, para
por ele ser armado cavaleiro, concedeu-lhe a posse efectiva e
imediata daquelas terras.
Segundo alguns historiadores, interessou-se pela
restauração da diocese de Silves; no entanto, o facto está
envolvido em dificuldades cronológicas, pois o primeiro bispo
é anterior a este monarca.
Não conseguiu fugir ao mal da época, as revoltas dos filhos
dos reis. O seu sucessor, quando infante de Castela, pretendeu
arrebatar-lhe a coroa.
O nosso rei D.Dinis foi ajudar o rebelde, o que causou
profundo desgosto a sua mãe, que abandonou o nosso País e se
retirou para a corte castelhana, onde se criara.
Foi este monarca que deu existência jurídica ao princípio
da hereditariedade real, em Castela, que até então era
simplesmente consuetudinária.
As ordens militares -- Alcântara, Calatrava e Santiago --
conseguiram grande prestígio e expansão. Dizia-se dos seus
membros que eram cordeiros ao ouvirem os sinos das igrejas mas
que se transformavam em leões quando ouviam o som das trompas
guerreiras.
O grande pedagogo espanhol P.André Manjón diz dele que com
todo o seu saber e inteligência, não soube governar, nem
educar, nem pelejar, nem conseguiu ser coroado imperador da
Alemanha, como ambicionava e para que gastou muito dinheiro e
toda a sua influência.
D. Afonso X extinguiu o tributo simbólico que Portugal
devia pagar ao rei de Leão, completando assim a sua
independência, no ano de 1268.
Grande parte da produção poética deste trovador está
escrita na língua galaico-portuguesa, no seu tempo usada pelas
pessoas de cultura mais destacada, na Península Ibérica.
D.SANCHO IV (1284-1295)
Era filho de D.Afonso X. Neste reinado iniciou-se um novo
sistema de comércio, sobretudo com as ilhas do arquipélago
britânico, por meio de salvos-condutos passados em favor de
comerciantes e marinheiros peninsulares, portugueses e
castelhanos. Tem certa fama a concessão outorgada pelo rei
Eduardo I, em 1294.
Pretendendo criar uma marinha poderosa, comprou em Génova
algumas galés e contratou o almirante genovês Benito Zacarias.
Seguiu neste particular o princípio político ensaiado em
Portugal por D.Dinis, que mandou vir para o seu reino o
célebre almirante Manuel Peçanha. O mar começava a ser
considerado importante factor de progresso. O seu valor
aumentou nos dois séculos seguintes.
Foi no tempo de D.Sancho IV que se deu o celebérrimo feito
de D.Afonso Pérez de Gusmão, o Bom. Havia sido encarregado da
defesa de Tarifa, recentemente conquistada. O irmão do rei,
D.João de Castela, aliou-se com os infiéis para combater os
seus, por causas mal determinadas mas que se prendem com a sua
ambição de poder. Um filho do defensor foi feito prisioneiro e
seu pai viu-se na alternativa de entregar a fortaleza que
defendia ou deixar que lhe matassem o filho. O pérfido e
desleal castelhano, D.João, cumpriu a ameaça; o jovem cativo
foi decapitado e a sua cabeça atirada ao pai por cima das
muralhas da cidade. A memória do cobarde infante ficou para
sempre desonrada e coberta de ignomínia, não conseguindo, nem
mesmo assim, tomar o castelo.
Ao revoltar-se, D.João de Castela refugiou-se em Portugal,
de onde passou a Tânger.
O seu filho e sucessor no trono, D.Fernando IV, casou em
Portugal, assim como sua filha D.Beatriz, mas já depois da sua
morte. Referir-nos-emos a estes casamentos no lugar e momento
convenientes.
D.FERNANDO IV (1295-1310)
Era filho de D.Sancho IV. A História de Espanha chama-lhe "O
Emprazado" porque, segundo refere a lenda, dois fidalgos foram
injustamente condenados à morte e um deles, ao ser conduzido
ao local do suplício, profetizou que o rei morreria dentro de
um mês e que isso veio a verificar-se. Nada há que documente
tal ocorrência.
A rainha viúva, D.Constança de Portugal, ficou com o
encargo da regência do reino, por morte deste monarca, pois o
herdeiro da coroa tinha apenas cerca de um ano de idade.
Revelou ter poucas qualidades para o desempenho de tal função.
Cresceu logo o perigo de lutas internas, em guerra civil
provocada pelos elementos da nobreza. Morreu também muito
jovem, com cerca de vinte e quatro anos, pouco depois de se
ter completado um ano sobre a morte do rei, seu marido, que
contava vinte e seis anos quando faleceu.
O herdeiro do trono casou mais tarde em Portugal; e sua
irmã, D.Leonor de Castela, veio a ser rainha-cônjuge de
Aragão, pelo seu casamento com D.Afonso IV, rei deste país.
D.AFONSO XI (1310-1350)
A menoridade deste soberano, filho de D.Fernando IV, foi
perturbada por numerosas convulsões. Ao tomar conta do poder,
em 1325, conseguiu pacificar os seus turbulentos vassalos e
reinar em paz, sem grandes entraves, embora por vezes tivesse
de aplicar justiça dura e cruel, segundo os costumes do tempo.
O rei Eduardo III, da Inglaterra, continuou a pôr em
execução a política de aproximação comercial do arquipélago
britânico com a Península Ibérica, concedendo facilidades aos
marinheiros e comerciantes portugueses e castelhanos.
Foram-lhes concedidas grandes vantagens mercantis, sobretudo
no porto de Bruges, na Flandres, então sob o domínio dos reis
britânicos.
Em consequência da pressão exercida pelos maometanos, as
forças dos reis cristãos congregaram-se e derrotaram os
infiéis na famosa batalha do Salado, nas margens do rio deste
nome; os espanhóis costumam designá-la por batalha de Tarifa.
D.PEDRO I (1350-1369)
Era filho de D.Afonso XI e de D.Maria de Portugal, a "formosíssima
Maria", de Camões. É um dos monarcas castelhanos mais
duramente tratados pela História. Manchou-se com o sangue de
inúmeras vítimas. Desejando vingar-se de alguns fidalgos
castelhanos refugiados em Portugal, negociou com seu tio, o
nosso rei D.Pedro I, o escambo dos perseguidos, entregando em
troca dois dos culpados da morte de D.Inês de Castro. Diz-se
também que mandou matar, na cidade de Toro, alguns fidalgos
que haviam condenado os seus desvarios sangrentos; entre eles
contava-se pelo menos um português, Martim Afonso Telo de
Meneses, pai de D.Leonor Teles, rainha de Portugal.
O povo costuma dizer que "quem com ferro mata com ferro
morre" e por vezes tem razão. D.Pedro I foi também assassinado
em Montiel por seu irmão bastardo e futuro rei, seu sucessor,
D.Henrique de Transtâmara, que vingou desta forma a morte de
sua mãe e de seu irmão.
Não devemos, no entanto, fechar-nos numa apreciação
estreita e rigorista. Este monarca tinha também grandes
qualidades de generosidade, rectidão e espírito de justiça,
sendo estimado pelo seu povo. Enquanto criança, sofreu
humilhações que lhe foram infligidas por D.Leonor de Gusmão,
amante de seu pai, o que ajudou a criar nele um carácter
amargo, levando-o a castigar com demasiada severidade, o que
estava bem dentro do espírito e dos costumes da época.
D.HENRIQUE II (1369-1379)
Este rei concedeu muitos privilégios aos nobres que o
apoiaram, procurando desta forma atrair à sua causa outros
elementos influentes, pois nem todos apoiaram a maneira
desleal como se apoderou do trono. Lembremo-nos de que
assassinou o seu antecessor e que muitos fidalgos o viam pouco
amistosamente. Era irmão, como já sabemos, do rei castelhano
D.Pedro I e filho de D.Afonso XI e de D.Leonor de Gusmão.
Alguns autores dizem que a morte de sua mãe e de seu irmão
D.Frederico ou Fradique, às mãos do rei, resolveu este
bastardo a lançar-se abertamente no caminho do crime, pois
poderia recear bastante pela sua vida, vindo a ter igual
sorte!
D.JOÄO I (1379-1390)
Era filho de D.Henrique II. A personalidade deste monarca, em
relação ao nosso País, ficou marcada pelo papel exercido no
desenrolar das operações guerreiras, quer no tempo de
D.Fernando quer no reinado de D.João I, seu sucessor.
Durante a Guerra da Independência, fomos auxiliados pelas
forças do Duque de Lencastre, que reivindicava para sua mulher
direitos ao trono castelhano. Com efeito, D.Constança de
Castela, sua esposa, era filha de D.Pedro I, que fora
assassinado em Montiel por D.Henrique II. Embora as suas
pretensões não chegassem a concretizar-se directamente,
conseguiu colocar uma das suas filhas, D.Filipa de Lencastre,
no trono de Portugal e outra, D.Catarina de Lencastre, no
trono de Castela, pondo para tanto em execução uma hábil
política de casamentos. Juntaram-se assim, quanto à coroa
castelhana, a linha espúria e a legítima.
D.HENRIQUE III (1390-1406)
Era filho de D.João I de Castela, de quem herdou o trono sendo
ainda muito moço. Durante a menoridade, instalou-se nos seus
reinos um ambiente de terror e anarquia, que conseguiu dominar
quando tomou conta do governo. Afirma-se dele que, quando
criança, foi tratado com pouco cuidado, sem consideração pela
sua dignidade; porém, mais tarde impôs a sua autoridade de
forma enérgica, obrigando muitos nobres que se tinham
locupletado com bens da coroa a restituir aquilo que haviam
subtraído ao domínio régio. Os acusados de delapidarem o
património real submeteram-se, pois começava a manifestar-se
já o absolutismo dos monarcas, que tinha no carrasco um
valioso auxiliar!
Embora o seu reinado esteja incluído inteiramente no
período em que Portugal e Castela estavam em guerra, passou-se
quase todo sem combates, abrangido por repetidas tréguas.
Deveria ter influência no facto a circunstância de estar na
corte a irmã da nossa rainha D.Filipa de Lencastre -- que seu
pai pensara antes sentar no trono português. Deveria ter
algumas das nobres e excelsas qualidades que adornavam o
espírito de sua irmã!
D.Henrique III procurou estabelecer nas Canárias um ponto
de apoio que permitisse novas empresas guerreiras na África.
Foi o que nós fizemos também com a conquista de Ceuta! Os
estados peninsulares começavam a olhar com interesse para o
mar!
D.JOÄO II (1406-1454)
Herdou o trono de seu pai D.Henrique III no próprio ano do seu
nascimento. O seu reinado caracterizou-se por desordens
contínuas, turbulências e abusos de toda a espécie, pois o rei
mostrava-se fraco perante a arrogância da nobreza. Durante uma
grande parte do período de tempo correspondente a este monarca
exerceu o poder soberano o famoso ministro Álvaro de Luna, que
veio a morrer decapitado. Afirma-se que a prisão e morte do
favorito se ficou devendo à actuação de D.Isabel de Portugal,
rainha de Castela, que tomou a peito a sua detenção e
julgamento.
O tratado de paz que pôs fim à Guerra da Independência,
travada entre Portugal e Castela, foi assinado em Medina del
Campo. Por essa altura falecia o grande D. Nuno Álvares
Pereira, o maior herói daquela guerra. O rei castelhano casou
com uma sua bisneta.
Pretendem alguns autores espanhóis que neste reinado, em
1449, Vicente Yáñez Pinzón descobriu as costas do Brasil. Esta
afirmação é insustentável, sobretudo por antecipar em meio
século o descobrimento oficial e porque os monarcas
castelhanos não reivindicaram direitos que teriam, se isso
houvesse acontecido!
D.HENRIQUE IV (1454-1474)
Era filho de D.João II. O seu reinado ficou conhecido pela
anarquia que durante ele se registou, devido à sua fraqueza e
desmandos. D.Henrique IV e sua mulher, D.Joana de Portugal,
permitiram que o seu nome fosse enxovalhado , tanto em vida
como na memória que deles ficou. Foi chamado "Impotente", por
se dizer que tinha este defeito fisiológico. O nome de
"Beltraneja", dado à sua filha, vem do de um fidalgo da sua
corte, D.Beltrão de la Cueva, que diziam ser o seu verdadeiro
pai. Este ponto nunca foi devidamente esclarecido.
Foi destronado em efígie, na cidade de Ávila. Nada melhor do
que isso para provar até onde chegava o orgulho e arrogância
dos nobres castelhanos! Estes ofereceram o trono ao seu irmão
D.Afonso e à sua irmã D.Isabel, que o não aceitaram. No
entanto, esta veio a ser a sua sucessora.
***
D.Afonso III, rei de Portugal, casou em circunstâncias
muito especiais com uma filha de D.Afonso X, rei de Castela,
D.Beatriz de Guillen y Gusmão. Nesta altura persistia ainda o
casamento com D.Matilde, Condessa de Bolonha. A sua noiva era
muito mais nova do que ele, que até era alguns anos mais velho
do que seu sogro; a desposada, muito criança ainda, aguardou a
idade núbil na corte portuguesa, portanto em poder de seu
marido. Referimos isto como curiosidade histórica!
A união matrimonial de D.Afonso III e D.Beatriz foi
celebrada por conveniência política, mas sob o aspecto ilegal
da bigamia, condenada pelas leis canónicas, tendo sido
revalidado passados bastantes anos. Deste casamento nasceu o
futuro rei D.Dinis e os seus seis irmãos, entre os quais o
infante D.Afonso, que lhe contestou o direito ao trono, pois
nascera depois da revalidação do matrimónio, ao contrário de
D.Dinis, nascido no período de vigência do consórcio com a
Condessa de Bolonha. Era também sua filha deles a infanta
D.Branca, que Garrett imortalizou no poema do mesmo nome, com
o qual introduziu o romantismo em Portugal.
Uma neta de D.Afonso X, D.Violante Manuel, filha do infante
D.Manuel de Castela, casou com o infante português D.Afonso,
também seu neto, filho de D.Afonso III, o mesmo que disputou o
trono a D.Dinis.
O rei D.Dinis casou, em 1288, com D.Isabel de Aragão, a
Rainha Santa. Era filha dos monarcas aragoneses, D.Pedro III e
D.Constança da Sicília. Diz-se que lhe foi dado aquele nome
por ser o de uma sua tia-avó, Santa Isabel da Hungria.
D.Dinis combinou com os infantes de Aragão, seus cunhados,
aí pelo ano de 1296, fazer a conquista e a partilha dos
estados sujeitos à autoridade de D.Fernando IV. Foi mais um
projecto estulto que ficou sem realização prática!
Numa guerra sem importância especial, D.Dinis favoreceu as
pretensões ao trono sustentadas por seu tio D.João de Castela.
Ao assinar-se a paz, conseguimos obter algumas vantagens
territoriais; foi daí que nasceu o Tratado de Alcanizes, que
nos deu a posse das terras do Ribacoa e das vilas de Olivença,
Serpa, Moura, etc.
A rainha de Castela, D.Maria de Molina, que não simpatizava
com D.Dinis, fez negociações secretas com diversas
individualidades, obrigando o rei de Portugal a preparar os
seus exércitos e a mantê-los em pé de guerra, pois receava-se
que nos quisessem arrebatar as terras transcudanas, as da
margem direita do rio Côa.
Ainda em consequência das negociações relativas ao Tratado
de Alcanizes, efectuaram-se dois casamentos reais. O rei
D.Fernando IV de Castela casou com D.Constança de Portugal,
filha de D.Dinis e da Rainha Santa, D.Isabel de Aragão. E o
rei D.Afonso IV de Portugal casou com D.Beatriz de Castela.
Daqui se conclui que o rei castelhno era irmão da rainha de
Portugal e o rei português irmão da rainha de Castela.
Afirma-se que D.Beatriz trouxe consigo para Lisboa uma
jovem toledana de grande beleza, D.Teresa Anes, que veio a ser
a inspiradora principal da poesia do conde D.Pedro, filho
bastardo do nosso rei D.Dinis, o qual se apaixonou loucamente
por ela.
D.Dinis e o seu genro D.Fernando IV assinaram um convénio
em que se obrigavam a assegurar que os bens dos Templários não
sairiam dos respectivos países. Estava a decorrer o processo
que levou à extinção da Ordem do Templo.
Reuniu-se um concílio ou sínodo em Salamanca, em que o caso
foi estudado e, depois de conveniente e minucioso exame,
chegou-se à conclusão de que os seus membros de Portugal,
Castela e Aragão estavam isentos das acusações e crimes que
lhes imputavam noutros países da Europa, nomeadamente a
França. A Ordem de Cristo foi buscar aqui as suas raízes, como
todos sabemos.
O rei D.Afonso XI de Castela casou com D.Maria de Portugal,
filha de D.Afonso IV e da rainha D.Beatriz. Trata-se da
"formosíssima Maria" celebrada por Camões. Antes, havia
combinado o seu casamento com D.Constança Manuel, bisneta de
D.Fernando III e neta de D.Jaime II de
Aragão. Visto que este rei aragonês era irmão da Rainha
Santa Isabel, D.Constança era sobrinha-neta desta rainha
portuguesa; e uma vez que D.Afonso XI de Castela e D.Pedro I
de Portugal eram ambos netos de D.Isabel de Aragão, o
parentesco era idêntico relativamente a D.Constança. Como toda
a gente sabe e como vamos referir, D.Constança veio a ser a
desditosa esposa do nosso rei D.Pedro.
D.Afonso XI propusera contrair tal casamento para evitar
que um seu inimigo, João-o-Torto, senhor de Biscaia, se
aliasse com D.João Manuel de Vilhena y Escalona, pai de
D.Constança, de quem, aliás, não gostava igualmente. Mandou
matar o primeiro e nunca fez o casamento previsto. Porém
procurou por todos os meios ao seu alcance evitar o casamento
de D.Constança Manuel com D.Pedro de Portugal. Chegou a propor
o reatamento do noivado!
D.Constança e seu pai recusaram, nobre e altivamente, esta
nova proposta, coisa rara naquele tempo.
Depois de celebrado o casamento com D.Pedro, D.Afonso XI
fez tudo quanto pôde para retardar a sua partida para o nosso
País. Chegou a haver actividades bélicas por tal motivo. Foi
durante estas lutas que morreu a Rainha Santa, sem conseguir
fazer as pazes, ela que sempre procurou harmonizar os
desavindos. As intervenções da rainha de Portugal, D.Beatriz,
do Papa Bento XIII e de Filipe IV, rei da França, também não
foram bem sucedidas. Mas, como diz o povo, "Deus escreve
direito por linhas tortas". A pressão exercida pelos mouros
obrigou os reis desavindos a fazer as pazes. A noiva pôde
então vir para junto de seu marido, D.Pedro, que era também
seu parente não muito remoto. Morreu cinco anos mais tarde,
após uma vida de dissabores; prende-se com a sua vida íntima o
célebre caso de D.Inês de Castro, que consigo veio para
Portugal.
Devemos acentuar ainda que contribuiu para acender a guerra
entre Castela e Portugal o facto de o rei D.Afonso XI tratar
pouco convenientemente a sua esposa, D.Maria, filha do nosso
rei D.Afonso IV.
Um irmão bastardo de D.Constança, D.Henrique Manuel, veio
com ela para Portugal. Mais tarde, seu sobrinho D.Fernando
elevou-o à dignidade de Conde de Seia. Quando surgiu o
problema da sucessão, ainda começou por servir o Mestre de
Avis, certamente por antipatia por D.Leonor Teles, mas pouco
depois passava-se para o partido de D.Beatriz, sua
sobrinha-neta.
Obteve importante doação em Sintra, sendo por vezes chamado
conde deste título, o que não está certo, não é exacto. O rei
castelhano, por sua vez, concedeu-lhe o título de Conde de
Montalegre, cuja validade pode ser contestada.
Um dos irmãos de D.Inês de Castro, D.Álvaro Perez de
Castro, foi o primeiro Conde de Viana do Minho ou Viana da Foz
do Lima. Como teve também o senhorio de Caminha, há quem o
chame Conde de Caminha de Riba Minho. Foi igualmente Conde de
Arraiolos e desempenhou o cargo de condestável de Portugal.
O primeiro Conde de Barcelos, D.João Afonso Telo de
Meneses, casou em Castela com D.Teresa Sanchez, filha bastarda
do rei D,Sancho IV. Foi este o primeiro condado territorial
que houve no nosso País, depois do Conde D.Henrique e do
Condado Portucalense.
A primeira esposa de D.Pedro I de Portugal, D.Branca de
Castela, cujo casamento não chegou a consumar-se devido a
ter-se manifestado na infanta elevado grau de debilidade
mental, era neta do mesmo monarca castelhano, D.Sancho IV.
D.João Afonso, filho natural do rei D.Dinis e de D.Maria
Pires do Porto de Gança, que tomou o partido de D.Afonso
Sanches contra D.Afonso IV, quando pretendeu arrebatar-lhe a
coroa, foi casado com D.Joana Ponce, filha de uma nobilíssima
família asturiana. Tendo sido aprisionado pelas tropas do rei,
foi julgado e condenado à morte, sob a acusação de alta
traição, vindo a ser degolado.
Uma sua irmã, também filha bastarda de D.Dinis, D.Maria
Afonso, casou com um fidalgo castelhano, D.João de Lacerda, de
quem se ignoram outros dados biográficos.
D.Leonor de Portugal, filha de D.Afonso IV e de D.Beatriz
de Castela, portanto irmã do rei D.Pedro I, casou em Barcelona
com o rei de Aragão, D.Pedro IV, também seu próximo parente.
Foi atacada pela peste, pouco depois do seu casamento, tendo
falecido em Exerica. Deixou uma filha, D.Beatriz, que veio
para Portugal, tendo falecido com cerca de dez anos de idade.
A infanta D.Maria de Portugal, filha de D.Pedro I e de
D.Constança Manuel, casou com o infante D.Fernando de Aragão,
Marquês de Tortosa, que era seu parente bastante próximo. O
rei D.Pedro IV, de quem acima se fala, mandou matá-lo,
traiçoeiramente, no castelo de Boviana. A viúva contava então
vinte e três anos de idade. Ficou a residir durante algum
tempo em Aragão, onde o seu comportamento escandaloso mereceu
graves censuras. Por fim, regressou a Portugal.
D.Dinis, filho de D.Pedro I de Portugal, candidato ao trono
com o Mestre de Avis, casou com D.Joana de Castela, filha
bastarda do rei D.Henrique II.
D.João, filho de D.Pedro I e de D.Inês de Castro, depois de
ter assassinado sua esposa D.Maria Teles, irmã da rainha
D.Leonor Teles, retirou-se para a corte de Castela, onde o rei
D.Henrique II o acolheu benignamente, chegando a casar com sua
filha bastarda, D.Constança.
Voltou a Portugal, integrado nos exércitos que vinham
contra nós, no tempo de D.Fernando I. Quando começou a Guerra
da Independência, foi preso e metido numa masmorra, onde
morreu.
Segundo alguns autores de outrora, deve ter morrido no
castelo de Almonacid, em Toledo; outros, porém, sobretudo
entre os modernos, inclinam-se para a hipótese de ter morrido
em Salamanca. Foi assim tratado devido a ser um dos virtuais
pretendentes à coroa de Portugal.
O assassinato de D.Pedro I de Castela lançou o nosso País
nos horrores da guerra. D.Fernando acreditou na possibilidade
de colocar as duas coroas sobre a sua cabeça. A luta
renovou-se por três vezes, mas foi sempre prejudicial a
Portugal.
Nos diversos tratados de paz, assinados com Castela, o
nosso rei arranjou sempre situações bastante perigosas para a
independência nacional.
No Tratado de Alcoutim, comprometeu-se a casar com a filha
do rei castelhano, D.Leonor; já antes tinha prometido casar
com a infanta D.Leonor de Aragão; por fim veio a casar com
D.Leonor Teles.
Daí a razão de frequentemente ser chamado, sarcasticamente,
"o rei das três Leonores". Camões tratou-o pior, chamou-lhe
"remisso".
No Tratado de Santarém, ficou assente que a irmã de
D.Fernando, D.Beatriz de Portugal, casaria com o irmão do rei
D.Henrique II, D.Sancho de Castela, Conde de Albuquerque, o
que veio a acontecer.
Uma filha ilegítima do nosso rei D.Fernando, D.Isabel de
Portugal, casou também em Castela com um filho ilegítimo do
rei D.Henrique II, segundo as cláusulas do tratado de paz de
1373. Trata-se de D.Afonso que usou o título nobiliárquico de
Conde de Gijón y Noronha. D.Fernando concedeu à sua filha os
senhorios de Viseu, Fornos de Algodres, Linhares e Celorico da
Beira.
O casamento esteve em risco de ser anulado, devido ao facto
de o noivo não estar disposto a consumá-lo; no entanto, os
dois cônjuges passaram a fazer vida matrimonial e tiveram
numerosa prole, que está na origem de muitas famílias nobres
da Espanha e de Portugal.
Um dos seus filhos, D.Pedro de Noronha, ocupou a cadeira
arquiepiscopal de Évora e passou daqui para a sede
metropolitana de Lisboa, também com o título de arcebispo.
D.Afonso, primeiro Duque de Bragança, tendo ficado viúvo de
D.Beatriz Pereira de Alvim, filha do grande D.Nuno Álvares
Pereira, contraiu segundas núpcias com D.Constança de Noronha,
filha dos Condes de Gijón y Noronha, de quem acabámos de
falar. Este matrimónio não teve descendência. D.Constança foi
a primeira Duquesa de Bragança, visto que D.Beatriz Alvim
nunca usou o título, pois ainda não havia sido concedido;
faleceu em idade muito avançada e está sepultada em Guimarães.
O primeiro Conde de Odemira, D.Sancho de Noronha, era
também filho dos Condes de Gijón y Noronha. Distinguiu-se pelo
auxílio que em 1424 ou 1425 levou a Ceuta. Exerceu papel um
tanto antipático no drama de Alfarrobeira.
Era pessoa da confiança de D.Afonso V, que o mandou a Ceuta
com o encargo de tentar convencer o infante D.Fernando a
regressar ao reino, quando ele levianamente se deslocou para
aquela praça do norte de África, sem autorização régia.
O segundo Conde de Vila Real, D.Fernando de Noronha, era
também filho dos Condes de Gijón y Noronha, portanto, irmão do
prelado de Évora e Lisboa e do Conde de Odemira,
respectivamente D.Pedro e D.Sancho. Usou o título por direito
de matrimónio, pois sua mulher, D.Brites ou D.Beatriz, era
filha do primeiro Conde de Vila Real, D.Pedro de Meneses, e de
D.Margarida de Miranda, sua primeira mulher, que não chegou a
usar o título.
D.Pedro de Meneses viveu em Castela enquanto durou a Guerra
da Independência, desde 1383 até 1411, tendo sido feito Conde
de Aguilar e de Aillón. Explica-se isso pelo facto de seu pai,
D.João Afonso Telo, Conde de Viana do Alentejo, ter tomado o
partido de D.Beatriz. Assinada a paz, voltou a Portugal, onde
foi agraciado com o título de Conde de Vila Real. Quando os
portugueses ocuparam a cidade de Ceuta, foi nomeado seu
governador.
A sequência das referências anteriores levou-nos a avançar
cronologicamente, pelo que nos vemos forçados a retroceder, a
fim de fazermos menção a factos que não podem nem devem ser
omitidos.
O rei D.João I de Castela casou, em segundas núpcias, com
D.Beatriz de Portugal, filha de D.Fernando I e de D.Leonor
Teles.
Esta infanta havia, primeiramente, sido destinada para
esposa de um filho ilegítimo do monarca castelhano,
D.Frederico ou Fradique. Foi depois seu noivo o primogénito do
mesmo soberano, o futuro rei D.Henrique III.
Combinou-se ainda que casaria com o filho segundo do rei de
Castela, o infante D.Fernando. Também esteve para casar com um
fidalgo inglês, filho do Conde de Cambridge. E apesar de
tantas vezes mudar de noivo, veio a fazer o casamento com
menos de doze anos de idade!
Com perspicaz ironia, Mário Domingues comenta,
acertadamente, no seu livro "A Vida Grandiosa do Condestável",
que "bem cedo aquele pedacinho de carne tenra começa a ser
usado como valiosa moeda em negociações"!
O rei D.João I de Castela casou com a infanta portuguesa
com a ideia clara de vir a herdar o trono de D.Fernando; na
altura do casamento, o monarca lusitano estava já muito
doente, vindo a falecer poucos meses depois.
O título de Conde de Ourém ficou, de certo modo,
estreitamente ligado às relações portuguesas e castelhanas. O
seu primeiro detentor, D.João Afonso Telo de Meneses, era
filho de um rico-homem de Castela, Afonso Martins Telo, que
foi também importante e influente fidalgo em Portugal.
O segundo Conde de Ourém foi o famoso João Fernandes
Andeiro, que o Mestre de Avis executou no paço real de Lisboa.
Era natural da Galiza, estando ali casado com uma senhora que
se sabe chamar-se D.Mayor, a qual chegou a vir para Lisboa,
por sugestão de D.Leonor Teles.
A rainha de Portugal pretendia com a sua presença fechar os
olhos e calar as bocas do mundo, em relação ao seu
comportamento amoroso com aquele valido.
Apesar de já termos falado no casamento do rei de Castela,
D.Henrique III, com D.Catarina de Lencastre, recordamos aqui
que se tratava de uma irmã da nossa rainha D.Filipa de
Lencastre, o que vem reforçar e apertar ainda mais os laços de
parentesco que unem as duas famílias régias, a portuguesa e a
castelhana.
O rei D.João II de Castela casou com D.Isabel de Portugal,
filha do infante D.João, neta de D.João I e de D.Filipa de
Lencastre; aquela senhora era ainda, e ao mesmo tempo, bisneta
de D.Nuno Álvares Pereira.
Naquele tempo, os reis de Portugal, a rainha de Castela, a
imperatriz da Alemanha (D.Leonor, filha de D.Duarte),
Carlos-o-Temerário de Borgonha (filho da infanta D.Isabel,
irmã dos "altos infantes"), os pretendentes ao trono de Aragão
e ainda outras personagens ilustres e importantes da nobreza
europeia eram todos parentes próximos e descendentes do rei
D.João I de Portugal.
A propósito do casamento da infanta D.Isabel com o duque
Filipe-o-Bom, progenitores de Carlos-o-Temerário, recordaremos
que a família real portuguesa teve a sua origem em Borgonha,
onde nasceu o Conde D.Henrique, em 1057.
A rainha de Castela, D.Isabel de Portugal, esposa do rei
D.João II, perdeu o uso da razão. Segundo alguns escritores, a
causa do seu desarranjo mental foi a morte do marido, mas a
razão não é convincente.
Sua mãe, de nome igual ao dela, deslocou-se para junto da
filha doente e acompanhou-a dedicada e pacientemente enquanto
viveu, tendo falecido em Arévalo, no ano de 1465.
Trinta anos mais tarde, falecia também, na mesma
localidade, a desditosa rainha castelhana.
D.Duarte, rei de Portugal, casou em 1428 com D.Leonor de
Aragão, filha do monarca daquele país, D.Fernando I.
Esta nossa rainha era bisneta de D.Pedro I e D.Inês de
Castro, por sua filha D.Beatriz ou D.Brites.
Foi regente do reino por morte de seu marido, o que motivou
graves discórdias internas, relacionadas sobretudo com o
infante D.Pedro, a figura central do drama de Alfarrobeira,
onde morreu ingloriamente.
O rei castelhano D.Henrique IV casou com D.Joana de
Portugal, filha póstuma de D.Duarte, pois nascera seis meses
após a sua morte. Foi a mãe da famosa "Beltraneja", D.Joana de
Castela, também conhecida pela designação de "Excelente
Senhora", nome muito mais honroso e dignificante do que
aquele.
O nosso rei D.Afonso V aceitou casar com esta sua sobrinha,
a fim de juntar duas coroas reais na sua cabeça. Isso nos
levou à guerra, de que a batalha do Toro foi o episódio mais
conhecido. No final da luta, os Reis Católicos , D.Isabel e
D.Fernando, acharam-se solidamente instalados no trono de
Castela.
Mais tarde, nas famosas "Terçarias", tratou-se ainda do
consórcio de D.Joana de Castela com o príncipe herdeiro dos
Reis Católicos, monarcas de Castela e Aragão; mas ela não
mostrou nenhuma vontade de fazer esse casamento, preferindo
conservar-se na paz e tranquilidade do convento. O Conde de
Penamacor, D.Lopo de Abreu, desempenhou importante papel nas
negociações tendentes ao casamento de D.Afonso V com sua
sobrinha D.Joana de Castela, a "Excelente Senhora" (de que se
desinteressou quando deixou de pôr-se a hipótese de vir a
ocupar o trono castelhano), sendo agraciado com aquele título
nobiliárquico. Casou com uma filha do arcebispo D.Pedro de
Noronha, D.Leonor, descendente das duas famílias reais.
Após a morte do marido, esta senhora chegou a passar
privações em Castela, onde residia, pelo que o nosso rei
D.Manuel I, sabendo isso, procurou socorrê-la, mandando que
lhe fossem pagas as rendas da vila de Abiul, próximo de
Pombal, na região de Leiria, que recebera enquanto casada mas
que deixara de cobrar, por estarem vinculadas à coroa.
Depois da morte do Príncipe de Viana, D.Carlos, em 1461, as
cortes catalãs elegeram rei de Aragão o condestável D.Pedro de
Portugal, filho do regente D.Pedro. Era da família real
aragonesa por sua mãe, D.Isabel de Aragão, filha de D.Jaime,
Conde de Urgel, pretendente ao trono daquele reino. Faleceu
pouco tempo depois, sem ter consolidado a sua posição, ficando
a reinar o célebre D.João , pai do Príncipe de Viana. D.Pedro
foi escritor de algum mérito, a quem se atribui a autoria de
diversas obras.
***
Este segundo capítulo, que abrange um período de cerca de
duzentos e vinte anos, é dominado pela supremacia castelhana,
em face dos demais países cristãos independentes e reinos
mouros autónomos da Península Ibérica.
Continuaram a verificar-se estreitas relações familiares e
políticas entre Portugal e Castela, os dois reinos mais
influentes das terras hispânicas. Portugal consolidou a sua
independência; Castela procurou exercer a hegemonia, agregando
a si os países vizinhos, tendendo para a unificação, que por
várias vezes se vislumbrou, ora sob o domínio português ora
sob a tutela castelhana.
Deu-se início à expansão ultramarina, abrindo novos
horizontes ao mundo e alargando desmedidamente o conceito de
soberania, cujos frutos vão colher-se no período seguinte,
continuando embora as relações de parentesco e vizinhança que
vinham de longa data.
E S P A N H A
D.ISABEL I ( 1474-1504)
Era irmã de D.Henrique IV e filha de D.João II e de D.Isabel
de Portugal. Afastou do trono dos seus antepassados a
conhecida "Beltraneja", D.Joana de Castela, também conhecida
pelo epíteto mais elogioso e dignificante de "Excelente
Senhora", aproveitando o pretexto corrente de que era filha
adulterina.
Casou com D.Fernando II, rei de Aragão, que na sucessão
monárquica castelhana tem a designação de D.Fernando V.
D.Henrique IV desejava que ela casasse com o nosso rei
D.Afonso V, então viúvo, e que D. Joana , sua filha, acima
referida, se unisse em matrimónio com o futuro rei D.João II.
Mas D.Isabel era extremamente voluntariosa e fez o seu
casamento com o príncipe aragonês sem dar satisfação ao rei, o
que então poucas senhoras nobres se atreveriam a intentar.
No reinado de D.Isabel I e de D.Fernando V, os "Reis
Católicos", na denominação corrente, foi conquistada aos
mouros a cidade de Granada, afastando os árabes da Península
Ibérica e dando um passo importante para a unificação
espanhola.
Os Reis Católicos são asperamente criticados por terem
expulsado os judeus e por terem introduzido na Espanha o
tribunal da Inquisição, no qual a acção religiosa e o poder
civil colaboravam e cujos métodos de actuação eram cruéis.
Eles viram os problemas com olhos do seu tempo e não
podemos nós apreciá-los e ao seu procedimento vendo-os apenas
com olhos do nosso tempo! Cada época tem o seu
condicionalismo.
Restringiram muito os privilégios da nobreza, à semelhança
do que aconteceu noutros lugares e países europeus. Também
estas medidas se prendem de perto com as que se relacionam com
os mouros e judeus.
Estabeleceram o absolutismo régio em Espanha, embora ainda
sob forma relativamente moderada.
Fundou-se no seu tempo uma instituição designada por "La
Santa Hermandad", organismo destinado a perseguir os
malfeitores e a assegurar a ordem pública. Segundo alguns
autores, sofreu mais tarde a benéfica influência das nossas
"Misericórdias", que também são do mesmo período histórico. Ao
lado da finalidade repressiva foram colocados os serviços de
assistência e o combate à miséria.
Referindo-se aos Reis Católicos, o grande educador espanhol
P.André Manjón afirma que foram felizes como monarcas mas
desgraçados como pais.
Morreu-lhes o herdeiro do trono, D.João de Castela e
Aragão; sua filha D.Catarina fez um casamento infeliz com o
célebre Henrique VIII da Inglaterra, sendo a primeira das suas
seis esposas; a sucessora no trono, D.Joana de Castela e
Aragão, enlouqueceu; e D.Isabel, por duas vezes casada em
Portugal, morreu muito jovem, tendo apenas vinte e sete anos
de idade, e faleceu também o filho desta, D.Miguel da Paz.
D.JOANA I (1504-1517)
Casou com D.Filipe da Áustria, vulgarmente conhecido pelo nome
de Filipe-o-Belo, mas não deve confundir-se com o rei da
França que se notabilizou numa das Cruzadas. Na lista dos reis
da Espanha tem a designação de D.Filipe I.
Era filho de D.Maria de Borgonha, filha de
Carlos-o-Temerário, neto do nosso rei D.João I por sua filha
D.Isabel. O rei-cônjuge de Espanha era ainda bisneto de
D.Duarte, cuja filha D.Leonor casara com o imperador Frederico
III, de quem nasceu Maximiliano I, seu pai.
A propósito do imperador Frederico III da Áustria, podemos
indicar que, apesar de ser considerado um governante medíocre,
adoptou a famosa divisa da casa imperial, condensada nas cinco
vogais A E I O U, a que se atribui a tradução: AUSTRIA EST
IMPERARE ORBE UNIVERSO. A versão para português desta frase
latina é: --"Compete à Áustria dominar o mundo inteiro".
Atribui-se-lhe ainda outra significação, também em latim, que
seria: --AQUILA ELECTA IUSTE OMNIA VINCIT, que significa:--"A
águia eleita triunfa de tudo sem contestação". Dá-se também às
vogais uma versão alemã, que é esta: --ALLES ERDREICH IST
OESTERREICHS UNTERTHAN; a tradução para o nosso idioma poderá
ser: -- "Toda a terra está subordinada à Áustria", e que
corresponde, realmente, à primeira.
D.Joana, conhecida também por Joana-a-Louca, foi elevada ao
trono sobre uma série de mortes na família real espanhola: --
seu irmão D.João de Castela e Aragão; o filho deste, que
morreu ao nascer; sua irmã D.Isabel, rainha de Portugal; o
filho desta, o príncipe D.Miguel da Paz.
Diz-se que a avó desta rainha, D.Isabel de Portugal,
enlouquecera de desgosto pela morte do marido; afirma-se
também que D.Joana perdeu a razão ao saber das muitas
aventuras amorosas de seu esposo. Estas explicações não
convencem ninguém!
Depois da morte de D.Isabel I, ficou a governar o
rei-cônjuge, D.Filipe I, que faleceu dois anos mais tarde.
Foram também regentes do reino o cardeal Cisneros e o rei-
viúvo D.Fernando, pai da infeliz rainha. Por morte deste,
tomou conta do poder o herdeiro do trono, seu filho D.Carlos.
Embora na sucessão dos reis castelhanos lhe pertença a
designação de D.Carlos I, é mais conhecido por Carlos V, na
contagem imperial da Alemanha ou Áustria.
D.Joana I faleceu em 1555. No ano seguinte, seu filho
D.Carlos I entrava para o convento de Yuste, onde morreu três
anos depois. Diz-se que, ao recolher ao convento, sofreu o
desgosto de verificar que o seu neto D.Carlos, filho de
D.Filipe e de D.Maria de Portugal, sofria do mal que era
herança fatídica da sua família, a debilidade mental. Podemos,
realmente, atender a que se sucedem nesta geração os casos de
loucura intercalados com outros em que os dotes de
inteligência foram excepcionais!
D.CARLOS I (1517-1556)
O imperador Carlos V, como vulgarmente é conhecido, teve como
preceptor o deão de Lovaina, P.Adriano Dedel, mais tarde
elevado ao sólio pontifício, adoptando o nome de Adriano VI
(1522-1523). Foi o último Papa não italiano até à eleição de
João Paulo II, em 1978.
Ao princípio, considerava a Espanha como uma dependência da
Flandres, o que lhe causou aborrecimentos.
Teve de enfrentar desordens e revoltas, a principal das
quais foi a dos "Comuneros", derrotados na batalha de
Villalar, perto de Valhadolid.
Com decisão e boa vontade, D.Carlos I conseguiu integrar-se
no modo de ser dos espanhóis, chegando a ser muito estimado e
respeitado.
Foi um dos monarcas mais poderosos de todos os tempos. Os
domínios espanhóis atingiam uma extensão geográfica quase
ilimitada.
Mas não quis que a Espanha e a Alemanha estivessem unidas
sob a mesma coroa. Por isso, abdicou do trono imperial a favor
de seu irmão D.Fernando I e do trono espanhol em favor de seu
filho D.Filipe II.
O reinado de D.Carlos I ficou marcado com o célebre assalto à
cidade de Roma. O comandante das tropas imperiais foi morto, e
a soldadesca praticou enormes desatinos, abusos
inacreditáveis. A Cidade Eterna sofreu as maiores afrontas da
sua história!
***
O nosso rei D.Afonso V e os monarcas castelhanos,
D.Fernando V e D.Isabel I, assinaram um convénio vulgarmente
conhecido por Tratado de Toledo, com o qual se iniciaram as
complicadas e morosas conversações , as exigentes actividades
diplomáticas que levaram à elaboração do Tratado de
Tordesilhas, assinado em Arévalo, no dia 2 de Julho de 1494. A
América tinha já sido descoberta por Cristóvão Colombo. Ainda
no decorrer do reinado dos Reis Católicos, concedemos
definitivamente à Espanha a posse das ilha Canárias, que
reivindicávamos sem grande convicção!
D.Isabel de Castela e Aragão, filha dos Reis Católicos,
casou por duas vezes em Portugal. Fez o primeiro casamento com
o príncipe herdeiro do trono, D.Afonso, que morreu pouco
depois, em Santarém, de uma queda de cavalo; casou em segundas
núpcias com o rei D.Manuel I, que era tio do primeiro marido.
Chegou deste modo a cingir a coroa de Portugal.
Deste matrimónio nasceu um filho, D.Miguel da Paz, que
estava destinado a fazer a união política de toda a Península
Ibérica, se a morte o não arrebatasse, pois seria o herdeiro
do rei de Portugal e também dos de Castela e Aragão. Com o
falecimento da mãe e do filho, o sonho da união ibérica
desfez-se... Veio a concretizar-se mais tarde!
Esta princesa viveu, em criança, durante quase quatro anos,
na vila portuguesa de Moura, com o futuro marido D.Afonso -- e
provavelmente também com D.Manuel -- entregues como penhor da
paz assinada entre estes países e confiados aos cuidados de
D.Beatriz, que era a mãe do rei Venturoso.
Outra filha dos Reis Católicos, D.Maria de Castela e
Aragão, veio ocupar o lugar deixado vago por sua irmã, quando
faleceu, casando com o monarca português. A numerosa prole de
D.Manuel I nasceu toda deste matrimónio.
O rei de Portugal, D.Manuel I, casou ainda com outra
princesa espanhola, D.Leonor, filha de Filipe-o-Belo e de
Joana-a-Louca, que era sobrinha das suas duas primeiras
esposas. O casamento de D.Manuel com D.Leonor deu origem a uma
lenda histórica que ainda hoje corre. Disse-se que houve um
romance de amor entre ela e o seu enteado D.João , mas os
historiadores modernos não o aceitam.
A lenda desses amores teve origem no facto de ele ter sido,
primeiramente, o noivo escolhido para aquela princesa; não
custa aceitar que a substituição do príncipe herdeiro por seu
pai não fosse muito do agrado da jovem esposa, pois D.Manuel I
estava nos cinquenta anos enquanto D.João ia completar
dezassete e pouco mais novo era do que ela; todavia, aceitou-a
sem resistência e talvez sem relutância, uma vez que as
conveniências políticas dispunham da sua vida e das suas
afeições mais íntimas sem qualquer susceptibilidade.
A mudança de posição nas negociações matrimoniais entre
pessoas de ascendência régia não representava novidade nem
causava estranheza!
Aquela lenda nasceu já depois da morte do rei D.Manuel. O
seu filho e sucessor visitava algumas vezes a rainha-viúva,
sua madrasta, e em Lisboa defendia-se até o projecto do
casamento entre eles, para evitar a reposição dos valores
recebidos em dote. O monarca não acedeu. E o irmão dela, o
imperador Carlos V, cuidava já de a colocar no trono francês,
pelo seu casamento com o rei Francisco I.
D.João III foi também buscar esposa à Espanha, visto que
casou com uma irmã de D.Leonor, aquela que costumamos chamar
D.Catarina da Áustria, filha póstuma de Filipe-o-Belo e de
Joana-a-Louca.
Esta senhora exerceu profunda influência no nosso País,
onde foi regente do reino, na menoridade de seu neto
D.Sebastião, interessando-se muito pela fundação da segunda
universidade portuguesa, a Universidade de Évora, que os
jesuítas estabeleceram nesta cidade.
Atribui-se a D.Joana I de Castela, sob reserva, a
iniciativa da erecção de um belíssimo túmulo de alabastro para
nele repousarem os restos mortais do seu antepassado
Nun'Álvares, seu quarto avô. Este monumento funerário, hoje
apenas conhecido por imagens que dele ficaram, foi destruído
pelo terramoto de 1755.
O rei de Espanha D.Carlos I, ou seja o imperador Carlos V,
filho de D.Joana e de D.Filipe, casou em Portugal com a
princesa D.Isabel, filha de D.Manuel I.
Eram ambos netos dos Reis Católicos. A imperatriz D.Isabel
governou ainda a Espanha, na ausência de seu marido. Ficou
historicamente famosa pela sua beleza. Era também muito devota
e modesta na maneira de viver.
Dois filhos deste casal contraíram núpcias no nosso País,
com seus primos coirmãos. D.Filipe II, também rei português,
casou com D.Maria; D.Joana casou com o herdeiro presumptivo da
coroa, D.João. Eram ambos filhos de D.João III e de D.Catarina
de Áustria.
D.João e D.Joana são os pais do nosso rei D.Sebastião, que
nasceu postumamente em relação ao seu progenitor e por isso
foi chamado "Desejado". Desapareceu na batalha de Alcácer
Quibir.
Outra filha de Carlos V e de D.Isabel de Portugal, D.Maria
de Castela e Aragão, casou com Maximiliano II, filho do
imperador Fernando I; eram primos coirmãos entre si. São os
pais do cardeal-arquiduque Alberto da Áustria, vice-rei de
Portugal e futuro rei da Bélgica.
Fernão de Magalhães realizou a sua célebre viagem de
circum-navegação, que ainda hoje é apresentada como uma das
provas da esfericidade da Terra.
A Espanha manteve com Portugal uma questão de certa
importância, por causa da soberania sobre as ilhas do
arquipélago das Molucas. Também surgiram dificuldades em
relação à demarcação das fronteiras sul-americanas,
especialmente na região do Rio da Prata, o actual Uruguai, e
sua capital, Montevideu.
No período que acabamos de percorrer, merecem referência
muito especial as relações que existiram entre os Reis
Católicos, Fernando e Isabel, e o Duque de Bragança,
D.Fernando. Devido à correspondência trocada entre eles, ou
pelo menos com base na acusação de tratar assuntos de extrema
importância e gravidade, o duque veio a ser preso, julgado,
condenado à morte e decapitado em Évora. A sua família,
nomeadamente a sua viúva D.Isabel, neta do rei D.Duarte,
procurou refúgio em Castela.
O sucessor do decapitado de Évora, D.Jaime, que contava
então apenas poucos anos de idade, foi educado em Espanha, sob
o patrocínio dos monarcas do país. Ali casou com D.Leonor de
Mendonça, filha dos Duques de Medina Sidónia, registando-se
nova tragédia com este casal, pois ela veio a ser assassinada
pelo marido, sob suspeita de infidelidade conjugal, que nunca
foi demonstrada e quase ninguém aceita.
Tinha sido reconduzido na dignidade nobiliárquica e
regressado a Vila Viçosa, no Alto Alentejo, onde a família
tinha o seu solar.
D.Dinis, Duque de Lemos, em Castela, terceiro filho de
D.Fernando de Bragança, usou aquele título devido a ter casado
com a sua detentora, D.Beatriz de Castro. Nada mais sabemos da
sua vida.
***
O curto período abrangido por este capítulo, de menos de um
século, tem grande importância nas relações entre Portugal e
Espanha, com manifestações bem salientes, em contrastes vivos
e enérgicos. Processou-se nesta altura a fase principal da
expansão ultramarina, que está na origem de longas negociações
e complicados convénios. Vivendo em paz, a diplomacia travou
importantes e decisivas batalhas, que se umas vezes terminaram
em festas nupciais outras vezes tiveram como epílogo dramas
arrepiantes.
Os três reinados de Isabel-a-Católica, Joana-a-Louca e
Carlos-o-Imperador abrangem a chamada "idade de ouro" da
História de Espanha, que muitos tomaram já como exemplo e como
símbolo da grandeza e da glória do seu país, a qual se
prolongou ainda pelo reinado do Rei Prudente, D.Filipe II.
Quanto a Portugal, abrange os reinados de D.João II,
D.Manuel I, D.João III e D.Sebastião, o período da nossa maior
glória e poderio, mas também o do nosso rápido declínio.
Devemos salientar que o engrandecimento da Espanha é
posterior ao de Portugal, mas a sua decadência veio também
algumas dezenas de anos mais tarde. As duas Histórias seguem
linhas quase paralelas, vivendo-se um período de uniões
matrimoniais muitas vezes repetidas. Quanto à nobreza, não se
nota que houvesse entre os grandes fidalgos ibéricos as
relações de convivência que noutros períodos se registaram.
U N I F I C A Ç Ã O I B É R I C A
D.FILIPE II (1556-1598 – rei da Espanha; 1580-1598 – rei
de Portugal)
Era neto do rei D.Manuel I de Portugal, filho de D.Carlos I da
Espanha e da imperatriz D.Isabel. Nasceu em Valhadolid, no dia
21 de Maio de 1527. As festas programadas por motivo do seu
nascimento foram suspensas devido a ter chegado à corte
espanhola a notícia do assalto a Roma, de que falámos ao
tratar de D.Carlos I. Quando sua mãe morreu, ainda muito
jovem, tinham nascido já duas meninas, D.Joana, a mãe do nosso
rei D.Sebastião, e D.Maria, futura imperatriz da Áustria,
esposa do imperador Maximiliano II.
O seu primeiro casamento foi efectuado com D.Maria, filha
dos nossos reis D.João III e D.Catarina da Áustria. Sua esposa
morreu de parto, quando nasceu o príncipe D.Carlos, de quem já
falámos e voltaremos a falar ainda. Pensou-se depois em fazer
novo casamento com sua tia D.Maria, filha de D.Manuel I, "A
Sempre Noiva", que pouco mais velha era do que ele; não chegou
a realizar-se este enlace.
D.Filipe II casou pela segunda vez com a rainha Maria
Tudor, da Inglaterra. Fez o terceiro casamento com Isabel de
Valois, filha do rei da França. A sua quarta esposa foi a sua
sobrinha D.Ana Maria da Áustria, filha do imperador
Maximiliano II. Pode dizer-se que nenhuma delas foi rainha de
Portugal, visto que a última faleceu em Outubro de 1580.
Sua filha D.Isabel Clara Eugénia, infanta de Espanha e de
Portugal, esteve para casar com o rei D.Sebastião. Veio,
finalmente, a contrair matrimónio com o vice-rei de Portugal,
o cardeal-arquiduque Alberto da Áustria. Este casamento
efectuou-se pouco depois da morte de Filipe II. Seu marido
tinha governado o nosso País de 1583 a 1593.
D.Filipe II mostrou-se contrário ao casamento de sua filha
com D.Sebastião. Segundo alguns autores, pensava nos frutos
doentes de casamentos entre parentes próximos da sua família,
muitas vezes repetidos. Isso, porém, não convence, pois
D.Isabel Clara Eugénia casou com um príncipe da sua parentela;
eram filhos de irmãos, Filipe e Maria, e de primos coirmãos,
Filipe e Maximiliano. E ele mesmo fez o seu quarto casamento
com uma sobrinha!
Pensou-se ainda no casamento de seu filho D.Diogo com uma
das filhas dos Duques de Bragança, D.Maria. O plano tinha a
vantagem de unir os direitos dos dois príncipes pretendentes
ao trono português numa só família. Estes projectos não se
concretizaram. O mesmo príncipe, D.Diogo, chegou a ser jurado
herdeiro do trono de Portugal, mas faleceu pouco depois de seu
pai cingir a coroa. Contava sete anos de idade.
O príncipe D.Carlos, filho de D.Filipe e de D.Maria de
Portugal, é o mesmo que seu avô, o imperador Carlos V, visitou
antes de entrar para o convento e no qual reconheceu francos
sinais de diminuição mental. Parece ter morrido tuberculoso. A
sua vida irregular e os desmandos a que se entregou
apressaram-lhe talvez a morte.
Esta figura da História da Espanha foi aproveitada pelos
poetas, dramaturgos e romancistas que pretenderam denegrir o
rei, dizendo que ele o não estimava, o perseguia e o
maltratava. Foi também assunto repetidas vezes utilizado para
combater o funcionamento da Inquisição. Quanto ao rei, nota-se
a má-fé e o exagero, algumas vezes a ignorância; quanto à
Inquisição, tem bastante matéria incriminativa e bem pode
dispensar aleivosias!
D.Filipe II sustentou uma guerra contra a França por este
país recear que um hipotético filho do rei da Espanha e de
Maria Tudor (de cujo matrimónio não houve descendência)
chegasse a ser rei comum da Inglaterra, Espanha e Países
Baixos, então sob o domínio da coroa espanhola. Até parece que
os governantes não sabem nem querem resolver dificuldades e
divergências a não ser pela força!
Maria Tudor era filha de Henrique VIII e de Catarina de
Castela e Aragão. Foi nesta guerra que se travou a célebre
batalha de S.Quintino. Pelo Tratado de Château-Cambresis, em
que se assinou a paz, estipulou-se que D.Filipe II, viúvo pela
segunda vez, casaria com a filha de Henrique II da França,
Isabel de Valois. Foi deste matrimónio que nasceram as famosas
princesas D.Isabel Clara Eugénia e D.Catarina Micaela.
Para comemorar a batalha e vitória de S.Quintino, D.Filipe
II mandou construir o mosteiro do Escurial. A primeira pedra
do grandioso edifício foi colocada no dia 23 de Abril de 1563;
a sua construção arrastou-se até 13 de Setembro de 1584.
No mesmo dia e mês, mas catorze anos mais tarde, falecia
ali o seu fundador; a consagração da basílica só havia sido
efectuada no dia 30 de Agosto de 1595.
D.João da Áustria, filho bastardo do imperador Carlos V,
portanto irmão do rei D.Filipe II, ganhou a famosa batalha de
Lepanto.
Em 1587, os ingleses em luta contra a Espanha, incendiaram
a esquadra espanhola fundeada no porto de Cádis. O rei
organizou então a célebre "Armada Invencível", de que fazia
parte a frota naval portuguesa. Foi destruída pelos temporais,
pela astúcia do almirante britânico e pela incompetência do
chefe espanhol, o Duque de Medina Sidónia.
Os Países Baixos revoltaram-se contra o jugo espanhol, que
detestavam. As divergências de mentalidade e as diferenças
religiosas manifestaram-se com tal vigor que se formaram dois
blocos. Ambos conseguiram a independência, tendo a parte norte
formado a Holanda, república protestante, e a parte sul
constituído a Bélgica, monarquia católica. Os primeiros
soberanos belgas foram o cardeal-arquiduque Alberto da Áustria
e sua esposa D.Isabel Clara Eugénia.
Muito se tem escrito acerca da personalidade e da política
de D.Filipe II. A maior parte desses escritos foram ditados
pelo ódio ou pela má-fé. Para começar, temos o caso de seu
filho, o príncipe D.Carlos. Nunca se fez completa luz sobre
este enigmático processo, todavia, não devemos condenar o rei
sem apelo...
Quanto ao mais, encontraremos sempre uma razão, política ou
religiosa, para explicar as calúnias que foram postas a correr
e, uma vez ou outra, também os louvores exagerados que lhe
dedicaram escritores pouco exigentes. Por vezes é difícil
manter o equilíbrio e a sensatez!
Filipe II fez a sua política, certamente a que julgou ser a
mais apropriada àquele momento histórico. Nós, portugueses,
não podemos esquecer que o neto de D.Manuel I defendeu o que
julgou serem os seus direitos naturais. Defendeu energicamente
os seus interesses, pessoais e nacionais. Em face das normas
jurídicas em vigor no seu tempo, tinha mais direitos do que o
Prior do Crato; talvez se não possa dizer a mesma coisa em
relação a D.Catarina, Duquesa de Bragança, mas os
contemporâneos tiveram as suas razões para se não baterem por
ela... Historicamente, D.Filipe II é rei de Portugal. Hoje
apreciamo-lo muito diferentemente de como o foi há cem ou
duzentos anos... Pesam-se os seus defeitos e as suas
qualidades, pois teve pecados e virtudes.
***
Disputou o trono de Portugal ao lado de D.Filipe, do Prior
do Crato e da Duquesa de Bragança, após o falecimento do
cardeal-rei D.Henrique, o Príncipe de Parma, Rainúncio, que
alegava pertencer-lhe mais do que a qualquer outro
pretendente, pelo privilégio da progenitura e da varonia.
Era filho de Maria de Bragança e Guimarães, neta de
D.Manuel I por seu pai D.Duarte. A sua candidatura não foi
levada em consideração nem ele a defendeu como quem
depositasse alguma esperança de vencer, segundo os direitos
que dizia reunir!
D.Maria era irmã de D.Catarina de Bragança e mais velha do
que ela.
A quarta Condessa de Portalegre, D.Filipa da Silva, casou
em Espanha com D.João da Silva, Conde de Salinas, que era
também de ascendência portuguesa, por sua mãe, dama de honra
da imperatriz D.Isabel de Portugal, esposa de Carlos V.
O primeiro Conde de Vila Flor e único na sua família,
D.Luís Enriquez, era filho dos Condes de Alba de Liste. O
título continuou a ser usado em Espanha, na sua descendência,
tendo-se unido ao espanhol.
O segundo Duque de Aveiro, D.Jorge de Lancastre, casou em
Espanha com D.Madalena Girón, filha dos Condes de Ureña e irmã
do Duque de Ossuna.
Deste casamento nasceu apenas uma menina, D.Juliana de
Lancastre, que veio a casar com seu primo D.Álvaro,
resolvendo-se deste modo um pleito de sucessão, que alguns
diziam não poder verificar-se na descendência feminina.
Dos seus numerosos filhos, um deles usou o título espanhol
de Marquês de Malagón, D.Luís de Girón y Lancastre.
O quarto Duque de Aveiro, D.Raimundo de Lancastre, recebeu
também o título honorífico espanhol de Duque de Ciudad Real,
tendo-se passado para este país, traindo a pátria, pelo que
foi julgado, condenado à morte e executada a sentença em
efígie, sendo-lhe confiscados os seus bens.
Em Espanha, foi ainda Duque de Maqueda, Marquês de
Montemayor e Marquês de Elche.
A sexta Duquesa de Aveiro, D.Maria de Guadalupe de
Lancastre, recebeu o título por sentença judicial, com a
condição expressa de regressar a Portugal e prestar homenagem
ao nosso rei. Casou em Espanha com D.Manuel Ponce de León,
Duque de Arcos.
Esta senhora era dotada de excepcionais qualidades
artísticas, sendo pintora de certo valor e escritora com
bastante mérito. Para poder vir tomar conta da sua casa, teve
de separar-se do marido, que não quis deslocar-se e fixar-se
em Portugal.
O sétimo Duque de Aveiro, D.Gabriel de Lancastre Ponce de
Léon, filho dos anteriores, usou também o título espanhol de
Duque de Baños, que lhe foi concedido com a intenção de o
prender a Madrid; este estratagema não deu resultado, pois ele
acabou por se fixar entre nós.
Queremos chamar a atenção para o facto de as referências
aos Duques de Aveiro avançarem bastante no tempo, atingindo os
meados do século XVIII.
D.FILIPE III (1598-1621)
Era filho de D.Filipe II e da rainha D.Ana Maria da Áustria. O
cardeal-arquiduque Alberto da Áustria era irmão da
rainha-cônjuge de Espanha. Outra irmã, D.Margarida da Áustria,
a penúltima de quinze irmãos, recusou-se a casar com o rei
D.Filipe II, seu tio; seria a quinta esposa deste monarca.
Raramente se encontra na História desta época o exemplo de uma
mulher que se atrevesse a contrariar os interesses e projectos
dos grandes, sobretudo se os seus planos a faziam rainha!
D.Filipe III casou com D.Margarida da Áustria, também
conhecida por Margarida de Gratz ou Graetz. Apesar da
semelhança do nome, a sua esposa não era a pressuposta "noiva"
de Filipe II. Na mesma ocasião, celebrou-se também o casamento
de D.Isabel Clara Eugénia, de quem já falámos. O seu pai e
antecessor tinha falecido poucos meses antes.
Este rei apoiou decididamente a causa da canonização da
rainha Santa Isabel, que se celebrou já no reinado seguinte,
em 1625.
Um escritor espanhol afirmou que mais parecia um frade do
que um rei. Esta observação é muito curiosa, sobretudo por vir
exactamente de um eclesiástico.
Os espanhóis chamaram-lhe "Apático", enquanto os
portugueses lhe deram o epíteto de "Pio"; os dois cognomes
completam-se e definem a sua personalidade.
Decretou a expulsão dos mouros de Castela e outros estados
sujeitos ao seu domínio. Já nos reinados anteriores haviam
sido forçados a disseminar-se pelos reinos de Castela, Galiza
e Andaluzia. Procurou-se desta forma diminuir a densidade da
população mourisca na região de Granada, onde mais de uma vez
se manifestaram tendências separatistas, o desejo da
independência. Podemos notar que, tendo tomado medidas
semelhantes, não deixou atrás de si um rasto de ódio, como os
monarcas que o antecederam.
Afirma-se que D.Filipe III, ao visitar Portugal, em 1619,
quis ver touradas e autos-de-fé. Custa aceitar esta
informação. Estes espectáculos eram bem conhecidos na Espanha.
Não seriam as autoridades portuguesas que, para o lisonjear,
elaboraram o programa da visita de forma a incluir tais
funções!? Isso apenas nos indica gosto pouco apurado, tanto de
um lado como do outro!
Mandou colocar na basílica do Escurial as famosas estátuas
orantes, que representam seu avô Carlos V e seu pai Filipe II.
São grupos escultóricos de grande beleza que podem ser
admirados na capela-mor daquele templo. Enriqueceu a
biblioteca deste mosteiro com mais de quatro mil manuscritos.
E iniciou as obras do monumental panteão real.
O herdeiro do trono casou com D.Isabel de Bourbon, filha do
rei Henrique IV da França. O príncipe herdeiro do trono
francês casou com a princesa D.Ana Maurícia, conhecida na
História pelo nome de Ana da Áustria.
Esta infanta da Espanha e de Portugal não se dava bem com o
marido, Luís XIII da França, e chegaram a estar separados
durante bastantes anos. Só depois da reconciliação do casal
nasceu o sucessor do trono, o futuro rei Luís XIV. Na
menoridade deste, governou ela a França, na qualidade de
regente; afastou os partidários do cardeal Richelieu e
entregou os negócios públicos nas mãos do cardeal Mazarino.
Outra princesa de Espanha e de Portugal, D.Maria Ana, casou
com o imperador da Alemanha, Fernando III. E o infante
português e espanhol D.Fernando exerceu durante alguns anos as
funções de Cardeal-Legado, em Lisboa.
***
S.Francisco de Borja, o conhecido superior-geral da
Companhia de Jesus, fez o seu casamento com D.Leonor de
Castro, de nacionalidade portuguesa. O famoso jesuíta usava os
títulos de Marquês de Lombay e de Duque de Gandia. Residiu
bastante tempo em Portugal, onde passou os últimos meses da
sua vida. Morreu em Roma.
D.Filipe III concedeu o título de Conde de Ficalho a D.João
de Borja, filho de S.Francisco de Borja e de sua esposa,
D.Leonor de Castro. Em Espanha era ainda Conde de Mayalde.
Casou em primeiras núpcias com D.Lourença de Oñaz y Loyola,
sobrinha de S. Inácio. Foi embaixador do rei de Espanha em
Lisboa, onde estava pelo ano de 1576, quando fez o seu segundo
casamento com D. Francisca de Aragão, da família real
aragonesa, pois descendia do rei D.João II, daquele país.
Três filhos do Conde de Ficalho e de sua segunda esposa
foram titulares espanhóis: --D.Francisco usou o título de
Príncipe de Esquilache; D.Fernando foi Comendador-Mor de
Montesa; D.Carlos ascendeu a Duque de Villahermosa.
O segundo Conde de Ficalho, que foi D.Carlos de Aragón y
Borja, agora referido, casou com D.Maria de Aragón y Guerrea,
filha dos Duques de Villahermosa e Condes de Ribargorza.
O terceiro Conde de Ficalho, D.Fernando de Guerrea Aragón y
Borja, foi também Duque de Villahermosa. Casou com D.Luísa de
Aragón, Condessa de Luna; e, depois da morte desta senhora,
contraiu segundas núpcias com D.Maria da Silva, viúva do Conde
de Sinarcas, Visconde de Chelva, Barão de Sat y Quartell,
filha dos Marqueses de Orani.
Finalmente, o quarto Conde de Ficalho, D.Carlos de Aragón
Borja Alagón y Guerrea, foi Duque de Villahermosa, Conde de
Luna e de Sástago, Barão de Pedrola, Ersa e Pina. Era filho do
primeiro casamento do terceiro conde. Matrimoniou-se com
D.Maria Henriquez de Guzmán, filha dos Condes de Alba de
Liste.
Devemos esclarecer que as referências a esta família se
estendem no tempo, atingindo o final do século XVII.
São Francisco de Borja, tronco da Casa de Ficalho, foi
outrora invocado como padroeiro secundário de Portugal, que
agora é Santo António, e festejado a 10 de Outubro. A
padroeira principal é Nossa Senhora da Conceição, representada
pela imagem de Vila Viçosa.
A Condessa da Feira, D.Joana Forjaz Pereira de Meneses e
Silva, casou com o fidalgo espanhol D.Manuel Pimentel,
governador de Antuérpia e filho dos Condes de Benavente e
Mayorga. Depois de viúva, regressou a Portugal com os seus
filhos.
O Marquês de Alenquer, D.Diogo da Silva e Mendonça, usou
também os títulos espanhóis de Conde de Salinas de Ribadeo e
Duque de Francavilla.
Em 1615 foi nomeado vice-rei de Portugal, porém, a Câmara
de Lisboa protestou tão energicamente contra esta nomeação que
não tomou conta do cargo. Dizia-se, para justificar a atitude
da vereação lisboeta, que embora tivesse nascido em Portugal
não era português, pois estava profundamente espanholizado.
Em 1617, o monarca impôs que tomasse conta do lugar,
concedendo-lhe nessa altura aquele título nobiliárquico.
O seu governo foi desastroso para o País, tendo sido
substituído só depois da morte do rei.
O Conde de Arcos, D.Luís de Lima Brito e Nogueira, casou em
Espanha com D.Vitória de Cadaillac, filha do Barão de La
Chapelle Marival, descendente dos reis castelhanos, pelo ramo
de Bourbon-Malause
O terceiro Conde de Tentúgal, D.Nuno Álvares Pereira de
Melo, casou com D.Mariana de Castro, dama das infantas
D.Isabel Clara Eugénia e D. Catarina Micaela, filha dos Condes
de Altamira.
E o quarto Conde de Tentúgal e terceiro Marquês de
Ferreira, D.Francisco de Melo, casou com sua prima D.Maria de
Moscoso Sandoval, filha dos Condes de Altamira, em Espanha.
Tendo enviuvado, contraiu segundas núpcias com sua sobrinha
D.Joana Pimentel, filha do Marquês de Tavara e vice-rei da
Sicília e Valença, D.António Pimentel.
D.FILIPE IV (1621-1640 -- rei de Portugal; 1621-1665 --
rei da Espanha)
Era filho de D.Filipe III e da rainha D.Margarida da Áustria
ou Margarida de Gratz. Casou, como já dissemos, com D.Isabel
de Bourbon, em 1620. Esta senhora foi, portanto, rainha de
Portugal.
Tendo enviuvado, em 1644, contraiu segundo casamento, agora
com sua sobrinha D.Maria Ana da Áustria, filha de Fernando III
e de D.Maria Ana de Espanha. Deste matrimónio nasceu o
sucessor da coroa.
Uma filha de D.Filipe IV, D.Maria Teresa, infanta de
Espanha e de Portugal, casou com Luís XIV da França. A sua
vida matrimonial foi marcada por dissabores, pois seu marido
entregava-se descaradamente a contínuas aventuras amorosas. Um
neto do casal, Filipe de Anjou, ocupou o trono espanhol depois
da Guerra da Sucessão, como veremos mais adiante.
Outra filha de D.Filipe IV, D.Margarida Maria Teresa, casou
com o imperador Leopoldo I da Áustria. São os pais do outro
pretendente ao trono, o arquiduque Carlos, que baseava as suas
aspirações no facto de sua tia ter renunciado aos direitos à
coroa.
No tempo deste monarca, os holandeses começaram a atacar o
Brasil, onde ocuparam Pernambuco, Baía e outras terras do
litoral. O almirante espanhol António Oquendo defendeu
corajosamente as terras brasileiras, ao lado de outras figuras
de nacionalidade portuguesa.
Angola sofreu também alguns assaltos, embora a ocupação de
Luanda e Benguela pelos flamengos se efectuasse já no reinado
de D.João IV.
A Revolução de 1 de Dezembro de 1640 afastou este soberano
do trono de Portugal. Não vamos referir-nos ao facto, por
desnecessário.
Depois da sua elevação ao trono, o rei D.João IV ainda
tentou fazer as pazes com Filipe IV, propondo o casamento de
seu filho D.Teodósio com a infanta D.Maria Teresa, futura
rainha da França. A sugestão foi repelida.
As grandes batalhas da Guerra da Restauração -- Elvas,
Ameixial, Castelo Rodrigo e Montes Claros --foram todas
travadas ainda neste reinado.
D.Filipe IV colocou o governo dos seus estados nas mãos do
Conde-Duque de Olivares, que se comportava como ditador e
cometeu graves erros de administração; os seus desregramentos
contribuíram para que a Catalunha e Portugal se revoltassem.
Manejava o soberano ao seu arbítrio e procurava sujeitar todos
os elementos aos seus caprichos, inclusive a própria rainha. A
sublevação da Catalunha e a independência de Portugal puseram
em evidência os erros da sua administração e passou a ser
considerado culpado da ruína e decadência da Espanha.
D.Filipe IV foi designado pelos historiadores espanhóis,
depreciativamente, pelo cognome de "Alegre"; em Portugal, é
chamado "Grande", havendo também quem lhe chame "Opressor". O
P.André Manjón escreveu a seu respeito que, quando morreu,
andava a aprender a governar bem!...
***
O Marquês de Porto Seguro, D.Afonso de Lancastre,
permaneceu em Espanha depois da restauração da nossa autonomia
política, em 1640, conservando-se fiel a D.Filipe , que o
cumulou de mercês. Casou com D.Ana de Sande Padilla y
Bobadilla, Marquesa de Valdefuentes. Ele teve também os
títulos de Marquês de Sardoal e Duque de Abrantes, que não
foram reconhecidos em Portugal, apesar de se referirem a
designações portuguesas. Depois de viúvo, tomou ordens sacras.
O título português de Marquês de Porto Seguro continuou a ser
usado pelos seus filhos, em Espanha, embora não fosse
reconhecido no nosso País; referia-se à cidade desse nome, no
Brasil.
D.Cristóvão Luís Guilherme, neto do pretendente ao trono de
Portugal, em 1580, D.António, Prior do Crato, recebeu de
D.Filipe IV o título de Marquês de Trancoso, em 1653, portanto
muito depois da restauração da nossa independência. Nunca teve
validade em Portugal. Referimo-nos a ele apenas por
curiosidade histórica.
Podemos registar ainda que D.Manuel de Portugal, filho do
Prior do Crato, casou em segundas núpcias com uma senhora
espanhola, D.Luísa Osório, dama de honor de D.Isabel Clara
Eugénia. Era, como os demais irmãos, de filiação ilegítima,
visto que D.António nunca contraiu matrimónio, engendrando
filhos de diversas mulheres.
Salientemos ainda que a numerosa descendência deste efémero
rei de Portugal manifestou acentuada tendência religiosa,
católicos uns e calvinistas outros.
O terceiro Conde de Tarouca, D.Duarte Luís de Meneses,
seguiu também o partido da Espanha, contra o rei D.João IV,
tornando-se mais acérrimo adversário depois da conspiração de
1641 e repressão política que se lhe seguiu. Recebeu do
monarca espanhol o título de Marquês de Penalva, que nunca foi
aceite entre nós.
Seu filho, D.Luís de Meneses, sucedeu-lhe no uso daquela
dignidade nobiliárquica, e casou com D.Francisca Henriquez,
filha dos Marqueses de Oropesa, tendo mais tarde contraído
segundas núpcias com D.Luísa Ximenez de Gôngora, Marquesa de
Almodovar e Condessa de Pinar, da nobreza espanhola.
D.Jorge de Lancastre, terceiro Marquês e primeiro Duque de
Torres Novas, contraiu casamento por duas vezes e ambas em
Espanha. A sua primeira esposa foi D.Ana Dória Colonna, filha
do Príncipe de Melfi e da Princesa de Paliano; a sua segunda
mulher veio a ser D.Ana Manrique de Cárdenas, filha dos Duques
de Maqueda.
O Duque de Caminha, Conde de Alcoutim e Valença, e ainda
Marquês de Vila Real, D.Miguel Luís de Meneses, casou em
segundas núpcias com sua sobrinha D.Maria Brites de Meneses.
Esta, depois de viúva, veio a casar em Espanha com D.Pedro
Portocarrero, Conde de Medellin, que também usou a denominação
de Duque de Caminha, embora nunca chegasse a ser reconhecida
em Portugal.
O Conde de Castelo Novo, D.Francisco Mascarenhas, casou em
Espanha com D.Luísa Antónia de Velasco, filha dos Condes de
Sástago, sendo já viúva do Conde de Salazar. Morreu em luta
contra os mouros, numa sortida efectuada em Mazagão, de que
era governador. A praça, surpreendida por um ataque inimigo,
foi corajosamente defendida pela varonil senhora, que assumiu
o comando das tropas e a chefia do governo até chegar o
sucessor de D.Francisco Mascarenhas.
O Conde de Óbidos, D.Vasco Mascarenhas, que deu o nome a
uma conhecida zona portuária de Lisboa, a "Rocha do Conde de
Óbidos", onde mandou construir o seu palácio residencial,
casou em Espanha com D.Jerónima de la Cueva y Mendonza. Deste
enlace nasceu D.Joana Mascarenhas, que casou também em Espanha
com o Conde de Montijo, D.António de Luna Portocarrero. Os
seus sucessores continuaram a usar indevidamente o título, a
que juntaram o de Marquês de Castro Fuerte.
O Conde de Linhares, D.Miguel de Noronha, que antes tinha
servido exemplarmente o seu País, não aceitou a restauração da
nossa autonomia na pessoa de D.João IV, continuando fiel ao
rei de Espanha, que o nomeou general das galés (na Sicília e
na Espanha), e o elevou à dignidade de Marquês de Gijón e
Duque de Viseu.
Finalmente, vamos referir-nos à família próxima do nosso
rei D.João IV. Este, enquanto Duque de Bragança, casou com
D.Luísa Francisca de Gusmão, filha dos Duques de Medina
Sidónia.
A notável senhora possuía grandes qualidades, tendo
influído favoravelmente no ânimo de seu esposo, apoiando-o e
entusiasmando-o. Descendia de D.João I e de D.Fernando I de
Portugal, e de D.Henrique II de Castela, além de outros.
O pai deste monarca, D.Teodósio, sétimo Duque de Bragança,
casou igualmente em Espanha, com D.Ana de Velasco, filha do
condestável de Castela, Duque de Frias, Marquês das Berlengas
e Conde de Haro.
D.Serafina de Bragança, tia de D.João IV, casou com o Duque
de Escalona e Marquês de Vilhena, D.João Fernandez Pacheco.
E outro tio do nosso rei, D.Duarte de Bragança, foi Marquês de
Frechilla, em Espanha, onde casou com duas titulares deste
país; o seu primeiro casamento foi com D.Brites de Toledo
Monroy y Ayala, Marquesa de Jarandilla; contraiu segundas
núpcias com a Marquesa de Malagón, D.Guiomar Pardo y Tavara.
***
Não deve surpreender-nos o facto de muitos nobres
portugueses casarem em Espanha, no período em que as duas
coroas estiveram unidas. A corte atraía muitos membros da
aristocracia, que por vezes tinham ali missões a desempenhar.
Assim se estabeleciam conhecimentos e relações que estão na
base de futuros enlaces matrimoniais.
Também não deve surpreender-nos que muitos nobres
portugueses continuassem fiéis ao rei D.Filipe IV, mesmo
depois de Portugal ter sacudido o jugo espanhol. O sentimento
nacional, ao tempo, ainda se confundia com a fidelidade ao
soberano. Grande número de fidalgos tinha interesses
familiares e económicos na Espanha, e quase sempre estes
valores pesam sobre a conduta dos seus detentores...
Nem toda a nobreza nacional se tinha comprometido com a
conjuração de 1640, dando-se o caso de haver até quem não
fosse partidário de D.João IV. Sessenta anos antes, a Duquesa
de Bragança, D.Catarina, também não congregara à sua volta a
grande maioria dos portugueses. E sessenta anos é período
insuficiente para a mudança de mentalidades, sobretudo num
tempo em que a evolução se fazia em ritmo moderado...
Nós vemos os acontecimentos a mais de trezentos e cinquenta
anos de distância, e não devemos deixar-nos arrastar pelas
paixões que se justificariam no momento mas que hoje são
insustentáveis e inaceitáveis. Os nossos antepassados não
pediram a nossa opinião para regularem por ela o seu
procedimento e o pensamento dos nossos descendentes também não
coincidirá perfeitamente com a nossa mentalidade!
INFLUÊNCIA FRANCESA
D. CARLOS II (1665-1700)
Era filho de D.Filipe IV e de sua esposa e sobrinha D.Maria
Ana de Áustria. Herdou o trono sendo ainda muito jovem, tendo
governado por ele, como regente do reino, o seu irmão
bastardo, D.João da Áustria, o general vencido na batalha de
Ameixial.
Este rei possuía fracas qualidades de governante, tendo
sido uma sorte que a regência estivesse noutras mãos. Tinha
temperamento muito difícil, estando próximo da loucura. Depois
da sua morte, entrou-se na Guerra da Sucessão da Espanha, em
que Portugal tomou parte activa. Os pretendentes ao trono eram
Filipe de Anjou, seu sobrinho-neto, filho de Luís, o Grande
Delfim, e neto de sua irmã D.Maria Teresa, o qual tinha como
opositor o neto de D.Filipe IV e seu sobrinho, filho do
imperador Leopoldo I e de D.Margarida Maria, o arquiduque
Carlos da Áustria.
Filipe de Anjou foi reconhecido como rei da Espanha em
virtude de o arquiduque Carlos ter sido aclamado imperador,
por morte de seu irmão, pois não convinha às grandes potências
europeias restaurar o império de Carlos V. A guerra terminou
pelo Tratado de Utreque, mais tarde confirmado pela Paz de
Rastadt.
Foi durante a Guerra da Sucessão da Espanha que os ingleses
ocuparam o morro de Gibraltar e nunca mais o entregaram aos
espanhóis. Os Países Baixos aumentaram a sua autonomia; a
autoridade da Espanha era simplesmente nominal, não tinha
valor real, carecia de influência efectiva.
D.FILIPE V (1700-1746)
Firmou-se no trono espanhol em resultado da Guerra da
Sucessão, tendo-lhe sido dado o epíteto de "Animoso" pela
intrepidez demonstrada durante o conflito.
A primeira esposa deste monarca, D.Maria Luísa de Sabóia,
foi o seu anjo bom. O tempo que viveu com ela foi, segundo
quase todos os autores, o mais feliz da sua vida. Casou
depois, em segundas núpcias, com D.Isabel Farnésio, que
dominou os acontecimentos políticos da Espanha. O rei não era
dotado de qualidades excepcionais e chegou a ser preciso haver
um regente, por se lhe ter turvado a razão. Contam-se entre
eles a rainha D.Isabel Farnésio e o político José Patiño y
Rosales.
Em certa altura, abdicou em seu filho D.Luís, aí pelo ano
de 1724, resolvendo abandonar a governação; porém, a morte
prematura do jovem rei obrigou-o a voltar a interessar-se
pelos assuntos da administração pública. O malogrado monarca
costuma ser incluído na lista dos reis espanhóis sob o nome de
D.Luís I. No tempo de D.Filipe V (cujo reinado corresponde, na
prática, ao do nosso rei D.João V) a Espanha levantou-se da
letargia em que tinha caído e começou a progredir, sob
diversos aspectos. Deu-se também grande desenvolvimento à
difusão da cultura e à instrução, tal como sucedeu em
Portugal, usando os mesmos métodos e processos, a fundação das
Academias de História, Língua e Medicina.
Uma neta de D.Filipe V e de D.Isabel Farnésio, D.Maria
Teresa de Bourbon y Vilabriga, veio a casar com o famoso
Príncipe de Paz, D.Manuel de Godoy, a quem foi concedido o
título e a dignidade nobiliárquica de Conde de Évora Monte.
Vamos referir-nos a esta família no lugar e na altura
próprios.
D.FERNANDO VI (1746-1759)
Era filho de D.Filipe V. Seu pai pensou ainda em lhe entregar
o trono em vida, como fizera com seu irmão D.Luís, mas não o
concretizou.
Elevou a Espanha a um grau de prosperidade relativamente
alto. Protegeu as ciências, as artes e a marinha. Foi chefe
prestigioso e competente; soube rodear-se de pessoas honestas
e de valor. Governou em paz, e por isso foi chamado
"Pacífico". Recusou-se a todo o custo a entrar nas actividades
bélicas da Guerra dos Sete Anos, para que a política europeia
queria arrastá-lo.
A morte de sua mulher, D.Maria Bárbara de Bragança, que ele
amava com ternura pouco vulgar em cônjuges reais, abateu-lhe o
ânimo de tal maneira que entrou numa espécie de obsessão,
muito próxima da monomania. Morreu um ano depois de ter
enviuvado. O grande pedagogo espanhol P.André Manjón escreveu
dele que "morreu cedo porque o que é bom dura pouco". É o
maior elogio que pode fazer-se-lhe!
D.CARLOS III (1759-1788)
Era irmão do rei D.Fernando VI, que morreu sem descendência.
Era já "Rei das Duas Sicílias" quando foi chamado a ocupar o
trono espanhol.
Foi grande impulsionador da cultura. Fundaram-se neste
reinado a Biblioteca Nacional de Madrid, o Observatório
Astronómico, o Jardim Botânico, o Seminário dos Nobres, o
Conservatório de Música e Declamação, a Escola Pia, a Academia
Latina, o Museu de Ciências Naturais, a Academia de Belas
Artes -- que foi o antecedente do actual Museu do Prado,
fundado mais tarde por D.Maria Isabel de Bragança, filha do
nosso rei D.João VI. A cidade de Madrid foi provida com um
sistema de esgotos e as suas ruas pavimentadas.
No tempo do rei D.Carlos III fundou-se o Vice-Reinato do
Rio da Prata, na América do Sul, causa futura de algumas
perturbações diplomáticas entre os nossos dois países. Em 24
de Março de 1778, assinou-se o Tratado do Prado, que
restabelecia as boas relações entre as duas cortes, de Lisboa
e Madrid, pouco cordiais até então. Este convénio ficou a
dever-se à benéfica influência da rainha D.Mariana Vitória,
viúva de D.José , que depois da morte do marido se retirou
para o seu país de origem, sem deixar de se interessar pelos
problemas referentes a Portugal. Por este tratado, a Espanha
garantiu a posse das ilhas de Fernando Pó e Ano Bom, que já no
Tratado de Santo Ildefonso tinham sido consideradas como
pertencentes à Espanha.
Sob a inspiração do Conde de Aranda, o rei D.Carlos
expulsou os jesuítas do território espanhol. Imitou nisso o,
nosso Marquês de Pombal! O respectivo decreto foi aplicado com
um cinismo repugnante! Aproveitando a conhecida "Revuelta de
los Sombreros", foram enviadas em que se determinava que os
colégios da Companhia de Jesus fossem cercados e todos os seus
membros presos em data definida. A ordem estava selada e devia
ser aberta apenas em dia de antemão estabelecido. Os jesuítas
aprisionados seriam enviados para os Estados Pontifícios,
destinados ao porto de Civita Vechia. As condições em que a
viagem era feita tinham muito de desumano, tendo morrido
bastantes religiosos no trajecto para a Itália ou nos cárceres
em que foram recolhidos.
A expulsão dos jesuítas foi prejudicial ao progresso do
país, sobretudo quanto ao ensino. D.Carlos III colaborou com
outros soberanos nas negociações que levaram extinção da
Companhia de Jesus, tendo conseguido este objectivo depois da
morte do Papa Clemente XIII, fazendo com que fosse eleito um
Pontífice favorável à ideia da extinção, Clemente XIV. Mas a
vitória não foi definitiva, visto que alguns anos mais tarde a
famosa congregação voltou a ser restaurada.
A História da Espanha dá ao rei D.Carlos III o nome de
"Contraditório", pois, como afirma o tantas vezes citado
P.André Manjón, "sendo piedoso, inspirou-se na Maçonaria;
amando a Espanha, sacrificou-a aos interesses da sua família;
tendo-se por honrado, dispôs da liberdade e da fazenda dos
cidadãos como o faria um sultão da Turquia".
D.CARLOS IV (1788-1808)
Era filho de D.Carlos III. Diz-se dele que quem na verdade
governava era sua mulher D.Maria Luísa de Parma e o Príncipe
da Paz, Manuel Godoy. A rainha D.Maria Luísa é considerada,
por alguns autores, como a mais imoral das rainhas de Espanha,
vivendo intensamente o mal da época. Saliente-se que nem todas
foram imorais, antes as houve muito virtuosas, verdadeiramente
modelares.
A Espanha intrometeu-se demasiadamente nos negócios
políticos da França, umas vezes pela Monarquia e outras vezes
pela República. A política dúbia de Manuel Godoy levou-nos à
guerra, provocando as invasões francesas.
Em 1801, a Espanha ocupou a cidade de Olivença, então
portuguesa, que nunca mais voltou ao nosso domínio, o que foi
previsto no Tratado de Paris e na Conferência de Berlim.
O príncipe herdeiro, futuro D.Fernando VII, promoveu uma
revolta em Aranjuez, no dia 17 de Março de 1808. Assim colocou
a coroa sobre a sua cabeça. Parece que Napoleão favoreceu a
mudança e sugeriu mesmo a abdicação de D.Carlos IV; esta
cerimónia realizou-se no palácio régio daquela vila, com
grande esplendor externo. Já antes havia sido movido contra o
príncipe herdeiro o chamado "processo do Escurial", por motivo
idêntico. A Espanha estava cansada do governo do inepto rei e
do seu antipático ministro, e punha as suas esperanças no
sucessor do trono, que tantas desilusões veio a causar!
Receava-se em Espanha que a sua família real seguisse o
exemplo da corte de Lisboa e se mudasse para alguma das
cidades da América. Nos acontecimentos de Aranguez, o povo
sublevado quis linchar Manuel de Godoy, que teve de se
esconder para poder escapar à morte.
A desastrosa política seguida pela Espanha e as numerosas
intrigas diplomáticas postas em acção levaram os monarcas
espanhóis a entregar-se a Napoleão, em Baiona, curvando a
cabeça a todas as suas imposições e acusando-se mutuamente de
deslealdade quase todas as personagens desta farsa. Esteve em
grande perigo a independência da pátria que os Reis Católicos
criaram!
No dia 10 de Maio de 1808, Napoleão tomava "legalmente" nas
suas mãos os destinos da Espanha, cuja política manobrava há
muito tempo, em consequência da abdicação de D.Carlos IV e de
D.Fernando VII.
O infante D.Carlos Maria Isidro nunca cedeu às imposições
imperiais e por isso teve de suportar o cativeiro, embora
suave, pois ficou detido às ordens de Napoleão em diversos
castelos e palácios da França. O povo madrileno revoltou-se
contra o domínio francês e sofreu a vingança dos opressores,
os famosos fuzilamentos de Moncloa; isso deu a Goya o tema
para o seu quadro imortal. A guerra começava a ser favorável
aos espanhóis e Napoleão resolveu deslocar-se à Península. Em
Janeiro seguinte, como consequência da abdicação de Baiona,
colocou no trono espanhol seu irmão José. O seu nome não se
inclui na lista dos reis do país. O período do seu "reinado"
vai de 1808 a 1813.
D.FERNANDO VII (1808-1833)
Era filho de D.Carlos IV e tomou conta do poder por seu pai
ter abdicado. O povo de Madrid revoltou-se, em 2 de Maio de
1808, contra o domínio francês e a tirania de Napoleão
Bonaparte, sofrendo os terríveis fuzilamentos de Moncloa.
Começou então a Guerra da Independência, que nós chamamos
Guerra Peninsular. Saragoça sofreu um horrível cerco, assim
como Gerona. Em 1810, vencemos os franceses na batalha do
Buçaco e, em Espanha, foram derrotados em Fuentes de Oñoro e
outros lugares. Ciudad Rodrigo defendeu-se valorosamente
durante o cerco que lhe foi posto. A guerra terminou,
praticamente, com a batalha de Arapil, perto de Salamanca, em
1812, embora as actividades bélicas prosseguissem ainda
durante bastante tempo, em ritmo moderado.
Neste reinado, tornaram-se independentes quase todas as
colónias espanholas da América: --México, Venezuela, Colômbia,
Bolívia, Equador, Perú, Chile, Argentina, etc. Praticamente,
só restaram as de Cuba e Porto Rico, continuando a exercer a
soberania sobre as Filipinas, na Oceania.
D.Fernando VII casou quatro vezes. O seu casamento com a
infanta portuguesa D.Maria Isabel de Bragança foi o segundo; a
sua última esposa era a famosa D.Maria Cristina de Bourbon,
regente do reino na menoridade de sua filha D.Isabel II.
Quando a Academia de Belas Artes propôs a reunião, num local
único, das valiosas pinturas do tesouro artístico espanhol, a
rainha D.Maria Isabel acolheu a ideia com entusiasmo e cedeu
para esse fim uma avultada pensão que recebia. Assim conseguiu
reunir no Museu do Prado a sua famosa pinacoteca. No entanto,
deve atender-se a que a sua fundação efectiva vem de quase um
ano após o falecimento da rainha : -- 29-XII-1818 e
19-XI-1819.
***
No tempo de D.Afonso VI de Portugal e D.Carlos II de
Espanha, foi assinado, em 13 de Fevereiro de 1668, o tratado
de paz que pôs fim à Guerra da Restauração. Tentámos por duas
vezes negociar o casamento de D.Carlos II com a infanta de
Portugal, D.Isabel Luísa Josefa, filha de D.Pedro II, mas sem
resultado.
O Marquês de Gouveia e Conde de Santa Cruz, D.João de
Mascarenhas, casou em Espanha com D.Teresa de Moscoso Osório y
Aragón, filha dos Marqueses de Almazan y Poza e Condes de
Monteagudo, já viúva do Marquês de Malpica. Enquanto casado,
D.João de Mascarenhas fugiu com uma mulher nobre e fixou-se
com ela na Galiza, onde mais tarde e por influência do prelado
de Tui foi acolhida num convento. O Marquês deslocou-se para a
Inglaterra, passando a ter vida airada, sem pouso definido,
renunciando mesmo aos seus direitos e títulos nobiliárquicos.
D.Teresa de Moscoso Osório y Aragón foi elevada, depois de
viúva, pelo rei D.João V, à categoria de Marquesa de Santa
Cruz, tendo exercido as funções de aia dos príncipes reais
portugueses, o futuro rei D. José I e seus irmãos, os "Meninos
da Palhavã".
O rei de Espanha, D.Filipe V teve dois filhos que
contraíram matrimónio com príncipes de Portugal. O futuro rei
espanhol D.Fernando VI casou com D.Maria Bárbara de Bragança,
e o nosso rei D.José I casou com D.Mariana Vitória. A "troca
das princesas" efectuou-se, com faustosas cerimónias, no dia
19 de Janeiro de 1729, num pavilhão armado na fronteira dos
dois países, sobre o rio Caia.
Os monarcas espanhóis D.Fernando VI e D.Maria Bárbara são
os fundadores do Convento das Salesas Reales, o actual Palácio
da Justiça, de Madrid. Estão ambos sepultados na igreja deste
convento, em magnífico sepulcro expressamente construído,
preferindo-o ao panteão régio do Escurial, por expressa
vontade dos instituidores.
D.Fernando VI e D.Maria Bárbara de Bragança eram muito
queridos do seu povo e a sua memória ainda hoje é evocada com
respeito. Os espanhóis apreciavam as suas virtudes e
compreendiam quanto eles se preocupavam com o bem-estar geral,
segundo as normas do tempo.
D.Carlos III assinou o conhecido Pacto da Família. Portugal
não o aceitou, apesar de ter sido convidado a subscrevê-lo.
Isso nos arrastou para a guerra com a Espanha, a chamada
"guerra fantástica" dos historiadores hispânicos.
Parece ser aqui que se localiza o lendário episódio do
embaixador de Espanha e do Marquês de Pombal, quando este lhe
disse que, para tirar um morto de sua casa, são precisos
quatro homens vivos. Ninguém pode garantir, efectivamente, a
autenticidade da famosa objecção!
Em 8 de Maio de 1785, realizou-se em Vila Viçosa a
cerimónia da "troca de princesas", que não deve confundir-se
com a do Caia, cinquenta e seis anos antes. Veio para Lisboa
D.Carlota Joaquina, e partiu para Madrid a princesa D.Mariana
Vitória Josefa.
Aquela casava com o futuro rei D.João VI e esta
consorciava-se com o infante D.Gabriel António Francisco,
irmão de D.Carlos IV e tio de Carlota Joaquina.
Explicando melhor, diremos que o infante D.Gabriel era
filho de D.Carlos III e a princesa D.Carlota era filha de
D.Carlos IV.
Do matrimónio de D.Mariana Vitória com aquele infante
espanhol nasceu D.Pedro Carlos António, que depois da morte de
seus pais e de seu avô D.Carlos III (que faleceram os três com
poucas semanas de diferença, no final de 1788), veio para
Portugal, onde foi educado. Seguiu com a corte para o Brasil,
e aí casou com sua prima coirmã, D.Maria Teresa Francisca,
filha de D. João VI e de D.Carlota Joaquina.
Na Paz de Badajoz, que pôs fim à Campanha do Roussilhão e
escaramuças seguintes, os espanhóis arrebataram-nos Olivença e
tivemos de pagar ainda vinte e cinco milhões de francos, como
dívida de guerra.
Apesar de aquele convénio ter sido anulado pelo Tratado de
Paris e pela Conferência de Berlim, nunca mais pudemos
recuperar Olivença, apesar do esforço desenvolvido.
Pelo Tratado de Fontainebleau, que antecedeu as invasões
francesas, Portugal era formalmente riscado do mapa da Europa.
Napoleão serviu-se dele para, na prática, dominar toda a
Península Ibérica, sujeitando aos seus caprichos as duas
gloriosas nações hispânicas.
D.Teresa Cristina de Bourbon, neta do rei de Espanha,
D.Carlos IV, veio a casar com o imperador do Brasil, D.Pedro
II, bisneto do mesmo soberano.
O famoso político espanhol D.Manuel Francisco Domingos de
Godoy y Alvarez de Faria Rios Sánchez Zargosa, abreviadamente
conhecido por D.Manuel de Godoy, e que usou o nome de Príncipe
de Paz, foi o primeiro Conde de Évora Monte, em Portugal.
Nesta altura, 1797, os dois países estavam de boas relações,
mas pouco depois abriam-se as hostilidades, chegando o Conde
de Évora Monte a entrar em Portugal à frente de um exército,
na qualidade de capitão-general, durante a campanha que os
espanhóis chamam Guerra das Laranjas -- não sabemos por que
motivo! Foi ele um dos negociadores do Tratado de
Fontainebleau, que riscava Portugal do mapa da Europa,
tendo-lhe sido atribuído o hipotético Principado do Algarve,
que abrangia parte do Baixo Alentejo. Felizmente, as previsões
não se concretizaram!
Em Espanha, D.Manuel de Godoy foi Duque de Alcudia, Duque
de Sueca, Marquês de Alcudia, Visconde de Alto Castillo e
Barão de Mascalbó. O Papa fê-lo ainda Príncipe Paserano.
Depois de a armada espanhola ter sido desfeita na batalha de
Trafalgar, fugiu para a França, sendo-lhe confiscados os seus
bens. Atribuiu-se-lhe a culpa do desastre, pois ele era o
generalíssimo das forças de terra e mar.
Casou pela primeira vez com D.Maria Teresa de Bourbon y
Vilabriga, Duquesa de Sueca, Condessa de Chinchon e Marquesa
de Boadilla del Monte, neta do rei D.Filipe V e da rainha
D.Isabel Farnésio. Contraiu segundas núpcias com D.Josefa
Petra Francisco Tudó Cathalan Alemany y Luecia, Condessa de
Castillo Fiel. Foram ambas Condessas de Évora Monte, como
cônjuges do detentor da distinção.
O segundo titular da dignidade foi D.Carlota Luísa Manuela
de Godoy y Bourbon, filha do primeiro casamento de Manuel de
Godoy, que usou ainda os títulos de Duquesa de Sueca, Condessa
de Chinchon e Marquesa de Boadilla del Monte. Casou com
D.Camilo Ruspoli, de origem italiana, que podemos considerar
também Conde de Évora Monte, embora nunca tenha usado o
título.
O terceiro Conde de Évora Monte, D.Adolfo Ruspoli y Godoy,
foi também Duque de Alcudia. Casou com D.Rosália Álvarez de
Toledo y Silva, filha dos Duques de Medina Sidónia.
O quarto Conde, D.Carlos Luís Ruspoli y Álvarez de Toledo,
filho dos anteriores, Duque de Alcudia, Duque de Sueca e Conde
de Chinchon, casou com D.Carmen Caro y Caro Alvares de Toledo
y Gomurcio, da família dos Marqueses de La Ramana. Depois de
ter enviuvado, casou com D.Josefa Pardo y Manuel de Villena,
Condessa de Via Manuel e Marquesa de Rafal. Concluímos, pois,
que os Condes de Évora Monte foram todos de nacionalidade
espanhola.
O rei de Espanha D.Fernando VII casou com a princesa de
Portugal D.Maria Isabel de Bragança, filha do rei D.João VI e
de D.Carlota Joaquina. Foi a grande impulsionadora e fundadora
efectiva do Museu do Prado, que bastantes anos antes havia
sido criado por decreto e a que a sua iniciativa, decisão e
desprendimento deram concretização prática.
Os primeiros tempos deste reinado foram perturbados pelas
invasões francesas, três para Portugal e só uma para a
Espanha, de onde nunca chegaram a sair as tropas napoleónicas,
até ao final de luta. Logo de começo, enquanto nós
derrotávamos os invasores em Roliça e no Vimeiro, em Espanha
os franceses sofriam as derrotas de Saragoça e Bailén, entre
outras. Viveram-se tempos muito difíceis!
O irmão do rei espanhol, o infante D.Carlos Maria Isidro,
casou também com uma filha de D.João VI, D.Maria Francisca de
Bragança. Este foi o pretendente ao trono e fundador de
Dinastia Carlista.
Os casamentos realizaram-se em Cádis, ambos na mesma data,
22 de Fevereiro de 1816, estando as noivas no Rio de Janeiro.
Partiram para a Europa a 3 de Julho seguinte, desembarcando
naquele mesmo porto no dia 4 de Setembro.
Outra princesa de Portugal, D.Maria Teresa de Bragança,
casou na cidade do Rio de Janeiro, onde estava a corte, com
seu primo D.Pedro Carlos António, neto do rei D. Carlos III de
Espanha, que tinha sido educado na corte portuguesa, como já
vimos atrás. D.Maria Teresa de Bragança é chamada pelos
autores espanhóis pelo designativo de "Princesa da Beira", que
durante algum tempo lhe competiu, como herdeira presumptiva do
trono de Portugal. Casou, depois de viúva, com seu tio e
cunhado D.Carlos Maria Isidro, tendo-se dedicado profundamente
à tarefa da educação dos seus sobrinhos, de quem foi mãe
adoptiva. O seu primeiro marido havia falecido vinte e seis
anos antes, o que nos leva a pensar que o seu segundo
casamento deverá ter sido efectuado, em boa parte, por
dedicação aos órfãos.
O primeiro Conde da Moita, D.José António Miguel Rafael
João Pedro Paulo de Aragón Azlor y Pignatelli de Aragón, era
de nacionalidade espanhola, usando também os títulos de Duque
de Villahermosa, Conde-Duque de Luna, Conde del Real, Conde de
Sinarcas, Conde de Villanova, Duque de Palata e Marquês de
Cabrega, em Nápoles. Casou com D.Maria del Carmen Fernández de
Córdoba y Pacheco, filha dos Marqueses de Mancera e Duques de
Arión.
O segundo Conde da Moita, D.Marcelino de Aragón Azlor y
Fernández de Córdoba, filho dos anteriores, Duque de
Villahermosa, Conde-Duque de Luna, Conde de Guara e Barão de
Panzano, casou com D.Maria del Patrocínio de Idiáquez y
Correl, filha do Duque de Grana de Ega.
A terceira Condessa da Moita, D.Maria del Cármen de Aragón
Azlor y Idiáquez, teve os títulos usados por seus pais. Casou
com D.José Manuel de Goyoneche y Gamio, Conde de Guaqui.
Também com este título se deu o que já tinha acontecido com o
de Évora Monte, os seus detentores tiveram todos a
nacionalidade espanhola.
***
O período que acabamos de percorrer é caracterizado pela
profunda influência francesa na vida espanhola, que se explica
em primeiro lugar pela origem da dinastia (D.Filipe V era
francês) e em segundo lugar pelos acontecimentos relevantes
que se registaram na França e tiveram repercussão mundial.
Devemos, no entanto, salientar que Portugal e Espanha,
apesar de por vezes as relações serem bastante tensas, puseram
em prática estreita política de casamentos, não só entre os
monarcas como entre outros membros da família real. Tendo
sofrido fortemente a influência francesa, Portugal recebeu-a
em grande parte através da Espanha. Deve salientar-se também
que foram criados no nosso País dois títulos nobiliárquicos em
favor de importantes personagens espanholas.
Nota-se, nesta época, impressionante paralelismo entre o
que se fez em Portugal e o que se fez em Espanha, havendo até
bastante semelhança de temperamento entre os respectivos
soberanos, o que nem sempre pode explicar-se pelos laços de
parentesco, por vezes remotos, embora noutros casos tenham
sido muito próximos. Não devemos esquecer a influência do
ambiente social nas primeiras décadas do século XIX, pois só
deste modo pode compreender-se muito do que aconteceu.
P E R Í O D O C O N S T I T U C I O N A L
D.ISABEL II (1833-1868)
Era filha de D.Fernando VII e de D.Maria Cristina de Bourbon.
Teve como contendedor e pretendente ao trono seu tio D.Carlos
Maria Isidro de Bragança e Bourbon, que tinha sido afastado da
Espanha pelo monarca, pois a sua presença era um obstáculo à
revogação da "lei sálica", que afastava as mulheres do trono.
Devemos recordar que tinham reinado neste país duas rainhas,
D.Isabel I e D.Joana I. O infante espanhol veio para Portugal
onde encontrou a protecção de seu cunhado D.Miguel.
As lutas dinásticas da Espanha devem estudar-se em conjunto
com as de Portugal. Com efeito, encontramos um paralelismo
chocante tanto nos personagens como no desenrolar das lutas,
época em que se verificaram e resultados obtidos.
Quando morreu seu pai, D.Isabel II era ainda muito pequena,
pois nascera em 1830 -- e veio a morrer em 1904. Ficou a
governar a Espanha, como regente, sua mãe D.Maria Cristina, na
qualidade de rainha-viúva. Defendeu corajosamente os direitos
e interesses da filha, conseguindo afastar o pretendente
contrário. Contou também e sempre com dedicações
incondicionais. Mas não conseguiu vencer as dificuldades
levantadas pela política liberal, que muito a fez sofrer.
Devido a sobressaltos revolucionários registados em Madrid,
abandonou em segredo a capital espanhola, pois uma enorme
multidão pedira em altos gritos a sua morte, mesmo em frente
do palácio real onde residia.
Também mais tarde D.Isabel II teve de abandonar o
território espanhol, partindo para o exílio, tendo atravessado
a fronteira, em Hendaye, no dia 30 de Setembro de 1868.
Fundou-se neste reinado a Cruz Vermelha Espanhola;
construiu-se o primeiro barco a vapor utilizado em Espanha, a
que se deu o nome de "El Delfin"; inaugurou-se a primeira via
férrea, de Barcelona a Mataró; começou a lançar-se a linha
para a ligação ferroviária de Madrid com Lisboa.
GOVERNO PROVISÓRIO (1868-1871)
Depois da saída da rainha D.Isabel II, foi nomeado regente do
reino o general Francisco Serrano. Após terem sido estudadas
várias hipóteses, resolveu-se fazer uma votação na Assembleia
Constituinte, para escolha do regime e eleição do Chefe do
Estado. Subiu então ao trono de Espanha o Duque de Aosta,
D.Amadeu de Sabóia.
Esteve também em causa o nome do rei português, D.Fernando
II, viúvo de D.Maria II, que pôs como condição imprescindível
para a aceitação da coroa que os dois reinos jamais se
uniriam. Os políticos portugueses não viam com agrado que
D.Fernando II aceitasse a coroa espanhola, pois era quase
certo que uma dinastia estabelecida daquele modo e tão
precipitadamente não poderia subsistir.
D.AMADEU I (1871-1873)
Foi eleito rei da Espanha no dia 16 de Novembro de 1870. Era
filho segundo do rei Vítor Manuel, o "unificador da Itália",
usurpador dos Estados Pontifícios; a nossa rainha D.Maria Pia,
mulher de D.Luís I, era irmã deste monarca espanhol.
Entrou em Madrid no dia 2 de Janeiro de 1871. Na véspera, o
primeiro ministro, o general João Prim y Prata, tinha sido
assassinado.
Abdicou em 11 de Fevereiro de 1873, reconhecendo ser
impossível governar com dignidade. O famoso educador P.André
Manjón comenta assim o governo de D.Amadeu:-- "O saboiano nada
fez, apenas teve de sofrer desgostos e desenganos".
PRIMEIRA REPÚBLICA (1873-1874)
Teve quatro presidentes efectivos e um provisório. Foram os
seguintes:
1) ESTANISLAU FIGUERAS Y MORAGAS foi empossado em Fevereiro
de 1873 e abdicou em Junho desse mesmo ano. Proclamou-se neste
período o Estado Catalão, independente de Madrid, embora
federado à República Espanhola.
2) FRANCISCO PI Y MARGAL tomou conta do poder depois da
renúncia de Figueras. O seu mandato durou pouco mais de um
mês. A demissão foi devida em parte a um violento discurso
anticatólico do deputado Suñer y Capdevila e à resposta que
lhe deu o cónego Manterola. Múrcia transformou-se numa
República, independente mas federalizada.
3) NICOLAU SALMERON Y ALONSO foi eleito no dia 18 de Julho
de 1873 e apresentou o seu pedido de demissão em 5 de Setembro
seguinte. As províncias de Valência, Sevilha, Salamanca,
Toledo e Granada declararam-se independentes.
4) EMILIO CASTELAR Y RIPOLL iniciou o seu mandato em 6 de
Setembro. Foi irradicado devido à intervenção de Manuel Pavia
y Albuquerque, em 3 de Janeiro de 1874.
5) FRANCISCO SERRANO Y DOMINGUEZ esteve provisoriamente à
frente dos destinos da Espanha. Foi um grande chefe político
liberal, que jugulou a insurreição de Cartagena e libertou
Bilbau da pressão das tropas carlistas. Tomou conta do poder
depois da queda de Castelar.
O tempo que separa a queda de D.Isabel II da restauração da
monarquia pela ascensão de D.Afonso XII ao trono espanhol, foi
de profunda agitação política, social e até militar; quase
todo esse período foi preenchido pelas actividades da segunda
guerra carlista; a primeira corresponde, praticamente, à
regência de D.Maria Cristina.
D.AFONSO XII (1875-1885)
Era filho de D.Isabel II. Foi proclamado rei em Sagunto, pelo
exército, por iniciativa do general Martinez de Campos, num
dos muitos pronunciamentos de que é fértil a História de
Espanha. Julgou-se que, com a sua aclamação, acabariam as
lutas partidárias, e esperava-se até que os carlistas se
submetessem, mas nada disso aconteceu. Entrou em Espanha, na
cidade de Barcelona, no dia 9 de Janeiro de 1875.
D.Afonso XII casou, pela primeira vez, com sua prima
D.Maria das Mercês, a quem dedicou amor ardente e apaixonado,
que os romancistas, dramaturgos e cineastas puderam
aproveitar.
Contraiu segundo casamento com a conhecida D.Maria Cristina
de Habsburgo, regente da Espanha na menoridade de seu filho e
sucessor, D.Afonso XIII, a qual se desempenhou do encargo com
muita dignidade, grande competência e rara dedicação.
Na Conferência de Berlim, a Espanha desinteressou-se de
defender os direitos que podia sustentar sobre certas zonas da
África. Ficou apenas com diminutos territórios deste
continente, então disputado por diversas potências cujos
direitos e aspirações eram de recente data.
D.Afonso XII tinha temperamento muito popular e feitio
afável, grandes dotes de simpatia e dedicação pelo seu povo.
No entanto, as condições sociais e políticas que o envolveram
não lhe foram favoráveis.
Apesar de ser muito querido do seu povo, havia quem lhe
votasse ódio mortal, tendo sido alvo de dois atentados, um na
Calle Mayor e outro na basílica de Atocha, em Madrid, sem
consequências trágicas.
O rei de Espanha D.Afonso XII encontrou-se em Elvas com o
nosso rei D.Luís I, por ocasião da inauguração da linha férrea
que ligava Madrid com Lisboa. Repetiu a visita na altura da
inauguração da linha directa, Madrid-Lisboa, por Marvão (em
Portugal) e Valência de Alcântara (em Espanha). Mais tarde,
visitou ainda oficialmente a cidade de Lisboa; e o nosso rei
D.Luís I e sua esposa D.Maria Pia de Sabóia visitaram também a
cidade de Madrid, retribuindo assim a gentileza dos monarcas
espanhóis. As relações entre os dois países eram então muito
cordiais.
O rei D.Afonso XII foi atacado pela tuberculose e faleceu
vitimado por esta doença, no palácio do Pardo, em 25 de
Novembro de 1885. Alguns meses depois nascia o sucessor do
trono, D.Afonso XIII.
D.AFONSO XIII (l886-l93l)
Herdou o trono ainda antes do seu nascimento, pois é filho
póstumo de D.Afonso XII, como acabámos de registar. Governou o
país durante a menoridade a sua mãe, D.Maria Cristina de
Habsburgo.
No dia do seu casamento com a rainha D.Vitória Eugénia de
Battemberg, no decurso do ano civil de 1906, apesar da
proibição de deitar flores sobre o cortejo, foram lançados
alguns ramos sobre a carruagem régia, onde estavam escondidas
criminosas bombas, que explodiram causando numerosas vítimas
mortais.
O rei D.Afonso XIII visitou Portugal em 1903. O rei
D.Carlos I tinha feito já uma visita à Espanha, em 1902;
repetiu-a, acompanhado de sua esposa, a rainha D.Amélia, em
1906. Foram recebidos com fidalguia e distinção, com carinho e
galhardia excepcionais.
D.Afonso XIII deu acolhimento aos monárquicos portugueses,
depois de implantada a República em Portugal, no dia 5 de
Outubro de 1910. Prepararam-se em Espanha algumas incursões
militares que pretendiam restaurar o antigo regime. A mais
famosa de todas ocorreu em Junho de 1912, e era chefiada pelo
célebre oficial monárquico Henrique Mitchel de Paiva Couceiro.
A Espanha perdeu as últimas terras que possuía na América,
Cuba, e na Oceania, as Filipinas.
Registaram-se neste reinado diversos acontecimentos
funestos, entre os quais se conta a famosa "semana trágica" de
Barcelona, iniciada em 26 de Julho de 1909. Basta o nome para
nos apercebermos do que significou para muitas pessoas! A
actividade subversiva era enorme. Destacaremos os
acontecimentos lamentáveis de 1917, que fizeram com que
ficasse a ser conhecido pelo nome de "ano turvo".
O exército espanhol sofreu derrotas em diversos lugares,
sobretudo em Marrocos. Durante a primeira Grande Guerra (assim
como na segunda), o país manteve-se neutral.
No dia 13 de Setembro de 1923, o general Primo de Rivera
realizou o golpe de estado que lhe entregou o poder,
iniciando-se o período de governo conhecido como "ditadura" do
seu nome. Caiu no dia 29 de Janeiro de 1930. Entrou-se então
num tempo que os espanhóis designam, ironicamente, por
"ditabranda".
Em 12 de Abril de 1931, realizaram-se eleições municipais
que, aparentemente, nada tinham a ver com o regime político.
No entanto, os acontecimentos precipitaram-se e o rei viu-se
na necessidade de se exilar -- atitude que pode ser discutida!
No dia 14 seguinte era proclamada a Segunda República.
SEGUNDA REPÚBLICA (1931-1936 OU 1931-1939)
Foi fértil em acontecimentos a história da Segunda República.
As duas datas que apontamos referem-se ao início e término da
Guerra Civil da Espanha, que lhe pôs fim. Desde 18 de Julho de
1936 até 31 de Março de 1939, sobrepõem-se, com efeito, neste
país, dois governos que reivindicavam para si o carácter de
representantes autênticos do povo espanhol -- o "Movimento",
chefiado por Francisco Franco, e a "Frente Popular",
encabeçada por Manuel Azaña.
A menos de um mês da proclamação da República, em 11 de
Maio de 1931, registou-se em Madrid e noutras cidades
espanholas a famosa "queima dos conventos", em que foram
destruídos ou danificados cerca de oito dezenas de edifícios
religiosos.
No dia 31 de Dezembro do mesmo ano, deram-se os
assassinatos de Castilblanco, perto de Badajoz, e em Janeiro
de 1933 os de Casas Viejas, na Andaluzia meridional; no dia 8
de Julho de 1932, Villa Fradique, na zona de Toledo,
proclamava o "regime comunista" local. No mês de Outubro de
1934, houve a sublevação das Astúrias, reprimida pelo poder
público, segundo uns com excessiva benevolência e segundo
outros com extrema desumanidade. Fosse como fosse, o certo é
que deixou atrás de si enorme sede de vingança! Cometeram-se
excessos lamentáveis e houve represálias sangrentas.
O general Sanjurjo tentou arrancar a Espanha ao domínio da
rua e dos partidos políticos, manobrados por agitadores
profissionais e anarquistas. Não conseguiu realizar o seu
intento, pois fracassou o golpe de força que preparava. Tinha
sido planeado para o dia 10 de Agosto de 1932. Foi preso,
julgado por um tribunal marcial e condenado à morte; a pena
veio depois a ser comutada em prisão perpétua; mais tarde,
permitiram-lhe que se exilasse, fixando então a sua residência
em Portugal, no Estoril, onde veio a morrer, quando se
preparava para regressar à Espanha, a fim de tomar o comando
da sublevação militar de 1936, que deu o poder a Francisco
Franco. Terminou os seus dias por se ter despenhado o avião em
que devia viajar, no momento da decolagem.
O assassinato de José Calvo Sotelo, deputado católico e
monárquico (que tinha também sofrido o exílio em Portugal), na
noite de 12/13 de Julho de 1936, iria precipitar os
acontecimentos e lançar a Espanha nos horrores da guerra.
***
Quando morreu o rei da Espanha D.Fernando VII, seu irmão
D.Carlos Maria Isidro dirigiu ao povo espanhol uma mensagem,
assinada em Abrantes, onde se encontrava. Os seus primeiros
decretos foram emitidos em Santarém. Portugal cortou relações
diplomáticas com Madrid, devido a D.Miguel ter reconhecido
D.Carlos como soberano. Este fortificou-se em Marvão, mas os
liberais portugueses refugiados em Espanha atacaram esta vila
e tomaram-lhe grande quantidade de armas e munições. A proeza
foi realizada por um grupo que se designava Legião Patriótica
do Alentejo.
A permanência de D.Carlos em Portugal, e a localização do
comando das actividades bélicas na cidade correspondente, deu
origem a um curioso dito popular que indica imobilidade,
apatia, nulidade de resultados, e que é: -- "Tudo como dantes,
quartel-general em Abrantes".
Quando as tropas de D.Pedro IV saíram do Porto, depois do
prolongado cerco que ali sofreram, o pretendente ao trono
espanhol foi para Viseu e daqui seguiu para a Guarda. Até
então tivera a sua corte em Vila Real. Entrou depois em
Espanha, confiado no auxílio de algumas tropas e no bom
acolhimento do seu povo; regressou logo a seguir ao nosso
País, entrando pela fronteira da Guarda e chegando a esta
cidade em 14 de Abril de 1834. Saiu definitivamente de
Portugal em 1 de Junho desse ano, depois de ter sido assinada
a Convenção de Évora Monte, que fixou no trono a nossa rainha
D.Maria II. Embarcou no navio "Donegal", no Montijo, então
designado Aldeia Galega, e rumou para a Grã-Bretanha.
A rainha D.Isabel II de Espanha casou com D.Francisco de
Assis de Bourbon y Bourbon, filho do Duque de Cádis, o infante
D.Francisco de Paula, irmão do rei D.Fernando VII. Note-se que
D.Isabel II era prima coirmã de seu marido, pois eram ambos
netos de D.Carlos IV.
Uma sobrinha do rei-cônjuge, D.Maria Isabel Cristina de
Bourbon, filha da infanta D.Isabel Fernanda, casou com um
capitalista português, Bartolomeu da Costa de Macedo Giraldes
Barba de Meneses, Visconde de Trancoso. Este titular é o autor
do livro "Apontamentos para a História da Dominação Castelhana
em Portugal". Possuía grandes propriedades em Espanha, tendo
perdido a maior parte dos seus bens por diversas causas. O
primogénito deste matrimónio, D.Afonso Giraldes y Gurowski,
casou com D.Amália de la Helguera y Gonzalez Garcia Marchante,
filha de família fidalga espanhola.
O Barão e Visconde de Almeidinha, João Carlos do Amaral
Osório de Sousa Pizarro, casou também, em segundas núpcias,
com D.Vitória Catalá de Ascensio y Domenech, filha de um
pundonoroso militar espanhol.
O Visconde de Reguengo e Conde de Avilez, Jorge de Avilez
Jusarte de Sousa Tavares, casou em segundas núpcias com a
espanhola D.Josefa González Pérez de Mendónza.
O Conde do Carvalhal, Leandro da Câmara do Carvalhal
Esmeraldo Atouguia Sá Machado, consorciou-se com D.Matilde de
Montufar Infante, filha dos Marqueses de Selva Alegre, de
nacionalidade espanhola, de família muito conhecida.
O único Barão de Ezpeleta foi o súbdito espanhol Francisco
Xavier de Ezpeleta Irisarri Larrain y Alzueta, que exerceu as
funções de cônsul de Portugal em Bordéus.
Este título foi-lhe concedido pelo rei D.Fernando II,
regente do reino de Portugal na menoridade de D.Pedro V.
O Barão e Visconde de Nossa Senhora da Luz, Joaquim António
Velez Barreiros, casou em Espanha com D.Rosa Montufar Infante,
filha dos Marqueses de Selva Alegre. Esta senhora ficou
historicamente conhecida pela sua formosura e pela ardente
paixão que soube despertar no nosso escritor romântico,
Almeida Garrett. Em regra, é designada abreviadamente por
Viscondessa da Luz.
O Visconde de Orta foi o espanhol José de Orta, que casou
com uma senhora desta nacionalidade, D.Manuela Toranjo. Do
matrimónio nasceu o sucessor do título, Barnabé de Orta, e
quatro filhas, três das quais casaram com titulares
nobiliárquicos portugueses: --D.Maria Francisca foi Condessa
de Valbom; D.Antónia Maria foi Condessa de Magalhães; e
D.Maria da Encarnação foi Viscondessa do Rio Sado. O título de
Visconde da Orta ficou a dever-se à magnanimidade de
D.Fernando II, regente do reino durante a menoridade de
D.Pedro V.
O Conde de Azarujinha, Jaime Augusto de Albuquerque de
Lemos Dias de Freitas, casou com a espanhola D.Maria Aurora
Lasso de la Vega y Jimenez, neta dos Marqueses de Bejarano.
O título espanhol de Conde de Lumbrales foi atribuído a um
português, Ricardo Pinto da Costa, que casou com uma rica
proprietária da povoação daquele nome, tendo-lhe sido
concedido o galardão nobiliárquico pelos altos serviços
prestados à população da zona salmantina.
Assinou o diploma a regente de Espanha, D.Maria Cristina de
Habsburgo.
O segundo Conde de Lumbrales foi o cidadão português João
Vítor Pinto da Costa Bartol, nascido em Espanha, na localidade
que dá nome ao título. Um dos seus filhos veio a ser o famoso
político português Professor Doutor João Pinto da Costa Leite
(Lumbrales), ministro das Finanças, das Obras Públicas, do
Interior e da Presidência, no tempo de Oliveira Salazar.
O terceiro Conde de Lumbrales é Ricardo Pinto da Costa
Leite, filho dos segundos Condes. Prestou serviço como
engenheiro civil na Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos,
em Lisboa.
Ao contrário do que aconteceu com os Condes de Évora Monte,
que foram todos espanhóis, os Condes de Lumbrales tiveram
todos a nacionalidade portuguesa.
O Conde de Mendia, em Portugal, e Marquês de Mendia, em
Espanha, foi D.Eugénio de Mendia y Cunha Matos. Nasceu no
Brasil e morreu em Lisboa. Era neto, por sua mãe, D.Maria
Eugénia da Cunha Matos, do ilustre militar e historiógrafo
luso-brasileiro, marechal Raimundo José da Cunha Matos, e de
sua mulher D.Maria Venância de Fontes Pereira de Melo, prima
de seu marido.
A esposa do marechal Cunha Matos era irmã do grande
estadista português dos mesmos apelidos. O nome desta família
está ligado a outros de destaque, tanto em Portugal como no
Brasil.
O segundo Conde de Mendia, Eduardo Pereira Caldas de
Mendia, era sobrinho do antecedente e tinha o direito a usar o
título espanhol, assim como o terceiro Conde, Eugénio de Sousa
Coutinho de Mendia, o qual casou com D.Maria Mafalda Brandão
de Melo Magalhães Guedes de Queirós, filha dos Condes de
Cabral. Também desta vez o ilustre título espanhol se fixou
numa família portuguesa.
O único Visconde e Conde de Cunha Matos, Raimundo de Mendia
e Cunha Matos, natural do Brasil e falecido em Lisboa, era
irmão do primeiro Conde de Mendia, filho como ele de José
Mateo de Mendia e Elorza, oriundo de Oñate, na 0Espanha, e
neto do marechal luso-brasileiro Raimundo José da Cunha Matos.
Um dos filhos dos Barões de Ornelas, Fernando Henrique
Vasco José de Ornelas, casou em Espanha com D.Maria do Rosário
Silva y Agrela, Marquesa de Vilanant.
O quarto Marquês do Faial, António Maria da Assunção Sousa
e Holstein-Beck, que usou também o título de Conde de
Calhariz, tomou parte activa na Guerra Civil da Espanha,
combatendo ao lado das tropas nacionalistas.
O quarto Conde e terceiro Marquês de Penafiel, João António
Mártens da Mata Sousa Coutinho, alistou-se também nas forças
nacionalistas.
Os comandos espanhóis distinguiram-no com referências muito
elogiosas e honrosos louvores pela sua coragem e dotes de
chefia. Veio a morrer na batalha do Ebro, e o Governo
Português condecorou-o a título póstumo, concedendo-lhe a
medalha de prata de valor militar, e promovendo-o ao posto de
alferes.
D.Pedro de Alcântara Gastão, bisneto do imperador do
Brasil, D.Pedro II, casou com D.Maria de la Esperanza de
Bourbon-Sicílias, filha do príncipe D.Carlos de
Bourbon-Sicílias, infante de Espanha.
D.Teresa Maria Teodora, irmã do antecedente, casou com o
espanhol Ernesto Martorell y Calderó, nascido em Portugal,
onde o casamento se realizou.
***
O último período da História de Espanha, na vigência das
respectivas monarquias, não teve repetidas uniões matrimoniais
entre os seus monarcas e outros membros da família real,
portuguesa e espanhola; apenas as dinastias proscritas fizeram
casamentos entre si, e pouco frequentes, mas que podem
considerar-se como prolongamento e continuação da antiga
tradição. No entanto, encontramos maior número de titulares
que procuraram consortes no outro país, embora não sejam da
alta nobreza, por certo devido às facilidades de comunicações
que a segunda metade do século XIX nos proporcionou.
Continuamos a verificar, sem qualquer dificuldade, o
paralelismo que os dois países mantiveram ao longo deste
período. Correspondem, de perto, às guerras liberais que ambos
tiveram, às revoluções que sofreram, à mudança de regime
político que em ambos se registou, e também ao aparecimento de
chefes em que talvez poucos atentassem, Franco e Salazar,
muito diferentes e muito parecidos entre si, com algo de
carismático...
Conseguiram, tanto um como o outro, pôr fim à instabilidade
política e a administrações ruinosas, talvez ainda mais
notórias na Espanha do que em Portugal, apesar da boa vontade,
da dedicação e até da competência e honradez de muitos
governantes...
Francisco Franco Bahamonde e António de Oliveira Salazar,
ao princípio, mostraram-se pouco interessados pelo exercício
do poder; todavia, uma vez estabelecidos nas cadeiras
governamentais, mantiveram-se ali até ao fim da vida...
Numa coisa diferem profundamente as crónicas dos dois povos
peninsulares, nas últimas décadas: Portugal não sofreu os
horrores de uma guerra civil sangrenta e desgastante em vidas
e em valores, que só teve fim após muito sofrimento. No
entanto, cerca de um quarto de século mais tarde, foi levado a
sustentar prolongada guerra colonial, em Moçambique, Angola e
Guiné, à custa de sacrifícios incalculáveis. Concluiremos que,
no fundo, também nisto apresentamos semelhanças!
D I N A S T I A C A R L I S T A
D.CARLOS V (1833-1845)
Era filho de D.Carlos IV. Não quis renunciar aos seus direitos
à coroa, como Napoleão exigia, e por isso esteve cativo
durante alguns anos, primeiro no castelo de Marrac e depois no
de Valençay. Estava em Portugal, como já vimos, quando seu
irmão D.Fernando VII morreu. Saiu do nosso País depois de ter
sido assinada a Convenção de Évora Monte, embarcando no
Montijo, no vapor que o levou à Grã-Bretanha.
Casou com D.Maria Francisca de Assis e Bragança, filha de
D.João VI e de D.Carlota Joaquina, portanto, sua sobrinha.
Tendo-lhe falecido a primeira esposa, casou algum tempo depois
com sua cunhada D.Maria Teresa de Bragança, que havia vinte e
seis anos era já viúva. Foi como segunda mãe dos seus
sobrinhos órfãos, dedicando-se-lhes inteiramente. Esta senhora
havia sustentado uma importante questão judicial com o que
veio a ser seu segundo marido, em defesa dos direitos de seu
filho D.Sebastião Gabriel Carlos.
D.Carlos V abdicou em 1845, transitando todos os seus
direitos e pretensões ao trono para seu filho D.Carlos VI.
Morreu dez anos depois.
D.CARLOS VI (1845-1861)
Era filho de D.Carlos V e de D.Maria Francisca de Assis e
Bragança, sua primeira esposa. Casou com D.Maria Carolina de
Nápoles, irmã da rainha D. Maria Cristina, de Espanha.
Ainda se pensou na pacificação da família espanhola, unindo
em casamento as duas casas reais, mas o projecto nunca pôde
ter realização.
Morreu no dia 13 de Janeiro de 1861, vitimado por uma
epidemia de febre tifóide. No dia seguinte falecia também sua
mulher, e no dia 1 de Janeiro tinha morrido já o seu irmão
D.Fernando, todos eles atacados pelo mesmo mal.
D.JOÄO III (1861-1868)
Ao tratar da dinastia carlista, Galindo Herrero afirma que se
discute se este personagem deve ou não ser incluído nela. Como
aquele autor lhe traçou a biografia, seguimos o seu exemplo...
Era filho segundo de D.Carlos V e de D.Maria Francisca de
Assis e Bragança, portanto irmão do seu antecessor, que
faleceu sem descendência. Por morte do pretendente carlista à
coroa de Espanha, passou a ser o legítimo representante da
causa. Porém, os partidários do tradicionalismo espanhol não
confiavam nele.
A própria D.Maria Teresa de Bragança, sua mãe adoptiva e
sua tia, reconhecia não merecer a confiança dos seus
partidários e, consequentemente, fez publicar então a famosa
"Carta aos Espanhóis", na qual defendia a hipótese de a
sucessão passar directamente para D.Carlos VII. Este documento
é considerado um modelo de clareza política e a exposição
perfeita da doutrina tradicionalista.
D.João III levou sempre vida desregrada. O seu estranho
temperamento fez com que tivesse desavenças permanentes com
sua esposa, a arquiduquesa D.Maria Beatriz de Este, de quem
veio a separar-se, tendo os filhos sido confiados aos cuidados
maternos. Chegou a pedir um lugar na corte de D.Isabel II, não
sendo atendido. Vendo que todos estavam contra ele, abdicou em
1868. Faleceu dezanove anos mais tarde.
A infanta de Portugal, D.Maria Teresa de Bragança, de quem
acabámos de falar, e a quem os autores espanhóis dão
habitualmente a designação de "Princesa da Beira", por ter
usado este título como herdeira presumptiva do trono
português, sofreu ainda o desgosto de saber que o seu filho
D.Sebastião Gabriel Carlos jurou obediência à rainha D.Isabel
II. Estava ligado por laços matrimoniais à família reinante,
visto que sua esposa, D.Maria Amélia, era irmã da regente
D.Maria Cristina. Casou ainda, mas em segundas núpcias, com
D.Maria Cristina Isabel, da família real espanhola. Só do
segundo casamento houve descendência, que se continuou nas
famílias dos Duques de Marchena, Duques de Durcal, Duques de
Ansola e outras.
D.CARLOS VII (1868-1909)
Era filho de D.João III e de D.Maria Beatriz de Este. Foi
educado por sua mãe, judicialmente separada do marido, por
causa da vida desregrada que sempre levou.
Recebeu o documento da abdicação das próprias mãos de seu
pai, na cidade de Paris, em 3 de Outubro de 1868. A rainha D.
Isabel começara o seu exílio três dias antes.
Depois que D.Amadeu I ocupou o trono, os carlistas
intensificaram a luta pela conquista do poder, mas os
resultados foram, na sua generalidade, desfavoráveis aos
"requetés".
Abandonou a Espanha em Fevereiro de 1876 e fixou a sua
residência em Paris, de onde foi expulso sob a acusação de se
dedicar a actividades políticas incompatíveis com a sua
situação. Acredita-se que fossem outras as verdadeiras razões,
e que a sua presença não fosse apreciada pelas autoridades
francesas, de tendências liberais.
Viveu durante algum tempo em Londres e transferiu-se depois
para Veneza, onde a sua mãe pôs um sumptuoso palácio à sua
disposição. O Patriarca de Veneza, o futuro Papa S.Pio X,
distinguia-o com a sua estima, assim como o grande Pontífice
Pio IX, de cujas mãos recebeu o Crisma, e igualmente o seu
irmão, o futuro D.Afonso Carlos I.
D.JAIME III (1909-1931)
O número de ordem atribuído a este pretendente ao trono
espanhol vem-lhe dos reis de Aragão e Catalunha, unidos.
Era filho de D.Carlos VII. Estudou em Viena de Áustria, na
Academia Militar, mas não usava o respectivo uniforme por ser
o pretendente à coroa de Espanha. A rainha-viúva, D.Maria
Cristina, era sobrinha do imperador.
. Foi ajudado, pecuniariamente, por D.Maria das Neves de
Bragança, sua tia, filha de D.Miguel I, de quem falaremos mais
adiante. O rei D.Afonso XIII, então no exílio, manteve
relações amistosas com este seu primo, à semelhança do que
tinha acontecido com a rainha D.Isabel e D.Carlos VII.
Diz-se que se apaixonou pela princesa D.Matilde da Baviera,
mas que o pai dela se opôs ao casamento, pelo que nunca mais
pensou a sério em casar. Morreu solteiro, em 2 de Outubro de
1931.
D.AFONSO CARLOS I (1931-1936)
Ignoramos a razão por que se dá a este pretendente carlista a
designação indicada; só se for para evitar confusão com os
reis que governaram de facto, D.Afonso XII e D.Afonso XIII.
Era filho de D.João III. Alistou-se como simples soldado
nos exércitos dos Estados Pontifícios, o que deu grande
satisfação a sua tia-avó, D.Maria Teresa de Bragança.
Casou com D.Maria das Neves de Bragança, filha de D.Miguel
I de Portugal, em 1871. No ano anterior havia tomado parte nos
combates travados contra as tropas do rei Vítor Manuel, no
assalto à Porta Pia, por ocasião da tomada de Roma.
Durante a primeira Grande Guerra, dedicou-se a auxiliar os
feridos e doentes, nos hospitais, amparando as obras de
assistência, na medida das suas possibilidades económicas.
Recebeu os direitos e pretensões ao trono espanhol por
morte de seu sobrinho D.Jaime III. Contava então mais de
oitenta anos de idade. O seu curto "reinado" corresponde ao
período da Segunda República. As ideias tradicionalistas, em
resultado de intensa actividade política, expandiram-se
bastante; os seus partidários, vulgarmente designados
"requetés", exerceram papel preponderante no levantamento
militar de Julho de 1936.
D.Afonso Carlos I fixou a sua residência em São João de
Luz, na França, próximo da fronteira com a Espanha. Morreu
pouco depois de começar a guerra civil, no dia 28 de Setembro
daquele ano, em Viena de Áustria, vítima de um desastre de
viação, tendo sido atropelado por um camião, quando
atravessava uma rua. Nesse mesmo dia saíam do alcácer de
Toledo os seus famosos e heróicos defensores. E no dia a
seguir ao do seu funeral, um grupo de generais, em reunião
efectuada em Salamanca, resolveu entregar os destinos da
Espanha ao seu colega Francisco Franco, que passou a partir de
então a ser designado por Generalíssimo dos Exércitos e
Caudilho de Espanha.